domingo, 11 de abril de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Dai graças ao Senhor, porque ele é bom: eterna é a sua misericórdia!' (Sl 117)

 11/04/2021 - Segundo Domingo da Páscoa

20. 'MEU SENHOR E MEU DEUS!'


O segundo domingo do tempo pascal é consagrado como sendo o 'Domingo da Divina Misericórdia', com base no decreto promulgado pelo Papa João Paulo II na Páscoa do ano 2000. No Domingo da Divina Misericórdia daquele ano, o Santo Padre canonizou Santa Maria Faustina Kowalska, instrumento pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo fez conhecer aos homens Seu amor misericordioso: 'Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia'.

No Evangelho deste domingo, Jesus já havia se revelado às santas mulheres, a Pedro e aos discípulos de Emaús. Agora, apresenta-Se diante os Apóstolos reunidos em local fechado e, uma vez 'estando fechadas as portas' (Jo 20, 19), manifesta, assim, a glória de Sua ressurreição aos discípulos amados. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 19) foi a saudação inicial do Mestre aos apóstolos mergulhados em tristeza e desamparo profundos. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 21) vai dizer ainda uma segunda vez e, em seguida, infunde sobre eles o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23), manifestação preceptora da infusão dos demais dons do Espírito Santo por ocasião de Pentecostes. A paz de Cristo e o Sacramento da Reconciliação são reflexos incomensuráveis do amor e da misericórdia de Deus. 

E eis que se manifesta, então, o apóstolo da incredulidade, Tomé, tomado pela obstinação à graça: 'Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei' (Jo 20, 25). E o Deus de Infinita Misericórdia se submete à presunção do apóstolo incrédulo ao lhe oferecer as chagas e o lado, numa segunda aparição oito dias depois, quando estão todos novamente reunidos, agora com a presença de Tomé, chamado Dídimo. 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28) é a confissão extremada de fé do apóstolo arrependido, expressando, nesta curta expressão, todo o tesouro teológico das duas naturezas - humana e divina - imanentes na pessoa do Cristo.

'Bem-aventurados os que creram sem terem visto!' (Jo 20, 29) é a exclamação final de Jesus Ressuscitado pronunciada neste Evangelho. Benditos somos nós, que cremos sem termos vistos, que colocamos toda a nossa vida nas mãos do Pai, que nos consolamos no tesouro de graças da Santa Igreja. E bem aventurados somos nós que podemos chegar ao Cristo Ressuscitado com Maria, espelho da eternidade de Deus na consumação infinita da Misericórdia do Pai. 

sábado, 10 de abril de 2021

QUE FIQUEM CALADOS E OMISSOS ENTÃO...

Em 08/04/2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu,  por nove votos a dois, que é legal e legítimo que estados e municípios proíbam atividades religiosas presenciais, sob a premissa de que a liberdade de culto religioso não constitui um direito absoluto e que, assim, pode ser suspenso ou limitado sob condições específicas, tais como as que prevalecem atualmente, impostas pela pandemia do coronavírus.

Embora o artigo 5º da Constituição estabeleça esse direito incondicionalmente, com a seguinte redação: 'É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias', o livre exercício dos arautos divinos do STF, debruçados sobre suas concepções medonhas de proteção aos princípios e aos locais de culto ateísta e agnóstico, prescreveram que se torna violável por decreto o que se impôs como inviolável pela própria constituição brasileira.

Um dos oráculos proclamou que a liberdade religiosa tem duas dimensões: uma interna, que assegura o pensamento religioso e outra externa, que permitiria a manifestação de suas crenças, e que esta seria possível de objeto de restrição pelo estado. Outro alertou solenemente que os decretos que restringem os cultos durante a epidemia não suprimem a fé das pessoas e que, sendo o Estado laico, o mesmo não pode tomar medidas com base em dogmas religiosos, como se o dispositivo constitucional falasse da acepção da fé descontinuada da complementação do óbvio livre exercício da fé religiosa. Uma pitonisa declarou que a proteção à saúde é argumento plausível para autorizar o Estado a limitar as atividades religiosas presenciais. O argumento de outro togado-mor foi a de mandar todos rezarem em casa, pois não há nenhuma necessidade de se rezar em templos, enquanto outra voz ao fundo bradou que a hora é da ciência e não da fé abstrata. Os dois votos favoráveis (ou pelo menos um deles) foram sustentados com base no citado dispositivo constitucional.

