sábado, 28 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVIII)

P. 39 - Quais são os sentimentos e disposições adequadas que esta grande verdade deve produzir nos corações e na conduta dos membros da Igreja de Cristo?

Nada pode contribuir mais eficazmente para produzir as disposições mais necessárias e salutares em seus corações, tanto para com Deus, quanto para com os outros e para com aqueles que estão separados de sua comunhão, do que a consideração frequente e séria de sua vocação para a fé em Cristo e para a comunhão daquela Igreja, fora da qual não há salvação.

No que diz respeito a Deus, não pode deixar de inspirar-lhes os mais ternos sentimentos de afeto, amor e gratidão para com Ele, os que se veem tão altamente favorecidos pela sua infinita bondade, sem qualquer mérito de sua parte, e em preferência a tantos milhares de outros que são deixados na ignorância e no erro. Eles nunca devem deixar de louvá-lo e adorá-lo por um favor tão grande e inestimável, e devem ser assíduos em dar provas da sinceridade de sua gratidão e amor a Ele, por meio da obediência contínua aos seus mandamentos. Quão agradáveis são essas coisas ao Deus Todo-Poderoso, e o quanto Ele as exige daqueles a quem Ele tanto favoreceu, é evidente por sua própria Palavra Divina, onde somos frequentemente lembrados da grandeza da graça de nossa vocação e urgentemente ordenados a retribuir adequadamente a Deus por ela, por meio dessas virtudes sagradas.

'Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo' - diz São Paulo - 'que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos... Por isso também eu, tendo ouvido falar da vossa fé no Senhor Jesus, e do amor para com todos os cristãos, não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações. Rogo ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria que vos revele o conhe­cimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé. É o mesmo poder extraordinário que ele manifestou na pessoa de Cristo' (Ef 1,3-4.15-20). Vede com que ardor ele deseja que tenhamos uma noção adequada dessa grande misericórdia! E um pouco depois, descrevendo a grandeza desse favor e o retorno que ele exige de nós, ele diz: 'porquanto é por ele que ambos temos acesso junto ao Pai num mesmo espírito. Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus (Ef 2,18-20). E ainda: 'Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Se­nhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas' (Ef 5,8-11). Em outro texto, nos diz: 'para que vos comporteis de maneira digna do Senhor, procurando agradar-lhe em tudo... Sede contentes e agradecidos ao Pai, que vos fez dignos de participar da herança dos santos na luz. Ele nos arrancou do poder das trevas e nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado' (Cl 1,10.12-13). E, novamente, escrevendo a Tito, ele diz: 'É fiel esta palavra, e estas coisas quero que afirmes constantemente, para que os que crêem em Deus se esforcem por praticar boas obras' (Tt 3,8).

Por fim, para mostrar a necessidade absoluta dessa correspondência grata da nossa parte com a grande bondade de Deus para conosco, ele nos assegura que somente sob a condição de perseverarmos em nossa santa fé e na esperança de nosso chamado, podemos esperar a recompensa eterna de sermos apresentados sem mancha diante de Deus: 'Considerando que' - 'diz ele - 'algumas vezes vocês estavam alienados e eram inimigos em sua mente, em más obras; mas agora Ele os reconciliou no corpo da sua carne, para apresentá-los santos, imaculados e irrepreensíveis diante dele, se assim continuarem na fé, fundamentados e firmes, e inabaláveis no Evangelho que ouviram, que é pregado em toda a criação que está debaixo do céu' (Cl 1,21-23). São Pedro também descreve a graça da nossa vocação nos termos mais belos e assegura-nos que o próprio desígnio de Deus ao nos chamar era que pudéssemos retribuir-lhe adequadamente, proclamando os seus louvores. 'Vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que proclameis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua admirável luz' (1Pd 2,9). Que grande obrigação tudo isso nos impõe de viver uma vida boa e de nos esforçarmos em todas as coisas para fazer a vontade de Deus, especialmente quando o próprio Cristo diz expressamente: 'Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus'!

P. 40. Quais são as disposições e o comportamento que esta inestimável bondade de Deus exige dos membros da sua Igreja uns para com os outros?

São Paulo descreve-nos isso de forma muito clara, da seguinte maneira: 'Exorto-vos, pois, – prisioneiro que sou pela causa do Senhor –, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e ama­bilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos' (Ef 4,1-6).  Vejam aqui com que cores fortes ele mostra que a humildade, a mansidão e o amor fraternal são virtudes essenciais à nossa vocação, e que tudo o que pertence à nossa santa religião exige que vivamos na prática constante delas; que estamos todos unidos em um só corpo, a Igreja de Cristo animada por um só espírito, o espírito de Jesus, que guia e conduz esse corpo a toda a verdade; que somos chamados a uma só esperança da nossa vocação, a posse do próprio Deus na glória eterna; que todos servimos a um único Senhor, nosso Senhor Jesus Cristo; que todos professamos uma única fé, aquela santa fé que Ele revelou à humanidade, sem a qual é impossível agradar a Deus; que todos somos santificados por um único batismo; que todos servimos a um único Deus; que todos somos filhos de um único Pai; e que este Pai celestial está sempre presente conosco, e toda a nossa conduta está nua e aberta diante Dele. Quão impróprio, então, deve ser aos olhos deste nosso Pai, ver-nos entretendo discórdias ou má vontade entre nós! E quão indigno de nossa vocação e desonroso para nossa religião se, sendo membros do mesmo corpo, servos do mesmo mestre e filhos do mesmo Pai, unidos por tantos laços fortes de religião, vivêssemos em animosidade e inimizade uns com os outros!

Em outro texto, o mesmo santo apóstolo, descrevendo as disposições necessárias para aqueles a quem Deus chamou, como seus eleitos, para a graça inestimável de serem membros da sua santa Igreja, diz: 'Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entra­nhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós' (Cl 3,12-13).  E o comportamento contrário é tão impróprio e tão indigno da nossa vocação, que São Tiago declara que é até diabólico: 'Se tendes zelo amargo e contendas em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade; porque isso não é sabedoria que desce do alto, mas é terrena, sensual, diabólica' (Tg 3,14). Tudo isso é extraído da doutrina expressa do nosso grande Mestre, que não apenas ordena a todos os seus seguidores que vivam em amor fraternal e união entre si, mas declara que isso está tão ligado à sua vocação que é o sinal distintivo de que pertencem a Ele: 'Nisto todos saberão' - diz Ele - 'que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros' (Jo 13,35).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)