sábado, 23 de julho de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXVI)

Capítulo XXXVI

Razões da Expiação no Purgatório - Mortificação dos Sentidos - A visão do Padre Francisco de Aix - Mortificação da Língua e o Célebre Durand

Os cristãos que desejam escapar dos rigores do Purgatório devem amar a mortificação do seu Divino Mestre e ter cuidado para não serem membros transigentes sob uma Cabeça coroada de espinhos. Em 10 de fevereiro de 1656, na província de Lyon, faleceu o padre Francisco de Aix, da Companhia de Jesus, para uma vida melhor. Ele levou todas as virtudes de um religioso a um elevado grau de perfeição. Possuído por uma profunda veneração à Santíssima Trindade, teve por particular intenção em todas as suas orações e mortificações honrar este Augusto Mistério; abraçar de preferência os trabalhos pelos quais os outros mostravam menos inclinação tinha um encanto especial para ele. Frequentemente visitava o Santíssimo Sacramento, mesmo durante a noite, e nunca saía da porta de seu quarto sem ir rezar ao pé do altar. Suas penitências, um tanto excessivas, deram a ele a alcunha de homem das dores. A alguém que o aconselhou a moderação, ele respondeu: 'O dia que eu deixasse passar sem derramar algumas gotas do meu sangue para oferecer ao meu Deus seria para mim a mais dolorosa e severa mortificação. Assim, já que não posso esperar sofrer o martírio por amor de Jesus Cristo, pelo menos terei alguma participação em seus sofrimentos'.

Outro religioso, Irmão Coadjutor da mesma Ordem, não imitou o exemplo deste bom padre. Ele tinha pouco amor pela mortificação e, ao contrário, buscava mais a comodidade e o conforto, bem como tudo o que pudesse agradar os sentidos. Este irmão, alguns dias depois de sua morte, apareceu ao padre d'Aix, envolvido por um cilício tenebroso e sofrendo grandes tormentos, como castigo pelas faltas de sensualidade que havia cometido em vida. Ele implorou a ajuda de suas orações e logo em seguida desapareceu.

Outra falta contra a qual devemos nos proteger, porque nela caímos muito facilmente, é a não mortificação da língua. Ó como é fácil errar nas palavras! Quão raro é falar por muito tempo sem ofender a mansidão, a humildade, a sinceridade ou a caridade cristã! Mesmo pessoas piedosas estão frequentemente sujeitas a esse defeito; quando escapam de todas as outras armadilhas do demônio, deixam-se levar, diz São Jerônimo, nesta última armadilha – a calúnia. 

Ouçamos o que é relatado por Vincent de Beauvais. Quando o célebre Durand que, no século XI, resplandeceu a Ordem de São Domingos, era ainda um simples religioso, mostrou-se um modelo de regularidade e fervor; mas ele tinha um defeito. A sua vivacidade era uma predisposição a falar muito; gostava excessivamente de expressões espirituosas, muitas vezes à custa da caridade. Hugh, seu abade, alertou isso ao seu conhecimento, prevendo mesmo que, se não se corrigisse dessa falta, certamente teria que expiá-la no Purgatório. Durand não deu importância suficiente a esse conselho e continuou a se dedicar, sem muita restrição, aos distúrbios da língua. Após sua morte, a previsão do abade Hugh foi cumprida. Durand apareceu a um religioso, um de seus amigos, implorando-lhe que o ajudasse com suas orações, porque ele foi terrivelmente punido pela não mortificação de sua língua. Em consequência desta aparição, os membros da comunidade decidiram por unanimidade em observar estrito silêncio por oito dias, e praticar outras boas obras para o repouso do falecido. Esses exercícios de caridade produziram seu efeito; algum tempo depois Durand apareceu novamente, mas agora para anunciar a sua libertação.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)