segunda-feira, 2 de outubro de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXV)

Capítulo LXV

Alívio às Santas Almas pela Sagrada Comunhão - Santa Madalena de Pazzi e suas 107 Comunhões - Comunhão Geral pelas Almas dos Falecidos - A Conversão do Pecador e o Aviso do Mendigo 

Se as boas obras ordinárias proporcionam tanto alívio às almas, quais não seriam os efeitos da obra mais santa que um cristão pode realizar, ou seja, a Sagrada Comunhão? Quando Santa Madalena de Pazzi viu o seu irmão nos sofrimentos do Purgatório, tocada de compaixão, derreteu-se em lágrimas e exclamou com voz lamentável: 'Ó alma aflita, como são terríveis as tuas dores! Por que não são compreendidas por aqueles que não têm coragem de carregar sua cruz aqui embaixo? Quando ainda estavas neste mundo, meu caro irmão, não me ouvias, e agora desejas ardentemente que eu te ouça. Pobre vítima, que queres de mim?' Ouviu-se então se contar até o número cento e sete e, depois, ela o ouviu exclamar em voz alta que esse era o número de comunhões que ele a pedia em tom de súplica. 'Sim' - ela respondeu - 'posso facilmente fazer o que me pedes, mas infelizmente quanto tempo levarei para pagar essa dívida! Se Deus me permitisse, eu iria de bom grado para onde tu estás, para te libertar e para impedir que outros descessem até lá'. A santa, sem omitir as suas orações e outros sufrágios, fez com o maior fervor todas as comunhões que o seu irmão a chamara a fazer para a sua libertação.

Trata-se de um piedoso costume estabelecido nas igrejas da Companhia de Jesus - nos conta Padre Rossignoli - oferecer todos os meses uma comunhão geral em benefício das almas do Purgatório e Deus dignou-se mostrar por um prodígio como esta prática lhe é agradável. No ano de 1615, quando os Padres de Roma celebraram esta comunhão mensal na igreja de Nossa Senhora do Trastevere, estava presente uma multidão de pessoas. Entre os cristãos fervorosos, encontrava-se um grande pecador que, embora participasse nas cerimônias piedosas da religião, levava há muito tempo uma vida muito ruinosa. Este homem, antes de entrar na igreja, viu sair e avançar em sua direção um homem de aspecto humilde, que lhe pediu uma esmola por amor de Deus. Este, a princípio, recusou mas o pobre homem, como é costume com os mendigos, persistiu, pedindo uma segunda e uma terceira vez, num tom de súplica muito lamentável. Finalmente, cedendo a uma boa inspiração, o nosso pecador chamou o mendigo e deu-lhe uma moeda.

Então o pobre homem mudou as suas súplicas para uma outra linguagem. 'Guarde o seu dinheiro' - disse ele - 'não tenho necessidade da sua liberalidade; mas o senhor mesmo precisa muito de mudar de vida. Saiba que foi para lhe fazer esta salutar advertência que eu vim do Monte Gargano para a cerimônia que hoje devia ter lugar nesta igreja. Há vinte anos que levas esta vida deplorável, provocando a ira de Deus em vez de a apaziguar com uma confissão sincera. Apressa-te a fazer penitência se quiseres escapar ao golpe da Justiça Divina que está prestes a cair sobre a tua cabeça'.

O pecador ficou impressionado com estas palavras; um medo secreto apoderou-se dele ao ouvir ser revelados os segredos da consciência, que julgava serem conhecidos apenas por Deus. A sua comoção aumentou ainda mais quando viu o pobre homem desaparecer como fumo diante dos seus olhos. Abrindo o seu coração à graça, entrou na igreja, pôs-se de joelhos e derramou uma torrente de lágrimas. Depois, sinceramente arrependido, procurou um confessor, confessou os seus muitos pecados e pediu perdão. Depois da confissão, contou ao sacerdote o que lhe tinha acontecido, pedindo-lhe que o desse a conhecer, para que a devoção para com as almas santas aumentasse, pois não tinha dúvidas de que tinha sido uma alma acabada de libertar do Purgatório que lhe tinha obtido a graça da conversão.

Poder-se-ia perguntar quem teria sido o misterioso mendigo que apareceu a este pecador para o converter? Alguns acreditavam que não seria outro senão Miguel Arcanjo, porque ele disse que vinha do Monte Gargano. Sabemos que este monte é celebrado em toda a Itália por uma aparição de São Miguel, em cuja honra foi erigido um magnífico santuário. Seja como for, a conversão deste pecador por um tal milagre, e no mesmo momento em que se rezava e se comungava em intenção dos fieis defuntos, mostra claramente a excelência desta devoção e como a mesma deve ser agradável aos olhos de Deus. Concluamos, pois, com as palavras de São Bernardo: 'Que a caridade vos leve a comungar pelos falecidos, pois nada há de mais eficaz para o eterno repouso das suas almas'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.