Enquanto não concederes essa graça à alma, não importa o quão íntima ela possa estar, ela vai perceber que não está plenamente integrada contigo. Parece existir assim um certo mal estar espiritual, uma espécie de insegurança. Ela não gostaria de ser perturbada em sua doce ocupação. Mas isso poderia acontecer e ela teme isso. E o seu medo é bem fundamentado. Todos os laços que a prendem longe de ti ainda não foram quebrados. Ela ainda mantém uma certa comunicação com o mundo sensível que nada lhe pode dar e que, pelo contrário, poderia chamá-la para si, arruinando tudo. Sem dúvida esse medo é débil, surdo e quase imperceptível, mas existe e faz sofrer a alma, é um estorvo. Na verdade, a alma não pode elevar-se livremente para te alcançar, ainda que se sinta movida por um desejo muito forte de fazê-lo.
Mas no momento em que te dignas desligar-se por completo, ainda que apenas por um instante, que alegria não teria a alma de se encontrar a sós contigo, quase face a face, e poder contar-te sem palavras tudo o que vivencia no íntimo do coração há tanto tempo! E agir como se não soubesses nada; falar de tudo e se abrir totalmente contigo. Pai, vê como tudo é Vosso, como tudo é feito para Vós! Não existem mais criaturas que possam obstruir o Vosso olhar ou ferir o Vosso coração. Não há mais nenhum obstáculo entre nós. Eu Vos falo e Vós me ouvis. Eu Vos olho e Vós me contemplais com ternura. Ninguém nos ouve, ninguém nos vê; ninguém sabe que estou aqui em Vossa presença. Os anjos podem ver e os santos podem ver, mas até eles não poderão saber dessa nossa intimidade mais do que quereis lhes revelar. Além disso, o olhar deles não é indiscreto; pelo contrário, estão felizes vendo o que veem. E, se necessário, eles vão enlevar a minha alma ainda mais para Vos louvar, abençoar e amar.
Ó meu Deus, uma vez que a oração nada mais é do que a explicação de um desejo, não é possível explicar bem a Vós o nosso desejo de Vos amar, e só é possível orar com perfeição em êxtase. Sim, meu Deus, que nossos corações sejam incensados pelo Vosso amor! Que, para Vos amar livremente e sem obstáculos, permiti que a nossa alma possa deixar o nosso corpo e se refugiar em Vós como fonte de amor. Que o meu eu morra então totalmente aí para que eu não possa mais viver a não ser em Vós e para Vós! Por tão grande amor, as palavras são pequenas demais para Vos delimitar e assim Vós as reprimis, são débeis demais para Vos conceber e é por isso que Vós as aniquilais! Mas, ainda assim, refletem a Vossa glória, uma vez que proclamam, na sua impotência, a Vossa grandeza e o Vosso poder.
Ó amor de Deus, vinde e completeis em mim a Vossa obra: abrasai-me, envolvei-me, consumi-me, arrebatai-me! Eu Vos ofereço todo o meu ser, o mais íntimo de mim, para todo o sempre, e com um infinito amém!
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II - A Ação de Deus; tradução do autor do blog)