sábado, 21 de novembro de 2020

RELATOS DE UM PEREGRINO RUSSO

'Relatos de um Peregrino Russo' constitui uma das obras clássicas do espiritualidade cristã oriental, escrita por um monge russo anônimo no século XIX,  que conta a história de um peregrino em busca da oração perfeita. Nesta busca incessante, o peregrino leva consigo apenas uma sacola às costas, uma Bíblia e uma coletânea de textos patrísticos chamado Filocalia. Nessa caminhada, encontra um monge (staretz) que lhe ensina a Oração de Jesus – a simples e profundamente reverente repetição do nome de Jesus. Nela encontrou enfim a oração perfeita e de tal forma que, tomando-a por completo em sua mente e em seu coração, transformou a própria vida em oração.


'É preciso lembrar-se de Deus o tempo todo, em todo lugar e em todas as coisas. Se fazes alguma coisa, deves pensar no Criador de tudo o que existe; se vês a luz do dia, lembra-te dAquele que criou a luz para ti; se olhas o céu, a terra e o mar e tudo o que eles contêm, admira, glorifica Aquele que tudo criou; se te vestes com uma roupa, pensa nAquele de quem a recebeste e lhe agradece, a Ele que provê a tua existência. Em resumo, que todo movimento seja para ti um motivo para celebrar o Senhor: assim rezarás sem cessar e tua alma estará sempre alegre'.

'A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus... A oração de Jesus, interior e constante, é a invocação contínua e ininterrupta do nome de Jesus com os lábios, o coração, a inteligência, no sentimento da sua presença, em todo lugar, em todo tempo, até durante o sono. Ela é expressa por estas palavras: 'Senhor, Jesus Cristo, tende piedade de mim'. Todo meu desejo estava fixo sobre uma só coisa: dizer a oração de Jesus e, desde que me consagrei a isto, estive tomado de alegria e de consolo. Era como se meus lábios e minha língua pronunciassem por si mesmas as palavras, sem esforço de minha parte'.

'Todo desejo e todo pensamento de oração é obra do Espírito Santo e a voz de vosso Anjo da guarda. O nome de Jesus Cristo invocado na oração contém em si mesmo um poder salvífico que existe e age por si próprio; assim, pois, não vos perturbeis com a aridez de vossa oração, e esperai, com paciência, o fruto da invocação frequente do nome divino. Não ouçais as insinuações daqueles que, inexperientes e insensatos, alegam que a invocação tíbia é uma repetição inútil, até mesmo monótona. Não: o poder do nome divino e sua invocação frequente produzirão frutos a seu tempo'.

'Por que motivo, por exemplo, se desejais purificar vossa alma, começais por vos preocupar com o corpo, fazendo jejum, mortificações, privando-vos de alimentos estimulantes? É, sem dúvida, para que ele não possa ser um obstáculo ou, para melhor dizer, a fim de que se torne o meio de favorecer a pureza da alma e o discernimento do espírito, para que a sensação constante de fome corporal faça-vos lembrar de vossa resolução de buscar a perfeição interior e as coisas que agradam a Deus, e que tão facilmente esquecemos. E ficamos sabendo, por experiência, que, através do ato exterior do jejum corporal, realizamos o aprimoramento interior do espírito, a paz do coração, encontramos um instrumento para domar as paixões e um aguilhão do esforço espiritual. Assim, em meio a coisas exteriores e materiais, se recebe ajuda e proveito interior e espiritual'. 

'De tudo quanto foi dito, conclui-se que a salvação do homem depende da oração, e, por isso, ela é primordial e necessária, pois, através dela a fé é vivificada e as boas obras se realizam. Numa palavra, com a oração tudo se processa com êxito; sem a oração, não podemos praticar ato algum de piedade cristã. Desse modo, a exigência de que nossa vida seja incessantemente oferta, depende exclusivamente da oração. As outras virtudes têm seu tempo próprio, mas, no caso da oração, pedem-nos uma atitude ininterrupta: 'Orai sem cessar'. É justo e oportuno que rezemos sempre, por toda parte'. 

'Algumas vezes meu coração resplandecia de alegria, parecia leve, pleno de liberdade e de consolo. Às vezes, eu sentia um amor ardente por Jesus Cristo e por todas as criaturas de Deus... Às vezes, invocando o nome de Jesus, ficava repleto de felicidade e, depois disto, conhecia o sentido destas palavras: 'O reino de Deus está dentro de vós'.