Não há nada de estranho ou assintomático nesta decisão, uma vez que provém de homens e mulheres que se julgam oráculos e atuam como portentos da religião jurídica, amparados por dogmas ideológicos e profissões de fé na deusa da ciência e do ateísmo. E tal assepsia do sobrenatural soa como acordes celestiais para uma multidão de vassalos, o verdadeiro gado que sopra e assobia hinos a tais entidades, estas sim tomadas e cultuadas como apóstolos da verdade absoluta. Neste hinário, eventuais adornos ou malabarismos jurídicos tornam-se esquecidos e benvindos, em nome de um louvor e de um rito maior e ideologicamente mais condizente com a liturgia do ateísmo militante. Não há nada de estranho nisso, o estranho seria se tão pouco estranho fosse.

O estranho é o silêncio dos covardes. O constrangimento é a inércia dos católicos. O espantoso é o anonimato de tantos ou de quase todos. Os ditames e os princípios da fé católica passam a ser ditados pela assepsia do sobrenatural de 11 homens e mulheres de toga, absolutamente néscios da liturgia da Santa Igreja e da doutrina de Cristo? Nosso lugar de oração deve estar restrito às casas fechadas como no tempo das catacumbas? A Igreja doméstica é opção à liturgia dos templos, assistir uma missa online ou pela televisão significa alguma coisa além de um puro ato de piedade cristã? Não prover do alimento eucarístico torna um católico um cristão absolutamente comum. O impedimento do livre acesso aos sacramentos nos torna infelizes cidadãos do mundo a caminho do abismo.

Não se trata de gritar aos oráculos e à vassalagem da anti-Igreja a razão e a glória humana de sermos católicos. Acaso se adornam com pérolas as deformidades dos hereges? É insensatez contra-argumentar com a Verdade que não é ouvida. Quando a Verdade não é ouvida, só existe um caminho: transformar a Verdade em obras pela resistência católica. Proclamar a insubordinação pura e simplesmente não basta, é preciso lutar contra os falsos oráculos que nos impõem as suas verdades em nome das nossas próprias, da nossa fé cristã, da verdadeira doutrina de Cristo. 

O estranho é o silêncio da CNBB. Silêncio por respeito humano, silêncio por comodismo, silêncio pela covardia? Onde estão os bispos e os padres da Igreja de Cristo, bradando contra o desvario do fechamento das igrejas e da proibição do culto litúrgico sob a chancela de firulas jurídicas? Onde está a hierarquia da Igreja, onde estão os pastores da Vinha, onde estão os Apóstolos e os mártires? Por que não falam e não agem como Cristo? O que vão proclamar diante de Deus um dia sobre o que fizeram nestes tristes dias? Como homens fracos na fé, amedrontados pela doença, abandonaram as messes para rezar por si mesmos? Resistência Católica é feita de ação, da palavra viva de Deus proclamada, da presença física e operosa, das igrejas abertas e sacrários expostos à devoção, de insubordinação contra os ditames da anti-religião. A Resistência Católica deve ser exercida pela vivência da fé cristã em plenitude, mesmo com graves riscos da perda dos direitos, das comodidades, da liberdade ou da própria vida. Ou então...

Que fiquem calados e omissos então. E então... esta terrível pandemia não terá fim por meras medidas sanitárias ou de confinamento absoluto.. esta terrível pandemia não terá fim por meio simplesmente do confinamento social ou pela vacinação em massa... esta terrível pandemia não terá fim com as igrejas fechadas... esta terrível pandemia não terá fim com padres e bispos confinados em suas casas paroquiais... esta terrível pandemia não terá fim com padres e religiosos temerosos de perder a vida para o coronavírus... esta terrível pandemia não terá fim suprimindo a eucaristia e os sacramentos aos fieis...  pois esta terrível pandemia não terá fim enquanto o mundo não se ajoelhar diante de Deus.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

SOBRE A ORAÇÃO E A INTIMIDADE COM DEUS

Que não faltem no nosso dia alguns momentos dedicados especialmente a travar intimidade com Deus, elevando até Ele o nosso pensamento, sem que as palavras tenham necessidade de vir aos lábios, porque cantam no coração. Dediquemos a esta norma de piedade um tempo suficiente, a hora fixa, se possível. Ao lado do Sacrário, acompanhando Aquele que ali ficou por Amor. Se não houver outro remédio, em qualquer lugar, porque o nosso Deus está de modo inefável na nossa alma em graça (Amigos de Deus).

