sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

SOBRE A VIRTUDE DA PENITÊNCIA

Certas almas, mesmo piedosas, ao ouvir a palavra penitência ou mortificação, que exprimem a mesma ideia, experimentam às vezes um sentimento de repulsa. De onde isso provém? Não deve surpreender-nos; tal sentimento tem uma origem psicológica. A nossa vontade busca necessariamente o bem em geral, a felicidade, ou algo que parece sê-lo. Pois bem, a mortificação que refreia algumas das tendências dos nossos sentidos, alguns dos nossos desejos mais naturais, aparece a tais almas como algo contrário à felicidade, daí, pois, esta repugnância instintiva na presença de tudo o que constitui a prática da renúncia de si mesmo. 

Além disso, vemos muitas vezes na mortificação um fim, quando não é mais do que um meio, meio necessário sem dúvida, indispensável, mas afinal meio. Não minimizamos o Cristianismo, ao reduzir a papel de meio a renúncia de si mesmo. O Cristianismo é um mistério de morte e de vida, mas a morte não tem outro objetivo senão o de salvaguardar a vida divina em nós: 'Não é Deus de mortos, mas de vivos'. 'Cristo, ao morrer, destruiu a morte, e ao ressuscitar, restituiu-nos a vida' (Prefácio da Missa da Páscoa). A obra essencial do Cristianismo, o fim último que persegue por si só, é uma obra de vida; o Cristianismo é a reprodução da vida de Cristo na alma. 

Assim, como já vos disse, a existência de Cristo oferece este duplo aspecto: 'entregou-se à morte pelos nossos pecados, ressuscitou a fim de nos comunicar a vida da graça' (Rm 4,25). O cristão morre a tudo o que é pecado, para viver mais intensamente da vida de Deus; a penitência, consequentemente, não é, em princípio, senão um meio para conseguir a vida. São Paulo notou isso muito bem quando disse: 'Levai sempre nos vossos corpos a mortificação de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste em nós' (2Cor 4,10). 

Que a vida de Cristo, que tem o seu princípio na graça e a sua perfeição no amor, aumente sempre em nós: esse é o objetivo e não há outro. Para conseguir isso, é necessária a mortificação; por isso, diz São Paulo: 'Os que pertencem a Cristo, em cujo número, pelo nosso batismo, nos contamos, crucificam a sua carne com os seus vícios e concupiscências' (Gl 5,24). E em outro lugar, diz ainda com linguagem mais explícita: 'Se viverdes segundo os instintos da carne, fareis morrer em vós a vida da graça; mas se mortificardes as vossas más inclinações, vivereis uma vida divina' (Rm 8,13).

(Excertos da obra 'Jesus Cristo, Vida da Alma, de Dom Columba Marmion)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

PALAVRAS ETERNAS (XXV)

 

'No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica. Na eternidade, o Céu!'

(Manuscrito da Irmã Lúcia, excertos da obra 'Um caminho sob o olhar de Maria',
publicado pelo Carmelo de Coimbra, 2013)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

BREVIÁRIO DIGITAL - ICONOLOGIA CRISTÃ (X)

Dentre os ícones marianos, no âmbito da tradição bizantina, destacam-se aqueles que representam suas grandes festas: a Natividade da Mãe de Deus (8 de setembro), sua Apresentação no Templo (21 de novembro), a Anunciação (25 de março) e a Dormição da Theotokos (15 de agosto). Maria também é comumente representada nos ícones das duas festas que ela compartilha diretamente com seu Filho: a Natividade de Cristo (25 de dezembro) e a Apresentação do Senhor no Templo (2 de fevereiro).


A Koimesis (ou Kemesis) é o ícone da Dormição, ou seja, do adormecer de Maria. O ícone representa Maria deitada num leito coberto com o mesmo tecido vermelho do presépio, rodeada pelos apóstolos. Logo atrás dela, Cristo segura uma criança vestida de branco, simbolizando a alma de Maria.

Na representação abaixo, podemos explicitar melhor a riqueza dos simbolismos. O ícone, com tons dourados predominantes, mostra Maria em seu leito de morte, rodeada por uma grande gama de personagens, que incluem anjos e santos, líderes da Igreja, bispos, evangelistas, amigos e vizinhos (simbolizados pelas mulheres na janelas) e os apóstolos que chegam em nuvens (símbolo das longas viagens das missões apostólicas) circundando a Nova Sião. Aos pés da Virgem, o discípulo amado inclina-se em direção a ela, num simbolismo bíblico com a frase de Jesus ao discípulo amado na Cruz: 'Eis aí tua Mãe' (Jo, 19,27). São Pedro, à direita, faz a incensação do corpo, com São Paulo na cabeceira do leito. As velas acesas em torno do leito representam a manifestação da luz divina em um mundo de trevas.


