sexta-feira, 22 de março de 2019

50 JACULATÓRIAS DA ALMA PENITENTE (III - IV)


21. Lembrai-vos, Senhor, que sou obra de vossas mãos; lembrai-vos que vos custei muito na Cruz. Não entregueis às bestas infernais as almas que Vos confessam.

22. Não me dirás, alma minha, que males te fez teu Deus, para que assim o ofendesses? Acaso foi crime o morrer por ti de amor em uma Cruz? Porventura te agravou em querer salvar-te, e dar-te o Reino de sua Glória? Que razão posso dar, Senhor, do pecado, que é a mesma sem-razão? Tende misericórdia.

23. Paz, Senhor; paz para sempre; fiz mal, assim o confesso diante do Céu e da Terra. Não o farei mais; perdoai-me por quem sois.

24. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que me pode render o amor do mundo e todas as suas coisas, senão deleite falso que em um momento passa? Tormento verdadeiro, que em uma eternidade não passa?

25. Que fará um desgraçado a quem a morte colheu em pecado mortal e o sepultou nas profundezas? Ó que gemidos! Que ânsias! Que remorsos! Que desesperações! Que incêndios! Tu não puderas já ser este? Quanto devo, Senhor, à vossa paciência! Bendito sejais eternamente.

26. Não dissestes, Vós, Senhor, que havia grande festa e alegria no Céu quando algum pecador se convertia? Então, amorosíssimo Jesus, fazei com Vossa graça que seja eu o assunto desta alegria e festa.

27. Eis-me, aqui Senhor, que sou o filho pródigo, que dissipei a substância de vossa graça, e andei na região remota de vossa presença, apascentando os animais imundos de meus apetites; já torno para a Vossa graça, lançai-me os braços da Vossa caridade.

28. Ó lave-me esse precioso Sangue que, com tanto amor, derramastes pelos pecadores! Lave-me todo com um perfeito batismo e ficarei mais alvo que a neve.

29. Senhor Deus: aqui nesta vida me castigai e aqui me abrasai, contanto que me perdoeis eternamente. Não queirais, Senhor, entesourar contra mim vossa ira; não me guardeis para a outra vida a satisfação de Vossa justiça.

30. Ó horas preciosas dadas para servir e amar a Deus e empregadas em ofendê-lo! Quem nunca houvera nascido para tanto mal! Ou quem de novo tornara a nascer, para assim o emendar!

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]



31. Ó que cego andava eu, Senhor, pois estava sem vós, e vós sois Luz! Ó como ia errado pois estava fora de vós, e vós sois Caminho! Ó como procedia nesciamente, pois estava sem vós, e vós sois Sabedoria! Ó como estava morto, pois estava sem vós, e vós sois vida!

32. Nada sou, nada valho, nada posso senão ofender-vos, e precipitar-me no inferno. Esta mesma verdade que agora conheço, se afastares vossa luz, me ficará oculta; e sobre tantas misérias minhas se acrescentará outra, de as não conhecer.

33. Ó minha alma, em que te ocupas, em que te enredas? O teu Jesus coroado de espinhos e tu em flores? Ele suando sangue e tu buscando refrigérios? Ele farto de opróbrios e tu faminta de honras? Ó confusão! Mudemos de vida; tomemos a Cruz e sigamos os passos de Cristo.

34. De quantos bens me destes, Senhor, usei mal, e em ofensa vossa. Se me fizésseis Anjo, creio que já também fora demônio. Ó quem tivera digno sentimento de tão enormes excessos, verdadeira dor de pecados tão graves!

35. O ofício que tomei, Senhor, foi o de pecar; e neste me exercitei com toda a diligência, estudando muito de propósito na maldade. Ó que bem concordava isto com o fim para que vós me criastes, que é amar-vos, e gozar-vos eternamente! Só vós, que sois infinito em bondade, podereis sofrer tanto.

36. Onde me esconderei, Senhor, até que passe a vossa ira? Fugirei de vós para vós mesmo; de vós, reto Juiz, para vós, Pai clementíssimo. Em vossas chagas me recolho, que este é o sagrado que vale aos que vão fugindo à vossa justiça.

37. Ó quanta foi até agora minha negligência e descuido! O tempo que me concedestes para a penitência, desperdicei-o; os auxílios de vossa graça, rejeitei-os; às vozes com que me chamáveis me fiz surdo. E agora, Senhor, que hei de fazer? Pesa-me de haver pecado; tende misericórdia de mim, misericórdia.

38. Que dormisse eu tão seguro sobre a vossa ofensa, pendurado do fio da vida sobre a boca do inferno! Grande temeridade a minha! Senhor, dai-me entendimento e viverei amando-vos e servindo-vos.

39. Ó se eu já desprezasse o mundo como ele merece! Ai se metera debaixo dos pés todas as coisas terrenas e somente fizera estimação das coisas eternas!

40. Afastai, Senhor, vosso rosto de meus pecados; e apagai e extingui todas as minhas iniquidades. Criai em mim um coração novo e renovai o espírito reto em minhas entranhas.

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]