... SEJA UM HOMEM MOLDADO PELO SOFRIMENTO
Queremos o prazer, e tão somente. Queremos o riso solto das manhãs de sol, todo dia, toda hora, a cada momento. Como se a fonte do prazer fosse o oráculo de todas as vontades, moldada numa fotografia única e eclipsada na memória. Viver e desfrutar a vida como donos e senhores do tempo. A felicidade torna-se uma porta escancarada pela qual queremos adentrar de corpo e alma, como um direito e um privilégio que nos bastaria por completo.
Chamemos isso de insensatez do riso. Há um desejo - um paroxismo da vontade - na busca desenfreada de uma existência feliz e de uma felicidade perfeita, que não existem. Mas não existem pessoas mais crentes do que as insensatas. Elas creem insensatamente, na sua insensatez medonha, que podem almejar horizontes de felicidade sem fim e curtir prazeres sem conta, sem sequelas ou contrariedade alguma.
Hoje, como nunca, não há espaço para o sofrimento. O sofrimento não é tolerado, não é aceito, não é compartilhado, não é tomado como uma inexorável condição humana. Nós aprendemos a aliviar as nossas dores e a eliminar o sofrimento com muitos medicamentos, com muitas cirurgias, com muita anestesia. Quem sabe o torpor de uma cólica renal sabe bem como vale a pena decantar os frutos conquistados pela ciência humana. Precisamos da saúde do corpo. Mas precisamos também da saúde da alma.
E, paradoxalmente, a saúde da alma não pode prescindir do sofrimento. Porque é o sofrimento que molda a alma do homem eterno. A alma não tem gênero, a alma possui graus de santidade. O espelho da alma do homem eterno é a Cruz de Cristo, e nela estão sublinhados e sublimados todas as virtudes e todas as graças divinas. Buscar a Cruz, subir o Calvário: eis a mais ditosa das metas, eis o caminho das conquistas eternas! Neste contexto, o pão, a água, o ar que se respira, o passo que se dá, o olhar que se alevanta - tudo, tudo mesmo, deve ser moldado pelo sofrimento.
A alma se alimenta e se molda pelo sofrimento. O sofrimento que a ensina quão frágeis e apequenados somos nós, diante das realidades inevitáveis das dificuldades, das injustiças, das doenças, dos acidentes, das perseguições, dos crimes, da morte. O sofrimento que a fortalece para além do homem de uma vida, que a prepara para uma caminhada que tem por destino a eternidade com Deus. Quando se busca extinguir o sofrimento como realidade humana, impõe-se a aniquilação da alma. Matar o sofrimento impõe estabelecer leis que eliminem também as vítimas (a eutanásia é o preço macabro dessa orgia) e a matar Deus nas almas.
Para ser um homem eterno... seja um homem moldado pelo sofrimento. Não há escondimento possível: Cristo padeceu na Cruz também as suas dores. As suas, as minhas, as de todos os homens. Cristo é o homem das dores, o Deus moldado pelo sofrimento, imposto pelos pecados de todos nós. A redenção de sua alma, conquistada por Cristo na Cruz, tem o seu preço medido não pelo tamanho de suas dores, mas pelo quanto a alma escolhida é capaz de oferecer e de compartilhar as suas dores com Cristo.
Compartilhadas com Cristo. Unidas a Cristo no seu Caminho de Cruz. Moldadas pelo Calvário. Que adianta as suas dores lançadas aos ventos? Não tem valor algum o sofrimento que é desenhado na areia. Que peso tem a sua dor que espuma revolta e desespero? A dor que se mede, a dor que pesa, a dor que conta é toda dor - suas pequenas ou grandes dores - que é colocada no Coração de Cristo subindo o Calvário. Homem eterno, aprenda de uma vez por todas a escancarar para si os portões dos Céus, sendo um homem das dores: 'Eu vos ofereço, Senhor, esta minha dor para que ela não seja toda Vossa!'