O ícone é uma imagem de eventos distintos, embora mostrados num mesmo plano, de forma sequencial. A criança vestida de branco nos braços de Jesus simboliza a alma de Maria sendo levada ao Céu. Na parte superior da imagem, é o próprio corpo físico de Maria, levado pelos anjos, que é conduzido em direção às portas abertas do Reino Celeste, encimado pelo Anjo apocalíptico de seis asas. Um elemento icônico bastante singular está representado duas vezes na parte central da figura: são as chamadas mandorlas, estruturas amendoadas que circundam figuras sagradas. A maior abrange o reino celestial (tomada pelos anjos) e a menor constitui a aura que envolve Jesus Cristo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

POEMAS PARA REZAR (LXIII)

A Serva de Deus Madre Maria José de Jesus (1882 - 1959) nasceu sob o nome de batismo de Honorina de Abreu, sendo a filha primogênita do historiador ateu Capistrano de Abreu (1853 - 1927). Perdeu a mãe aos 9 anos. Sua vida religiosa exemplar foi moldada por um profundo zelo e empenho de orações e pedidos pela conversão do pai à fé católica, do qual a poesia abaixo é um belo exemplo disso. 

A MEU PAI

Foste tu, caro pai, que do seio do Eterno
Me arrancaste e trouxeste a este mundo, a esta vida....
Quando eu desabrochei, qual flor recém-nascida,
O sol que me aqueceu foi teu amor paterno.

Teu sangue é o sangue meu... Teu trabalho superno
Ganhou-me o pão com que eu cresci e fui nutrida.
Ah! quanto te custei! quanta dor! quanta lida!
Desde o calor do estio aos gelos do teu inverno!

E agora dá-me a mão... É noite. Vem comigo!
Vem, que eu te levarei a Jesus, teu Amigo,
Que te espera saudoso... Oh! dize-me que sim!

Foste meu pai, e eu tua mãe serei agora:
Dar-te-ei a eterna Luz, de que me deste a aurora;
Dar-te-ei, por esta vida - a vida que é sem fim!

(Madre Maria José de Jesus)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

PROPÓSITO PARA A PRIMEIRA SEMANA DO ADVENTO

 


'Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá' (Mt 24,44)

Fiquemos, pois, preparados! A preparação começa pelo anseio feliz pela vinda do Senhor e se completa em estarmos prontos para o receber como filhos de Deus.

Assim como Cristo entrou no mundo para salvar toda a humanidade, Ele precisa entrar no nosso coração para salvar a nossa alma! Para isso, temos de ser moradas da graça santificante e hóspedes da Santa Vontade de Deus, resistindo às tentações, às vicissitudes humanas e, principalmente, ao pecado. Precisamos estar preparados no amor às coisas de Deus e no horror ao pecado.

Quem esperamos é Jesus, o Rei dos reis, o Cordeiro Imolado, nosso Salvador e nosso Redentor, Aquele que nos legou as moradas eternas, abriu os Portões do Céu e que pagou um preço de Cruz pelos nossos pecados para que nos tornássemos dignos de sermos filhos de Deus. Quem esperamos é Jesus Cristo, Juiz da história humana, Juiz de cada alma em particular. Esperar Jesus é compartilhar com Ele, desde agora, o lugar preparado para nós na eternidade de Deus.

Peçamos a Maria, Nossa Senhora de todas as graças, aquela que se preparou como obra prima de Deus para receber Jesus, interceder por todos nós, para que, quando Jesus nos vier visitar, possamos estar preparados, com rins cingidos e velas na mão, para receber Jesus com toda alma e coração!

Que, nesta Primeira Semana do Advento, sejamos zelosos em limpar a casa, adornar a manjedoura, remover as manchas dos nossos pecados e perfumar com virtudes o nosso interior, pois, como nos disse o Senhor: 'Buscai primeiro o Reino de Deus' (Mt 6,33). E que, assim, possamos dizer com viva confiança e esperança: 'Vem, Senhor; Vem, meu Jesus, habitar em mim, porque estou preparado!'

domingo, 30 de novembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Que alegria, quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!(Sl 121)

Primeira Leitura (Is 2,1-5) - Segunda Leitura (Rm 13,11-14a) -  Evangelho (Mt 24,37-44)

  30/11/2025 - PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO

'FICAI ATENTOS AO SENHOR QUE VEM!' 


Hoje começa um novo ano litúrgico da Santa Igreja com o Tempo do Advento, período em que os cristãos são conclamados a viver em plenitude as graças da expectativa, da conversão e da esperança, à espera do Senhor Que Vem. O Ano Litúrgico 2025-2026 é o Ano A, no qual os exemplos e ensinamentos de Jesus Cristo são proclamados a cada domingo pelas leituras do Evangelho de São Mateus.

E o novo ano litúrgico começa com Jesus exortando a vigilância aos filhos de Deus: 'Ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor' (Mt 24,42). Do alto do Monte das Oliveiras e à vista de Jerusalém, Jesus vai alertar os seus discípulos sobre a necessidade de se permanecer vigilantes, na oração e na confiança de uma vida de plenitude cristã, diante das coisas do mundo, que passam e repassam no cotidiano de nossas vidas. Vigilância que se impõe naqueles tempos, na vida futura da Igreja, nos remotos tempos da história: 'Pois nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem' (Mt 24,38-39).