Quando se aproximavam de mim, sacerdote jovem, pessoas de todas as condições – universitários, operários, sãos e doentes, ricos e pobres, sacerdotes e leigos – que procuravam acompanhar mais de perto o Senhor, aconselhava-os sempre: 'rezai'. E se algum me respondia: 'não sei sequer como começar', recomendava-lhe que se pusesse na presença do Senhor e lhe manifestasse a sua inquietação, a sua dificuldade, com essa mesma queixa: 'Senhor, eu não sei!' E muitas vezes, naquelas humildes confidências, concretizava-se a intimidade com Cristo, um convívio assíduo com Ele (Amigos de Deus).

Et in meditatione mea exardescit ignis - e na minha meditação ateia-se o fogo. Para isso mesmo é que fazes oração: para te tornares uma fogueira, lume vivo, que dê calor e luz. Por isso, quando não souberes ir mais longe, quando sentires que te apagas, se não podes lançar ao fogo troncos olorosos, lança os ramos e a folhagem de pequenas orações vocais, de jaculatórias, que continuem a alimentar a fogueira. E terás aproveitado o tempo (Caminho, 92)

Quando efetivamente se quer desafogar o coração, se somos francos e simples, procuramos o conselho de pessoas que nos amam ... comecemos por nos comportar assim com Deus, certos de que Ele nos ouve e nos responde; e escutá-lo-emos e abriremos a nossa consciência a uma conversa humilde, para lhe referir confiadamente tudo o que palpita na nossa cabeça e no nosso coração: alegrias, tristezas, esperanças, dissabores, êxitos, fracassos e até os pormenores mais pequenos da nossa jornada, porque já então teremos comprovado que tudo o que é nosso interessa ao nosso Pai Celestial.

Ao convidar-te para fazeres essas confidências com o Mestre, refiro-me especialmente às tuas dificuldades pessoais, porque a maioria dos obstáculos para a nossa felicidade nascem de uma soberba mais ou menos oculta. Pensamos que temos um valor excepcional, qualidades extraordinárias. Mas, quando os outros não são da mesma opinião, sentimo-nos humilhados. É uma boa ocasião para recorrer à oração e para retificar, com a certeza de que nunca é tarde para mudar a rota. Mas é muito conveniente iniciar essa mudança de rumo o quanto antes (Amigos de Deus).

Católico sem oração?... É como um soldado sem armas (Sulco, 453).

Eu aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. Primeiro, imaginas a cena ou o mistério, que te servirá para te recolheres e meditares. Depois, aplicas o entendimento, para considerar aquele rasgo da vida do Mestre: o seu Coração enternecido, a sua humildade, a sua pureza, o seu cumprimento da Vontade do Pai. Conta-lhe então o que te costuma suceder nestes assuntos, o que se passa contigo, o que te está a acontecer. Mantém-te atento, porque talvez Ele queira indicar-te alguma coisa: surgirão essas moções interiores, o caíres em ti, as admoestações.

Se fraquejarmos, recorreremos ao amor de Santa Maria, Mestra de oração; e a São José, Pai e Senhor nosso, a quem tanto veneramos, que é quem mais intimamente privou neste mundo com a Mãe de Deus e – depois de Santa Maria – com o seu Filho Divino. E eles apresentarão a nossa debilidade a Jesus, para que Ele a converta em fortaleza (Amigos de Deus).

(São Josemaria Escrivá)


quinta-feira, 8 de abril de 2021

ORAÇÃO PELA CONVERSÃO DE UMA PESSOA

Ó meu Jesus, Amor Infinito, eu Vos ofereço tudo o que Vos posso dar e tudo o que podeis querer de mim: o meu amor infinitamente humano*. E do meu amor para o Vosso Amor, tornai propícia a minha súplica em favor da conversão de ... (nomear a intenção), como graça especial dos Vossos desígnios de salvação e da infinita misericórdia do Vosso Sagrado Coração. Pela intercessão de Vossa Santa Mãe, fazei derramar sobre essa alma os dons do Espírito Santo para a sua plena conversão à verdadeira fé cristã, para que também ele (ela) possa ser contado(a) um dia entre os Vossos Filhos nas eternas moradas, como fruto bendito da Vossa Redenção. Amém.

