sábado, 28 de outubro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXVII)

Capítulo LXVII

Alívio às Santas Almas pelas Indulgências - Bem Aventurada Maria de Quito e a Mesa Coberta de Pedras Preciosas

Passemos agora às indulgências aplicáveis aos defuntos. Aqui a Misericórdia Divina revela-se com extrema prodigalidade. Sabemos que uma indulgência é a remissão da pena temporal devida ao pecado, concedida pelo 'Poder das Chaves' [Potestas Clavium, poder conferido por Cristo diretamente a São Pedro e à Igreja Católica (Mt 16,19)], independente do sacramento da Penitência.

Em virtude do Poder das Chaves que recebeu de Jesus Cristo, a Igreja pode libertar os fieis de todos os obstáculos à sua entrada na glória. Ela exerce este poder no sacramento da Penitência, onde os absolve dos seus pecados; exerce-o também fora do sacramento, pela remissão da dívida da pena temporal que permanece depois da absolvição; este segundo caso constitui as chamadas indulgências. A remissão das penas temporais pelas indulgências é concedida aos fiéis apenas nesta vida; mas a Igreja pode autorizar os seus filhos, enquanto vivos, a transferir, para os seus amigos defuntos, a remissão concedida a si mesmos; esta é a indulgência aplicável às almas do Purgatório.

Aplicar uma indulgência aos mortos é oferecê-la a Deus em nome da sua Santa Igreja, para que Ele se digne empregá-la em benefício das almas sofredoras. As satisfações assim oferecidas à Justiça Divina em nome de Jesus Cristo são sempre aceitas e Deus aplica-as ou a uma alma em particular ou a certas almas que Ele próprio quer beneficiar, ou a todas em geral. As indulgências são plenárias ou parciais. A indulgência plenária é, para quem a obtém, a remissão de toda a pena temporal que permanece aos olhos de Deus. Suponhamos que, para nos absolvermos desta dívida, seríamos obrigados a cumprir cem anos de penitência canônica na terra ou a sofrer por um tempo ainda mais longo no Purgatório; pela virtude de uma indulgência plenária devidamente obtida, toda esta punição é remida e a alma já não retém aos olhos de Deus qualquer sombra de pecado, que a impeça de ver a sua divina face.

A indulgência parcial consiste na remissão de um certo número de dias ou anos. Estes dias e anos não representam de modo algum dias e anos de sofrimento no Purgatório; devem ser entendidos como dias e anos de penitência pública canônica, consistindo principalmente em jejuns, tais como eram antigamente impostos aos pecadores, segundo a antiga disciplina da Igreja. Assim, uma indulgência de quarenta dias ou sete anos é uma remissão tal como foi devida a Deus por quarenta dias ou sete anos de penitência canônica. Que proporção existe entre esses dias de penitência e a duração dos sofrimentos do Purgatório? Este é um segredo que não Deus não nos quis revelar.

As indulgências constituem, na Igreja, um verdadeiro tesouro espiritual aberto a todos os fiéis; todos podem tirar proveito delas, para pagar as suas dívidas e as dos outros. Foi para enfatizar estas graças, que Deus fez questão de as mostrar um dia à Bem Aventurada Maria de Quito. Um dia, arrebatada em êxtase, ela viu, no meio de um grande espaço aberto, uma imensa mesa repleta de montes de prata, ouro, rubis, pérolas e diamantes e, ao mesmo tempo, ouviu uma voz que lhe dizia: 'Estas riquezas são propriedade pública; cada um pode aproximar-se e tirar o que quiser' e Deus lhe fez saber que isto era o símbolo das indulgências (Rossignoli, Merveilles, 29). Podemos dizer, como o piedoso autor das Merveilles, como somos culpados se, diante de tal abundância, permanecermos pobres e indigentes e negligenciarmos a assistência aos outros. Infelizmente, as almas do purgatório estão em extrema necessidade, suplicam-nos em lágrimas no meio dos seus tormentos; nós temos os meios de pagar as suas dívidas com indulgências e, mesmo assim, não nos esforçamos por o fazer.

Será que o acesso a esse tesouro exige de nossa parte esforços penosos, como jejuns, retiros ou privações insuportáveis para a natureza? Não vemos como os homens, por amor aos bens e riquezas, para conservar uma obra de arte, para salvar uma parte da sua fortuna ou um bem precioso, se expõem às chamas de um incêndio? Não deveríamos então fazer pelo menos o mesmo para salvar das chamas expiatórias as almas resgatadas pelo Sangue de Jesus Cristo? Mas a bondade divina não nos pede nada de tão penoso; exige apenas obras ordinárias e fáceis como um terço, uma comunhão, uma visita ao Santíssimo Sacramento, uma esmola ou o ensino dos fundamentos do Catecismo às crianças abandonadas. E nós descuidamo-nos de adquirir os tesouros mais preciosos por meios tão fáceis e não temos nem tempo e nem vontade de os aplicar aos nossos pobres parentes falecidos que padecem nas chamas do Purgatório.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.