São palavras de salvação, porque a única coisa realmente importante para o homem é a salvação eterna de sua alma. Tudo o mais é efêmero e sem sentido. No fim dos tempos ou no fim de nossa vida, o Juízo Final ou o Juízo Particular vai nos pedir contas essencialmente da nossa vigilância filial à Santa Vontade de Deus, no cumprimento de nossas ações cristãs, no acervo das graças recebidas, na inquietude do coração humano ao encontro do Pai.

Vigiar significa essencialmente não pecar, não ofender a Santidade de Deus com as misérias e as fragilidades humanas, não conspurcar a Infinita Pureza da alma que nos foi legada um dia com a lama dos prazeres, frivolidades e maldades de uma vida profanada pelos valores do mundo. Porque haverá o dia do juízo, no qual os homens serão levados ou deixados para trás: 'Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá' (Mt 24,44). Vigiar é estar preparado para que sejam santos todos os dias de nossa vida e para que Deus escolha, dentre eles, o mais belo, para receber de volta as almas vigilantes que Ele próprio desenhou para a eternidade.

sábado, 29 de novembro de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS II (61/64)

 

61. FILHOS PREFERIDOS

Os pais não deveriam esquecer-se desta regra de ouro: tratar todos os filhos por igual, sem distinções que denotem predileção ou antipatia. O seguinte exemplo é da Sagrada Escritura.

Jacó tinha doze filhos. O pai amava aos filhos, os filhos ao pai, e os irmãos amavam-se mutuamente. Mas José foi crescendo, e Jacó 'amava mais a José que a todos os outros filhos, porque era o filho de sua velhice'. A essa altura muda-se a cena. A paz converteu-se em discórdia, o amor em ódio, a fraternidade em inveja, o sangue em vingança. Faltou a paz na família, porque faltou a igualdade no pai. A igualdade fomentava o amor; a desigualdade de trato motivou a discórdia.

Em que consistia aquela desigualdade e qual a diferença de tratamento? Que é que fez Jacó? Porventura deserdou aos outros para que José fosse o único herdeiro? Nada disso! Porventura tratava aos demais como escravos e só a José como filho? Nada disso! Pois, então, que foi que perturbou aquela paz bendita? Somente isto: Jacó fizera para José uma túnica de cores mais lindas do que para os outros filhos. Esse foi o principio da discórdia.

Notai bem: Não despiu aos outros para vestir a José. A todos provia, a todos vestia. Mas a túnica de José, por suas variegadas cores, era mais vistosa, e isso bastou. Surgiu a discórdia ou, melhor, a inveja, e um dia aquela túnica se viu manchada de sangue. José estaria morto pelas mãos de seus próprios irmãos, se a Providência divina não tivesse disposto de outro modo.

62. A VAIDADE FEMININA

Santa Rosália, em seus verdes anos, passava diariamente muito tempo, horas a fio, diante do espelho a enfeitar-se. Um dia, vendo refletir-se no espelho um Crucifixo que estava suspenso na parede oposta, pôs-se a pensar no contraste entre as suas vaidades e as humilhações do Salvador, entre o seu corpo amimado e o de Jesus dilacerado pelos açoites e espinhos... 

Movida pela graça, deixou Rosália as vaidades e vãos adornos e, daí em diante, levou urna vida de abnegação e sacrifício, chegando a uma grande santidade.

63. O CURA D’ARS E AS AVES

São João Batista Vianney, o santo cura de Ars, ouvindo uma ocasião o lindo gorjeio dos pássaros, ergueu os olhos aos céus e exclamou suspirando:
➖ Pobres avezinhas! Fostes criadas para cantar, e cantais! O homem, que foi criado para amar a Deus, não o ama! Quanta dor!

64. AJOELHAR-SE COM OS DOIS JOELHOS

Há muitos homens que, durante os atos religiosos, não se ajoelham ou ajoelham-se com um só joelho. Estão bastante errados. Dizia Santo Agostinho que ajoelhar-se diante de Deus com os dois joelhos é confessar com um a nossa fraqueza para que nos perdoe as nossas quedas; e, com o outro, a nossa necessidade para que nos estenda a mão e nos levante.

São Jerônimo diz que, com um joelho, dobramos nosso entendimento que o reconhece por Deus, e com o outro a nossa vontade que amorosamente o abraça. Santo Ambrósio dizia que, com um, reconhecemos o nosso ser miserável e, com o outro, adoramos seu ser eterno.

Dobrar um só joelho - dizia Durando - é zombar da Divindade, escarnecer do Redentor e imitar os algozes que assim o adoravam por escárnio. Significa - dizia Reynaude - que manca é a nossa piedade e manca é a nossa religião e, por isso, estamos em perigo de cair por terra. Dobremos ambos os joelhos, mormente na igreja, pois assim devemos adorar a um Senhor que, por sua grandeza e seu amor para conosco, merece a adoração de todo o nosso ser.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)