(Arcos de Pilares)

* 'infinitamente humano': a dimensão do amor no grau máximo possível à nossa condição humana, como esforço pessoal de levá-lo à máxima perfeição no amor a Deus.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (II)


Primeira Parte - O PURGATÓRIO, MISTÉRIO DE JUSTIÇA

Capítulo I

O Purgatório no Plano Divino

O Purgatório ocupa um lugar relevante na nossa santa religião: é uma das partes principais da obra de Jesus Cristo e desempenha um papel essencial no plano da salvação humana. Lembremos que a Santa Igreja de Deus, considerada como um todo, é composta por três parcelas distintas: a Igreja Militante, a Igreja Triunfante e a Igreja Padecente ou do Purgatório. Esta tríplice Igreja constitui o corpo místico de Jesus Cristo, e as almas do Purgatório não são menos membros dela do que os fieis na terra ou os eleitos no Céu. No Evangelho, a Igreja é normalmente chamada de Reino dos Céus; o Purgatório, assim como a Igreja celestial e a terrestre, constitui uma das províncias deste vasto reino.

As três Igrejas irmãs mantêm relações incessantes entre si, uma comunicação contínua que chamamos de Comunhão dos Santos. Essas relações não têm outro objetivo senão conduzir as almas à glória eterna, o termo final para o qual tendem todos os eleitos. As três Igrejas interagem mutuamente para povoar o Céu, a cidade permanente, a gloriosa Jerusalém. Qual é então o trabalho que nós, membros da Igreja Militante, devemos fazer pelas almas do Purgatório? Temos que aliviar os seus sofrimentos. Deus colocou em nossas mãos a chave desta misteriosa prisão: é a oração pelos mortos, é a devoção às almas do Purgatório.

Capítulo II

Oração pelos Mortos - Temor e Confiança

A oração pelos que partiram e os sacrifícios e os sufrágios pelos mortos fazem parte do culto cristão, e a devoção às almas no Purgatório é uma devoção que o Espírito Santo infunde com caridade nos corações dos fieis. É um pensamento sagrado e salutar - dizem as Sagradas Escrituras - orar pelos mortos para que sejam libertados dos seus pecados (II Mc 12, 46).

Para ser perfeita, a devoção às almas do Purgatório deve ser animada por um espírito de temor e um espírito de confiança. Por um lado, a santidade de Deus e e a sua justiça nos inspiram um temor salutar; por outro lado,  a sua infinita misericórdia nos dá uma confiança ilimitada.

Deus é a própria santidade, luz muito maior do que o sol, e sombra alguma de pecado pode perpassar diante de sua face. 'Os teus olhos são puros', diz o profeta, 'e não podes contemplar a iniquidade' (Hb 1, 13). Quando a iniquidade se manifesta nas criaturas, a santidade de Deus exige expiação e, uma vez aplicada com todo o rigor da justiça divina, é terrível. É por esta razão que a Escritura diz também: 'Santo e terrível é o seu nome' (Sl 110, 9), tal como se dissesse: a sua justiça é terrível porque a sua santidade é infinita.

A justiça de Deus é terrível e pune com extremo rigor até as faltas mais comezinhas. A razão é que essas faltas, fagulhas aos nossos olhos, não são de forma alguma assim diante de Deus. O menor pecado o afronta infinitamente e, por causa da santidade infinita que é ofendida, a menor transgressão assume proporções enormes e exige, portanto, uma enorme expiação. Isso explica a terrível severidade das dores da outra vida e nos deve fazer compenetrados de um santo temor de Deus.

Esse temor do Purgatório é um temor salutar; o seu efeito não é apenas nos animar com uma compaixão caritativa para com as pobres almas sofredoras, mas também com um zelo vigilante pelo nosso próprio bem-estar espiritual. Pense no fogo do Purgatório e você se esforçará para evitar o pecado ao máximo; pense no fogo do Purgatório e você praticará a penitência, de modo a satisfazer a Justiça Divina neste mundo e não no próximo.

No entanto, devemos evitar o temor excessivo e não perder a confiança. Não nos esqueçamos da  misericórdia de Deus, que não é menos infinita que a sua justiça: 'porque acima do céu se eleva a vossa misericórdia (Sl 107,5) e  ainda: 'O Senhor é clemente e compassivo, generoso e cheio de bondade (Sl 144,8).  Essa misericórdia inefável deve acalmar as nossas mais vivas apreensões e nos encher de santa confiança, segundo as palavras: in te Domine speravi non confundar in æternum - 'que em vós, Senhor, minha esperança não seja jamais confundida'  (Sl 70,1).

