'Relatos de um Peregrino Russo' constitui uma das obras clássicas do espiritualidade cristã oriental, escrita por um monge russo anônimo no século XIX, que conta a história de um peregrino em busca da oração perfeita. Nesta busca incessante, o peregrino leva consigo apenas uma sacola às costas, uma Bíblia e uma coletânea de textos patrísticos chamado Filocalia. Nessa caminhada, encontra um monge (staretz) que lhe ensina a Oração de Jesus – a simples e profundamente reverente repetição do nome de Jesus. Nela encontrou enfim a oração perfeita e de tal forma que, tomando-a por completo em sua mente e em seu coração, transformou a própria vida em oração.
'É preciso lembrar-se de Deus o tempo todo, em todo lugar e em todas as coisas. Se fazes alguma coisa, deves pensar no Criador de tudo o que existe; se vês a luz do dia, lembra-te dAquele que criou a luz para ti; se olhas o céu, a terra e o mar e tudo o que eles contêm, admira, glorifica Aquele que tudo criou; se te vestes com uma roupa, pensa nAquele de quem a recebeste e lhe agradece, a Ele que provê a tua existência. Em resumo, que todo movimento seja para ti um motivo para celebrar o Senhor: assim rezarás sem cessar e tua alma estará sempre alegre'.
'A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus... A oração de Jesus, interior e constante, é a invocação contínua e ininterrupta do nome de Jesus com os lábios, o coração, a inteligência, no sentimento da sua presença, em todo lugar, em todo tempo, até durante o sono. Ela é expressa por estas palavras: 'Senhor, Jesus Cristo, tende piedade de mim'. Todo meu desejo estava fixo sobre uma só coisa: dizer a oração de Jesus e, desde que me consagrei a isto, estive tomado de alegria e de consolo. Era como se meus lábios e minha língua pronunciassem por si mesmas as palavras, sem esforço de minha parte'.
'Todo desejo e todo pensamento de oração é obra do Espírito Santo e a voz de vosso Anjo da guarda. O nome de Jesus Cristo invocado na oração contém em si mesmo um poder salvífico que existe e age por si próprio; assim, pois, não vos perturbeis com a aridez de vossa oração, e esperai, com paciência, o fruto da invocação frequente do nome divino. Não ouçais as insinuações daqueles que, inexperientes e insensatos, alegam que a invocação tíbia é uma repetição inútil, até mesmo monótona. Não: o poder do nome divino e sua invocação frequente produzirão frutos a seu tempo'.
'Por que motivo, por exemplo, se desejais purificar vossa alma, começais por vos preocupar com o
corpo, fazendo jejum, mortificações, privando-vos de alimentos estimulantes? É, sem dúvida, para
que ele não possa ser um obstáculo ou, para melhor dizer, a fim de que se torne o meio de favorecer a
pureza da alma e o discernimento do espírito, para que a sensação constante de fome corporal faça-vos lembrar de vossa resolução de buscar a perfeição interior e as coisas que agradam a Deus, e que
tão facilmente esquecemos. E ficamos sabendo, por experiência, que, através do ato exterior do jejum
corporal, realizamos o aprimoramento interior do espírito, a paz do coração, encontramos um
instrumento para domar as paixões e um aguilhão do esforço espiritual. Assim, em meio a coisas
exteriores e materiais, se recebe ajuda e proveito interior e espiritual'.
'De tudo quanto foi dito, conclui-se que a salvação do homem depende da oração, e, por isso, ela é
primordial e necessária, pois, através dela a fé é vivificada e as boas obras se realizam. Numa palavra,
com a oração tudo se processa com êxito; sem a oração, não podemos praticar ato algum de piedade
cristã. Desse modo, a exigência de que nossa vida seja incessantemente oferta, depende
exclusivamente da oração. As outras virtudes têm seu tempo próprio, mas, no caso da oração, pedem-nos uma atitude ininterrupta: 'Orai sem cessar'. É justo e oportuno que rezemos sempre, por toda
parte'.
'Algumas vezes meu coração resplandecia de alegria, parecia leve, pleno de liberdade e de consolo. Às vezes, eu sentia um amor ardente por Jesus Cristo e por todas as criaturas de Deus... Às vezes, invocando o nome de Jesus, ficava repleto de felicidade e, depois disto, conhecia o sentido destas palavras: 'O reino de Deus está dentro de vós'.