Certas almas, mesmo piedosas, ao ouvir a
palavra penitência ou mortificação, que exprimem a mesma ideia,
experimentam às vezes um sentimento de repulsa. De onde isso provém? Não
deve surpreender-nos; tal sentimento tem uma origem psicológica. A nossa
vontade busca necessariamente o bem em geral, a felicidade, ou algo que
parece sê-lo. Pois bem, a mortificação que refreia algumas das tendências
dos nossos sentidos, alguns dos nossos desejos mais naturais, aparece a tais
almas como algo contrário à felicidade, daí, pois, esta repugnância
instintiva na presença de tudo o que constitui a prática da renúncia de si
mesmo.
Além disso, vemos muitas vezes na mortificação um fim, quando
não é mais do que um meio, meio necessário sem dúvida, indispensável,
mas afinal meio. Não minimizamos o Cristianismo, ao reduzir a papel de
meio a renúncia de si mesmo.
O Cristianismo é um mistério de morte e de vida, mas a morte não tem
outro objetivo senão o de salvaguardar a vida divina em nós: 'Não é Deus
de mortos, mas de vivos'. 'Cristo, ao morrer, destruiu a morte, e ao
ressuscitar, restituiu-nos a vida' (Prefácio da Missa da Páscoa). A obra
essencial do Cristianismo, o fim último que persegue por si só, é uma obra
de vida; o Cristianismo é a reprodução da vida de Cristo na alma.
Assim, como já vos disse, a existência de Cristo oferece este duplo aspecto: 'entregou-se à morte pelos nossos pecados, ressuscitou a fim de nos
comunicar a vida da graça' (Rm 4,25). O cristão morre a tudo o que é
pecado, para viver mais intensamente da vida de Deus; a penitência,
consequentemente, não é, em princípio, senão um meio para conseguir a
vida. São Paulo notou isso muito bem quando disse: 'Levai sempre nos
vossos corpos a mortificação de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste
em nós' (2Cor 4,10).
Que a vida de Cristo, que tem o seu princípio na graça
e a sua perfeição no amor, aumente sempre em nós: esse é o objetivo e não há
outro. Para conseguir isso, é necessária a mortificação; por isso, diz São
Paulo: 'Os que pertencem a Cristo, em cujo número, pelo nosso batismo, nos contamos, crucificam a sua carne com os seus vícios e
concupiscências' (Gl 5,24). E em outro lugar, diz ainda com linguagem
mais explícita: 'Se viverdes segundo os instintos da carne, fareis morrer em
vós a vida da graça; mas se mortificardes as vossas más inclinações,
vivereis uma vida divina' (Rm 8,13).
(Excertos da obra 'Jesus Cristo, Vida da Alma, de Dom Columba Marmion)