sábado, 7 de março de 2020

O SINAL DA CRUZ (VII)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

VII

A quinta razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos conduzirmos ao Céu, pois é o guia seguro que nos conduz sãos e salvos. Tal como São Rafael Arcanjo ao jovem Tobias, o Sinal da Cruz se apresenta a ti, a mim e a todos para nos acompanhar, guiar e defender. Numa eloquência divina, o sublime Sinal da Cruz dissipa as trevas, aclara os caminhos, guia o homem e responde-lhe, com clareza pacificadora, as perguntas que lhe causam o pânico da incerteza. Eis o que ele diz ao homem: 'tu vieste de Deus e a Ele deves voltar', 'como imagem de Deus que é todo Amor, é pelo amor que deves a Ele regressar' e 'o amor abrange a lembrança e a imitação'.

O Sinal da Cruz é todo cheio de lembranças divinas. Ao se fazer o Sinal da Cruz, todas estas lembranças divinas, como se fosse um líquido vivificante, penetram profundamente em toda a minha existência. Fazendo o Sinal da Cruz, eu me lembro necessariamente de Deus Pai; lembro-me necessariamente de Deus Filho e lembro-me necessariamente de Deus Espírito Santo. Lembro-me do Pai Eterno, meu Criador, do Filho Unigênito, meu Redentor e do Divino Espírito Santo, meu Santificador.

Eu existo; e a Vós, ó Pai dos pais, devo eu a vida, que é a base de todos os bens naturais; a vida que Vós me haveis dado a mim, em preferência a tantos milhões de seres apenas possíveis, mas que não existem. Mais. Eu vos devo a conservação da vida. Cada pulsação de meu coração é um benefício; e Vós o renovais a cada segundo do dia e da noite; e Vós o continuais fazendo há longos anos apesar da minha ingratidão e do mau uso que dele tenho feito. A Vós eu devo tudo quanto conserva, consola e embeleza a vida. 

Graças ao Sinal da Cruz é que podemos ver, à nossa frente, a Santíssima Trindade para imitá-la. Duas palavras resumem o que hoje mais se necessita imitar: santidade e caridade. Santidade quer dizer unidade. É a isenção de toda a mistura. Deus é santo, porque é Uno. É três vezes santo, porque é três vezes uno. Uno em sabedoria infinita; uno em poder infinito e uno em amor infinito. Nada limita, nada pode alterar em Deus esta tríplice unidade. Deus é santo, completamente santo, perfeitamente santo. Em todas as suas obras, Deus é santo.

Eis a primeira lição que o Sinal da Cruz sempre me dá! Imagem santa do Santo Deus três vezes santo, inexoravelmente santo, também devo ser três vezes santo, inexoravelmente santo: na memória, no entendimento e na vontade. Santo na minha alma e no meu corpo; santo em mim mesmo e santo em minhas obras; sempre santo, em tudo e em toda parte, só ou acompanhado; na juventude ou na velhice — devo ser sempre santo!

O Sinal da Cruz faz mais: santifica tudo quanto toca e a todas as criaturas. Pela imitação da santidade e caridade divinas, o Sinal da Cruz, guia eloquente e seguro, sustenta-nos no caminho de nosso único e verdadeiro destino: Deus, de quem somos filhos e de quem devemos ser a imagem, pela caridade. Toda a caridade nasce do coração. E Deus é todo Coração. Conheces talvez, meu caro, uma outra expressão mais deliciosa do que esta? Pois bem: sempre que fazemos o Sinal da Cruz, ele nos leva a repetir: Deus charitas est —  Deus é Caridade. Ser a imagem de Deus é o nosso dever — sermos semelhantes a Ele. Para isto precisamos ser caridade. Caridade em nós mesmos e também presente em todas as nossas obras.

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

sexta-feira, 6 de março de 2020

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


MEDITAÇÕES PARA A SEGUNDA SEXTA-FEIRA DA QUARESMA

DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR


I - POR QUE NOSSO SENHOR ESCOLHEU, PARA TRANSFIGURAR-SE, UM LUGAR AFASTADO DO MUNDO?