Se formos animados com este duplo sentimento, se a nossa confiança na misericórdia de Deus for igual ao temor que nos inspira a sua justiça, teremos o verdadeiro espírito de devoção às almas do Purgatório. Este duplo sentimento brota naturalmente do dogma do Purgatório bem entendido - um dogma que contém o duplo mistério da justiça e da misericórdia: da justiça que pune e da misericórdia que perdoa. É deste duplo ponto de vista que vamos considerar o Purgatório e ilustrar a sua doutrina.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

terça-feira, 6 de abril de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (61/63)

 

61. A DEVOÇÃO A MARIA DÁ VALOR

Muito tempo faz que se encontrava entre os religiosos trapistas de Sept-Fons, na França, um irmão leigo, muito velho e enfermo, que tinha na mão o seu rosário. Era o irmão Teodoro, o qual outrora havia siso um soldado valoroso. Quando, em 1812, o exército francês vencido voltava da Rússia, a coluna de Teodoro, extenuada de cansaço e de fome, encontrou-se em frente a uma bateria russa que barrava o caminho de fuga.

Um verdadeiro desespero se apoderou de todos: oficiais e soldados atiravam suas armas ao solo. Que fazer? Era no rigor do inverno e haviam caminhado longas horas sobre a neve e o gelo. Que fazer? Voltar era impossível. Ir adiante? Ali estava a poderosa bateria inimiga. Permanecer naquele posto? Era condenar-se a morrer de frio e de inanição. De repente adianta-se um oficial:

➖ Venham comigo os valentes!...
Coisa rara nos anais de nossa guerra: nem uma voz respondeu. Engano-me. Um só homem, um só, o irmão Teodoro, saiu da fila dizendo:
➖ Irei sozinho, se o senhor quiser.

Dizendo isto, tira a mochila e o fuzil e ajoelha-se na neve, persigna-se diante de todos e reza uma dezena do rosário com fervor como nunca. Toma novamente o fuzil e, de cabeça baixa, lança-se a passo de carreira, com tanta confiança como se dez mil homens o seguissem. Estava para alcançar a bateria inimiga, quando os russos, crendo que os franceses queriam apanhá-los pelas costas, enquanto se ocupassem de um só inimigo, abandonaram sua peça e bagagem e fugiram.

Dono do campo, disse nosso herói com admirável naturalidade:
➖ Eis aí! para sair de apuros, não há coisa melhor do que rezar o rosário.
O oficial entusiasmado corre para ele, tira sua própria Cruz de Honra e pendura-a ao peito do jovem, exclamando com lágrimas nos olhos:
➖ Valente soldado, tu a mereces mais do que eu!
➖ Comandante - respondeu Teodoro - não fiz mais do que meu dever.

Cinquenta anos mais tarde, com seu hábito de trapista, quando, no mais rigoroso inverno, passava a maior parte do dia de joelhos rezando o rosário, gostava de repetir:
➖ Não faço mais do que o meu dever!

62. SALVO PELO ROSÁRIO

Era em maio de 1808. Os habitantes de Madri tinham-se levantado contra o intruso José Bonaparte, que usurpara o trono dos Bourbons. Os insurretos, cheios de ódio contra os franceses, matavam sem piedade os soldados que podiam surpreender nas ruas e nas casas.

Certa manhã encontrou-se o célebre Dr. Claubry com uma turba de insurretos que, pelo seu traje, viram que pertencia ao exército invasor. O doutor era grande devoto de Nossa Senhora e pertencia à Confraria do Rosário. Naquele dia mesmo recebera a comunhão numa igreja dedicada a Nossa Senhora e voltava tranquilamente para casa.

Quando percebeu o perigo, levantou as mão ao céu e invocou os santos nomes de Jesus e Maria. Já estavam prestes a matá-lo, acoimando-o de renegado e ímpio, quando uma feliz ideia lhe passou pela mente.
➖Não - disse - não sou infiel nem blasfemo e se querem uma prova, vede o que tenho comigo. E mostrou-lhes o rosário que estava rezando.
Diante disso os assaltantes baixaram imediatamente as armas, dizendo:
➖ Este homem não pode ser mau como os outros, pois reza o rosário.

