segunda-feira, 23 de outubro de 2023

SOBRE HOMENS E ANJOS

Na história, desde que o mundo é mundo, há dois tipos de homens, e somente dois tipos: os que amam e buscam o bem; os que amam e buscam o mal; os justos e os ímpios, os bons e os maus, os decentes e os indecentes, os discípulos de Cristo e os discípulos do anticristo. Sempre foi assim, sempre será assim. Deus criou a todos, e todos são criaturas do seu amor, mas nem todos serão filhos de Deus na eternidade. 

Não há meio termo do homem, criatura moldada em corpo e espírito, similar à natureza animal no corpo, similar à natureza dos anjos em espírito, sem ser anjo e nem animal, dotado de uma história particular que tem um começo na terra e um recomeço sem fim na eternidade. Nesta parte da história no tempo de uma vida terrena, uns vão tender a se assemelhar aos anjos e outros, ao animal que compartilha a natureza do corpo físico. 

De geração em geração, estes dois tipos de homens se interagem de todas as formas possíveis, muitas vezes na calmaria dos mares, muitas vezes no redemoinho das marés divergentes. Em um conluio de forças ou em um conflito mortal, se vergam ou aspiram degraus mais altos sob os ditames da graça e das obstruções à graça, transpirando em palavras, pensamentos e atos a condição pessoal do livre arbítrio.

Mas há os tempos obscuros, e há ainda os tempos da mais tenebrosa escuridão, conformando a vida e a história daqueles que não são nem anjos e nem animais. Nestes tristes tempos, amplia-se à exaustão o abismo entre os homens que podemos ser. Não há qualquer possibilidade de interação e de convivência comum, e somente os muitíssimos tolos poderiam admitir tal premissa. Como abortos da natureza, espancados pela rejeição à graça, os homens tangidos pelo mal e pelo pecado só vislumbram a si mesmos como seres de vontade própria e esclarecida. Os outros - os homens de bem - merecem única e exclusivamente a rejeição total, penas e condenações de toda ordem, a aniquilação e a potencial extinção.

Vivemos tempos assim nestes nossos tempos: os dias precisam ser sempre noites e as trevas devem engolfar e dissipar toda luz: o pecado é exaltado como virtude, a virtude é ridicularizada como pecado. Honestidade e caridade tornam-se coisas mesquinhas, enquanto a raiva e o ódio modelam corações e mentes; a compaixão é vista como coisa inútil e a vingança é o deleite dos que se pretendem juízes de todos. Tudo é permitido se permitir pecado e desordem moral; tudo é objeto de restrições e impedimentos se pode resultar em graça e conversão.

O mal se arvora onde o bem desdenha o seu sustento. Andamos desnorteados e indiferentes pelos labirintos dos fatos, herdamos prescrições e ordenamentos absurdos, convivemos com a iniquidade com bom dia e tapinhas nas costas. Defendemos sempre a ideia de diálogo e conciliação e a busca da paz entre irmãos, com sentimentos de anjos falando pela boca de animais selvagens. Não somos anjos e nem animais, mas movidos muito mais por decisões animalescas do que por angélicas intenções. Somos cúmplices da iniquidade entre risos de querubins alienados. Não há ação e reação; viver bem ou viver mal são apenas os dois lados de uma mesma moeda de igual valor.

Mais do que nunca precisamos de homens que se assemelhem aos anjos, elevados da terra bruta à distinção dos animais que o cercam. Homens que rejeitem a paz dos homens, o conluio dos covardes, a escravidão do pecado e a miséria dos instintos. Homens e mulheres que manejem o terço diário como espadas de cruzados, que amem as virtudes como práticas diárias e detestem o pecado muito além do horror aos demônios; que persigam o Calvário e a Cruz de Cristo com um olhar da eternidade. E que arrebentem as correntes da iniquidade com fé, oração e perseverança na graça de Deus, com sangue ou sem sangue.