Nessa escolha, Nosso Senhor quer nos ensinar que não é no meio do mundo e das obrigações mundanas que Deus se manifesta à alma e a faz passar das misérias do homem velho ao esplendor e às virtudes do homem novo. Para se ver a Deus, para ouvi-lO, e ser transformado pela Sua Graça, a primeira condição que se exige é o recolhimento interior, ou seja, a serenidade da alma protegida do tumulto das criaturas e aberta somente à Deus e às Suas divinas inspirações, a paz do despojamento sob o olhar de Deus.

À medida que nos deixamos levar pela dissipação do espírito, das divagações da imaginação, das preocupações mundanas, dos apegos do coração, do tumulto dos pensamentos inúteis; quando, enfim, não vivemos retirados somente no recolhimento do nosso coração, Deus não Se mostrará a nós e nos será tão somente o 'deus desconhecido' de Atenas. 

Sua bondade e perfeições infinitas não nos enternecerão; não vamos amá-lO e nem teremos desejo algum de amá-lO. Estranhos para Deus, não seremos menos estranhos para nós mesmos; não nos conhecemos e não encontraremos nada para sermos corrigidos, nada para se alterar, nenhuma razão para humilharmos, mortificarmos ou renunciarmos; e toda a nossa vida se passará no esquecimento de Deus e na ignorância sobre nós mesmos. Ó dissipação, quanto mal fazes à alma! Ó santo recolhimento, quão necessário és! Conduzi-me , Senhor, ao recolhimento, tal como a vossos apóstolos, e tende ali sempre encerrados o meu espírito e o meu coração.

II - POR QUE NOSSO SENHOR ESCOLHEU, PARA TRANSFIGURAR-SE, UM ALTO MONTE?
     
Este lugar elevado, de onde os apóstolos podiam dominar os lugares nos quais viviam, significa que, para desfrutar de Deus, para merecer a graça e santificar-se, é necessário ter um coração elevado acima de todas as coisas sensíveis, um coração maior e mais elevado que o mundo; é preciso recalcar tudo o que antes nos atraía. Enquanto possamos ter aqui algum apego, enquanto houver na terra um objeto de nossa predileção, vamos apenas nos arrastar miseravelmente pelos mesmos caminhos e vagar no labirinto de nossas misérias, em vez de avançar nos caminhos da virtude; definhando em vez de viver e nos fortificar.

Mesmo que a nossa alma tivesse as asas de uma pomba que anseia voar ao encontro de Deus, enquanto se mantiver apegada ao mundo, ainda que seja por um fio, não vai fazer mais do que lutar e se revolver penosamente em torno do que a detém, sem nunca alçar voo. Por outro lado, se esta alma conseguir, enfim, se libertar de suas amarras e se deixar conduzir por Nosso Senhor até o cume da montanha e, ali, recalcar sob os pés todos os apegos vãos que amava, de pronto ela há de progredir na perfeição. Em um único dia e, com menos trabalho, há de avançar nessa caminhada mais do que teria feito durante todo o tempo que arrastava consigo os pesos que a sujeitavam.

Nisso, nada há que possa retardar a sua caminhada, nada há que possa turbar ou distrair a sua marcha; mas ela há de avançar livremente, como diz a Imitação de Cristo: 'Quem é mais livre do que aquele que nada deseja sobre a terra?' Se não quisermos buscar tudo o que lisonjeia a vaidade, tudo que mantém a debilidade, tudo que incita a curiosidade, as inutilidades que divertem e os modismos que distraem os homens tíbios, é preciso renunciar à paixão do prazer e do gozo e não se apegar demasiado às comodidades da vida; é preciso satisfazer as necessidades mundanas com discernimento, não dar valor às coisas mais do que o necessário e não usá-las, por assim dizer, mais que ligeiramente e de pronto, tal como o fazia os soldados de Gideão ou como Jônatas, que tomou o mel por meio da ponta de sua lança, sem se submeter.