Precisamente naquele instante, como que enviado por Nossa Senhora, surgiu ali o sacristão da igreja em que o doutor comungara e, vendo-o cercado pelos insurretos, gritou bem alto:
➖ Não lhe façam mal; é devoto de Nossa Senhora; eu o vi comungar esta manhã em nossa igreja.
Ouvindo isto, os agressores acalmaram-se, beijaram o crucifixo do rosário de Claubry e levaram-no a um lugar seguro. Regressando à sua pátria, o piedoso doutor publicou o favor recebido e continuou por toda a sua vida rezando o rosário.

63. ÚLTIMA AVE MARIA, ÚLTIMO SUSPIRO!

Achava-se num asilo de velhos um antigo soldado que, apesar de sua vida de caserna e acampamento, conservava-se dócil e acessível às verdades religiosas. Um sacerdote, que o visitava com frequência, falou-lhe da devoção do rosário e ensinou-lhe o modo de rezá-lo. Deu-lhe a Irmã um rosário e o velho militar achou tamanho consolo em rezá-lo, que sentia muito não o ter conhecido antes, dizendo que o teria rezado todos os dias.

➖ Irmã - perguntou um dia - quantos dias há em sessenta anos?
➖ A Irmã fez o cálculo e respondeu:
➖ 21.900 dias.
➖ Irmã, e quantos rosários teria eu que rezar a cada dia para, em três anos, chegar a esse número?
➖ 20 a cada dia - disse-lhe a Irmã.

Daí em diante viam-no, dia e noite, com o rosário na mão. Após três anos de sofrimentos, suportados com grande paciência, chegou ao seu último rosário. Ali o esperava a morte, pois não viveu nem um dia nem uma hora mais. Ao terminar a última Ave-Maria, deu o último suspiro e entregou a sua alma a Deus.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS

segunda-feira, 5 de abril de 2021

'PEDRO IRÁ OUVIR?'

Cristo não manifestou inicialmente a sua gloriosa ressurreição a Pedro, o primeiro Papa. Em vez disso, escolheu a pequena mulher penitente e devota da Divina Misericórdia, Maria Madalena, para ser o seu emissário ao primeiro Papa. Cristo mostrou-se a Maria Madalena a quem Ele instruiu, a 'ir e dizer a Pedro'. Descobrimos aqui, no cume da história da salvação, o padrão pelo qual Cristo deve governar - através de Pedro mas guiado pelas vozes de pequenas mulheres. A pergunta é, então, 'Pedro irá ouvir?'

· pensem em Santa Catarina de Sena que disse ao Papa para deixar Avignon, na França, e regressar à justa Roma; o papa obedeceu à pequena freira;

· lembrem-se da freira augustiniana, Juliana de Liège, através de quem Cristo pediu ao papa para instituir a festa do Corpus Christi;

· pensem em Santa Margarida Maria de Alacoque, por meio de quem o papa aprovou e espalhou a devoção ao Sagrado Coração de Jesus;

· pensem em Santa Catarina Labouré, que recebeu a visão da Medalha Milagrosa em 1830, que depois levou à popularização da Imaculada Conceição e à dogmatização deste ensinamento por Pio IX;

· lembrem-se de Santa Faustina e dos seus apelos de que a Divina Misericórdia fosse reconhecida pela Igreja universal - até que uma festa da Divina Misericórdia, sancionada formalmente pelo papa, fosse estabelecida no domingo depois da Páscoa;

· lembrem-se da pequena Lúcia de Fátima que, durante décadas, pediu sem sucesso aos Santos Padres e bispos para consagrar a Rússia ao Imaculado Coração.

Uma e outra vez descobrimos o padrão deixado por Cristo e Maria Madalena. Uma pequena mulher vem a Pedro e diz algo quase inacreditável: 'Vimos o Senhor... Ele diz...' Não posso deixar de imaginar, e isto é pura especulação, que no final dos tempos, Cristo vai outra vez escolher outra pequena mulher com um último pedido ao último papa do mundo. 

Parece se ajustar bem que acabe dessa maneira quando tudo parecer perdido e a Igreja sofrer tão terrivelmente que então o drama misterioso da manhã de Páscoa seja de alguma maneira re-encenado, antes de Cristo regressar para julgar os vivos e os mortos. Uma pequena mulher pode trazer a boa nova a Pedro uma última vez. 

Santa Maria Madalena e São Pedro, rogai por nós!

(Taylor Marshall)