sábado, 28 de novembro de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO


Sem a bondade que a caridade nos dá, não pode haver consolo. Se vamos visitar alguém que não sofre, essa pessoa não entenderá as nossas aflições, nossas confidências serão maçantes e sentiremos que os nossos sofrimentos não foram compartilhados. Se visitarmos, porém, alguém que está sofrendo, essa pessoa nos ouvirá pela sua própria experiência; somente as almas verdadeiramente caridosas podem compreender e, assim, compartilhar as dores dos outros. Não buscam coisas que consolam mas, como diz São Paulo, fazem-se tudo por todos.

Apesar da nossa boa vontade, temos a tendência de nos fazer sofrer mutuamente, nos confrontando e nos magoando ainda que sem querer, mas de uma forma muito efetiva: in multis offendimus omnes [em muitas coisas penamos todos]. Devemos ser fortes para nos imolar pela salvação dos nossos irmãos, para carregar a nossa cruz e a cruz dos outros. Temos que ser fortes para sempre amar com todo o nosso coração os nossos irmãos e o nosso Deus. Se nos empenharmos em adquirir, por múltiplos atos de caridade, uma maior pureza e uma maior simpatia e aquela generosidade, que não se paga com palavras e nem se alimenta de ilusões mas de imolações e sacrifícios, nossos corações serão cada vez mais semelhantes ao coração da Bem-aventurada Virgem Maria.

Nós valemos, sobretudo e acima de tudo, pelo coração. 'Ao entardecer da vida, seremos examinados no amor' [São João da Cruz]. Deus nos perguntará como usamos o nosso poder para amar. Seremos medidos não pela inteligência, mas pelo amor. Se, ao longo de nossa existência, procuramos tornar o nosso coração acolhedor, preenchendo-o de mansidão e compreensão, o nosso poder de amar tornar-se-á cada vez mais forte, vigoroso e capaz de suportar as cruzes mais pesadas.

Anseie agradar a todos o tempo todo. Faça valer todas as suas pequenas obras. Reflita sempre antes de falar e aja de forma a evitar o que se chama de projeção do seu ego sobre o ego alheio, o que distorce os pontos de vista. Minimiza as fragilidades do outro, reais ou aparentes, e realce as suas qualidades. Desta forma, você vai ver tudo sob a verdade, tal como Deus vê: 'Senhor, fazei-me ver como Vós para que eu ame como Vós amais'.

Coloque nos olhos o olhar da caridade. Não se importe se, às vezes, ocorrer um pequeno erro objetivo; o dano nunca irá muito longe. Imponha sempre atentar para as boas intenções dos outros. Se errar nisso, é melhor errar assim. Toda comparação, quando sacrifica uma das partes, tende a ser odiosa. Não faça tais comparações. Coloque-se sempre numa posição inferior, sem se preocupar em medir a posição e o valor do outro.

Não discuta sabendo que nada de bom poderá resultar disso. Entenda-se com os outros sob a ótica da generosidade e do sobrenatural. As pequenas concessões podem fazer um grande bem, principalmente quando se trata de almas que tendem a um grande ideal sem ver a todas da mesma maneira. Dilatentur spatia caritatis (a caridade expande os corações) e os liberta. Busque colocar a coerência no seu pensamento e, depois, em sua vida. Quanto a se colocar na mente de X ou Y... isso não é da sua conta, só Deus pode atuar assim. Deixe isso para Ele e conserve a paz.

Os juízos da caridade são, muitas vezes, os mais próximos da verdade. O melhor seria não julgar de forma alguma, nem mesmo interiormente, ou julgar com verdadeira indulgência. Tente ver a verdade nas declarações dos outros antes de fazer qualquer reserva! Faça tão somente as críticas e observações que sejam necessárias e oportunas. E mesmo assim, certifique-se de que, com elas, tem-se a esperança de colher algum fruto, pelo menos no futuro e, caso contrário, abstenha-se de fazê-lo.

Deixe em todos a impressão de que você possui um elevado conceito sobre a pessoa. Recolha-se diante o outro, mas sem parecer assim. Coloque o outro à frente; dê espaço para o outro falar, interesse realmente pelo que diz. Nosso zelo deve ser ardente, mas iluminado. Se acharmos que ele se torna por demais emocionado, devemos moderá-lo, porque tenderá a ser cego. Esse é o conselho da razão e da experiência. Não se atenha a causas secundárias, nos atos ou nas intenções dos outros, mas atente a tudo sob o olhar de Deus, que lhe pede humildade, paciência e caridade.

Devemos sempre distinguir o objetivo do subjetivo, o exterior do interior, pois somos tentados a querer e a ver cada coisa sob o nosso ponto de vista, quando só Deus conhece a verdade que existe em tudo. O julgamento pertence somente a Deus. É isso que temos que repetir continuamente para nós mesmos a fim de compreender, ou pelo menos suportar, o que, às vezes, nos parece tão contraditório na vida cotidiana.

A alma interior nunca faz pouco caso de nada e nem de ninguém. Ela não se prende aos defeitos dos homens ou às minúcias das coisas ou, se os veem, não os expõem com uma risada irônica e perversa. Sem dúvida sorri às vezes, mas sempre com um sorriso cheio de mansidão, benevolência e graça. Normalmente se expressa com palavras calmas e ponderadas. Sentimos que está resguardada pelo olhar e pela intimidade com Deus. Assim ela atua efetivamente em todas as suas ações e conversas, em todos os seus pensamentos, em toda a sua vida. É muito importante nos libertar do que nos afasta do outro, para corrigir o nosso modo de ser. Que ressonância tem as nossa palavras e as nossas ações na alma dos outros? Essa é a grande questão que devemos responder. 

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)