Acima de tudo, é preciso nos desprendermos de nós mesmos, de nossos gostos, de nossa honra, de nossa própria vontade e de suas fantasias, de nosso amor próprio e de sua ambição, que busca participar de tudo o que se diz e encontrar tudo o que se faz: é preciso romper com os cuidados excessivos com a saúde, que nos torna sensíveis e difíceis de agradar, sobretudo no que contraria e mortifica os sentidos; enfim, impõe-se elevar-se acima de nós mesmos e, sob pena de nos perdermos, esvaziar o coração de tudo o que não é de Deus. Como nos encontramos neste desprendimento universal? Isto é muito mais grave do que se pensa. Pensemos nisso seriamente e trabalhemos a cada dia para torná-lo cada vez mais realidade.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).
(hoje é dia de indulgência plenária pela Igreja)

quinta-feira, 5 de março de 2020

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Grandes homens são aqueles que, pela elevação, profundidade e extensão do seu gênio, abraçam imensos horizontes no mundo da verdade; aqueles que conhecem as ciências, os homens e as coisas não superficialmente, mas em seus princípios, em seus fins e em sua natureza íntima; aqueles que conhecem não só a matéria, mas também o espírito que é indizivelmente superior à matéria; aqueles que não só conhecem o homem, mas também o anjo; não só a criatura, mas também o Criador; homens que sabem não só o que existe aquém do túmulo, mas também o que deve existir além dele; conhecem não um ou outro fato isolado, mas o conjunto dos fatos; não uma lei isolada mas todo o sistema da criação, donde fazem sair inesperadas e luminosas aplicações para o bem da humanidade. Eis o gênio, eis o Pai da Igreja. Por mais célebres que sejam as notabilidades atuais em química, em física, em mecânica ou na indústria, eles nem são gênios e nem grandes homens. O homem que não abrange com sua vista mais que uma lei secundária da harmonia universal, não merece o nome de gênio; porque, não dizemos ser um grande músico ao que não sabe tirar senão um único som de seu instrumento, mas àquele que harmoniosamente faz soar nele todas as cordas.
(Monsenhor Gaume)

quarta-feira, 4 de março de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: A DESORDEM E A LUTA


Por uma desordem, consequência do pecado original, cada faculdade, diz São Tomás de Aquino, busca seu bem próprio sem ocupar-se do bem comum, ainda que o conjunto possa perecer. Acontece então como quando se torna preciso domar uma manada de feras; o que não se consegue senão com o chicote e sem perdê-las de vista. E se algumas carecem de domínio sobre si mesmas, sobretudo no princípio, eis então uma jaula de feras. Não as menosprezeis sob o pretexto de dominá-las a chicotadas porque não conseguirás. Descartai tais armadilhas e elevai-vos até Deus. Como poderíeis fazer isso? É um segredo, porém o Espírito Santo vos ensinará. 

Além disso, o inimigo espreita ao redor das almas. E aquelas que se lhe escapam e se esforçam em servir a Deus lhe são particularmente odiosas. Para perturbá-las, tenta de tudo. Quer impedir que deem frutos. E para isso ataca as flores assim que brotam. Pois cada flor que cai antes do tempo é um fruto perdido para a colheita. E cada bom pensamento apagado pelo medo, cada bom desejo sufocado pelo temor, são outras tantas flores estéreis. O demônio sabe disso. E por isso excita na alma esses mil pequenos surtos incômodos e pensamentos de tola vaidade, de suscetibilidade invejosa, de impaciência enraivecida, de avidez caprichosa que molestam, inquietam, paralisam, intimidam e que acabam por dividir simultaneamente a atenção do espírito e a aplicação da vontade. Deus, por outro lado, jamais está na perturbação e na inquietude. Por estes sinais reconheceis que estes pensamentos não são dEle. O demônio é bastante sutil em perturbar as vidas de alma interior!

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)