... SEJA UM HOMEM DE VIDA INTERIOR
Queremos mais, queremos tudo. E a nossa miserável condição humana nos empurra para os abismos das aspirações infundadas, das ilusões perdidas, das metas impossíveis, do orgulho ferido. Não mais nos contenta o papel de homens; temos que ser super-homens; não nos sustenta a vida pacata e costumeira, temos que almejar conquistas e feitos memoráveis; não há mais sentido em ser mais um na multidão; impõe-se ser o maior de todos em tudo. Criaturas, não; deuses, por que não?
Na imensa vertigem das miragens, cada um quer fazer o seu próprio caminho, ter o domínio absoluto sobre o seu corpo e o seu destino, fazer acontecer - a qualquer preço - o que seja do estrito interesse do seu projeto de vida pessoal. É um mergulho inevitável num poço sem fundo, que nunca se vai sozinho porque, neste desvario, a insensatez arrasta uma legião de incautos e loucura atrai loucura. O inferno não são os outros, mas o que recebemos em paga pelo que fazemos com eles.
O preço da miséria humana exposta e desenfreada? Irmão contra irmãos, pais contra filhos, criaturas de Deus contra criaturas de Deus. Nesta lida, o outro não passa de um espantalho, de um objeto de prazer, de um mantenedor, de um escravo pago a preço vil, de um trampolim descartável, de um companheiro torto de jornada, de um inimigo mortal. A felicidade não constitui uma meta a ser buscada entre dores e sobressaltos, mas é tomada como um direito inalienável. Não possuí-la ou não encontrá-la é culpa dos outros, fruto de uma abominável injustiça.
Miserável homem entre miseráveis! Libertino, propõe-se libertador. Insensato, anseia pelo naufrágio. Quer dominar o mundo aprendendo a não ter domínio algum sobre si mesmo, alimentando-se de trevas na insanidade doentia de encontrar a luz. Que caminho pode ser luminoso nos desvãos profundos das crateras de egos malsucedidos? Que luz pode brilhar no fundo dos abismos de uma alma gangrenada?
Para ser um homem eterno... seja um homem de vida interior. E não de exterioridades supérfluas, de vanglórias mundanas, de uma história de vida que tem a dimensão do homem de uma vida. Queira menos e doe-se mais. Domine o seu mundo interior antes de alçar voo até a esquina mais próxima. Deus não quer os seus atos de grandeza, Deus quer a grandeza dos seus atos. Faça o seu caminho nesta vida ser um caminho curto, curto e seguro, de muitos e vacilantes passos. A natureza humana, embora frágil e inconstante, tem meios de não produzir frutos de vertigens.
E, lembre-se, cair é cair mesmo, bater com a cara do chão, porque a vida cristã é uma vida dura, muito dura. Jesus caiu por terra por três vezes na sua jornada para o Calvário. E ressuscitou. Erguer-se muitas vezes nessa caminhada terrena, não para não mais cair ao longo da pequena jornada dessa vida, mas para se vislumbrar horizontes de vida eterna. Aprenda, de uma vez por todas, que o caminho da felicidade não existe nesse mundo, mas momentos de felicidade sim. E podem ser muitos. E serão todos aqueles em que você, superando o seu orgulho e sua pequenez, como homem eterno, permaneceu de pé.