11. Não entreis, Senhor, em juízo com vosso servo, porque nenhum vivente se justificará diante de Vós. De mil encargos que me fizerdes, não poderei responder a um só. Todo me entrego nos braços de Vossa misericórdia.
12. Que maldade há no mundo tão execrável, que eu não esteja pronto para a cometer? Senhor, amarrai com as cadeias de vosso santo temor as fúrias de minha liberdade porque sou capaz de tornar a Vos crucificar.
13. Isto me pasma, Senhor: como não respeitei a Vossa presença! Como não temi Vossa indignação! Como não me compadeci de Vossas dores! Como pisei o Vosso Sangue! Como não correspondi a tanto amor! Não pode haver maior cegueira.
14. 'Pecaste, alma minha: diz-me, agora, que fruto tiraste do teu pecado? Amaste as criaturas mais que ao Criador: que te ficou rendendo esta desordem? Perda da amizade de Deus e do direito à sua glória, remorso de consciência, costume de tornar a pecar, escravidão ao demônio, reato da culpa, dívida da pena eterna'. Ó quem dera rios de lágrimas nos meus olhos para lamentar tão grave desgraça!
15. Vinde, vinde, Senhor, ao meu coração; formai um azorrague das cordas de Vosso amor e temor e lançai daqui todos os maus afetos que profanam a Vossa casa.
16. Rogo-vos, meu Jesus, por aquele primeiro leite que bebeste nos peitos virginais de Vossa Mãe Santíssima e por aquelas sagradas primícias de Vosso Sangue, que derramastes na Circuncisão, que não permitais que jamais caia de Vossa graça, nem esteja um ponto fora dela.
17. Pequei mais que o número das areias do mar; porém, Senhor, as vossas misericórdias não têm número. Em vós ponho toda a minha esperança: não padecerei confusão eterna.
18. Eu a pecar; Vós, Senhor, a me perdoar; eu a Vos fazer injúrias; Vós a fazer-me benefícios. O certo é, Senhor, que cada um obra como quem é. Bendita seja Vossa paciência, que tanto me esperou.
19. Muito agravado estais de mim e vos sobra razão. Ó quem, para aplacar-Vos, tivera as lágrimas de uma Madalena, as penitências de uma egípcia, os gemidos de um Agostinho, a compunção de um São Pedro!
20. Ah, pecador atrevido e infame! Tu foste o que açoitaste a Jesus, tu o coroaste de espinhos; o que lhe lançaste salivas no rosto, o que o pregaste na Cruz... Como não te confundes?
[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]