XXXVI
DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Que entendeis por celebração do Santo Sacrifício da Missa?
Que o ato pelo qual se efetua o Sacramento da Eucaristia constitui um verdadeiro sacrifício ou imolação ritual, o único da religião católica, cujo culto, com exclusão dos demais, é agradável a Deus (LXXXIII, 1)*.
Por que o ato de que falamos constitui um verdadeiro sacrifício?
Porque consiste na imolação do mesmo Jesus Cristo, única vítima aceita aos olhos de Deus.
Por que é a imolação de Jesus Cristo?
Porque é o sacramento ou sinal da paixão com que o Redentor foi sacrificado no Calvário(LXXXII, 1).
Que entendeis quando afirmais que é sacramento ou sinal da paixão de Jesus Cristo?
Que assim como se separaram realmente o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo quando morreu na Cruz para redimir-nos do pecado, assim também, mediante o ato de consagrar primeiro o pão e depois o vinho, se separam sacramentalmente o Corpo e o Sangue de Cristo.
O que se conclui disso?
Que o sacrifício da missa é o mesmo sacrifício da Cruz.
Pode chamar-se reprodução daquele?
Propriamente, não, Senhor; porque o Sacrifício da Cruz teve lugar uma só vez e não se reproduz, e a missa não é reprodução, mas o mesmo sacrifício.
Pode chamar-se a missa representação do sacrifício da Cruz?
Se com isso se intenta dizer que é só a sua imagem, não, Senhor, porque é o mesmo sacrifício; se bem que pode chamar-se representação, no sentido de que ele se nos apresenta diante dos olhos, para que de novo o presenciemos.
Como pode, pois, ser o mesmo sacrifício da Cruz, se ele já passou e se, além disso, Jesus Cristo então derramou o seu sangue e morreu e agora nem pode derramá-lo e nem morrer?
Porque da mesma maneira que o próprio Jesus Cristo que está nos céus, sem alteração nem mutação por sua parte, se faz presente na Eucaristia, ainda que com a aparência e forma exteriores das espécies sacramentais, assim também a paixão ou imolação que há tempo teve lugar no Calvário é a mesma que presenciamos no sacrifício, não com exterioridade de martírio cruento como aquela, mas em forma de sacramento; isto é, no altar se nos apresenta, no estado de separação indispensável para que haja sacrifício, o mesmo corpo e o mesmo sangue imolados e, portanto, separados na Cruz.
Logo, onde quer que se celebre o Santo Sacrifício da Missa, verifica-se realmente, ainda que em forma sacramental, o Sacrifício do Calvário?
Sim, senhor.
Logo, assistir à missa equivale a presenciar à paixão de Cristo?
Sim, senhor; equivale a presenciar ao grande sacrifício com que fomos redimidos, donde manam todas as graças e favores divinos, no qual Deus se compraz. Como ato de religião por excelência, é o único que dignamente o honra e o glorifica.
Logo, é este o motivo pelo qual a Igreja recomenda aos fiéis assistirem ao Santo Sacrifício da missa, com a maior frequência possível?
Sim, senhor; por isso não só o recomenda, senão que manda ouvi-la todos os domingos e dias festivos.
Que motivos escusam do cumprimento deste preceito?
A impossibilidade ou um inconveniente grave.
Que condições são necessárias para cumpri-lo devidamente?
Achar-se no lugar em que se celebra, não ter ocupado o corpo nem o pensamento em coisas incompatíveis com a participação em tão augusto sacrifício e não faltar durante os atos principais.
Que entendeis por atos ou partes principais, aos quais não se pode faltar, sob pena de não cumprir com o preceito?
Todos aqueles compreendidos entre o ofertório e a comunhão inclusive.
Qual é o modo mais proveitoso de ouvir a Santa Missa?
O de unir-se ao celebrante e seguir ponto por ponto as preces, ritos e cerimônias.
Logo, é conveniente ter livros litúrgicos para que os fieis a ouçam com maior aproveitamento?
Sim, senhor; e serão tanto mais úteis quanto melhor reproduzam o missal.
XXXVII
DA NATUREZA DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA VIRTUDE DO MESMO NOME
Que entendeis por sacramento da penitência?
Um dos sete ritos sagrados instituídos por Jesus Cristo para restituir aos homens a graça do batismo, se depois dele têm a desgraça de perdê-la pelo pecado (LXXXIV, 1).
Em que consiste?
Em atos e palavras que significam, por parte do penitente, que ele detesta o pecado e, pela do sacerdote, que Deus lhe perdoa por intermédio do seu ministério (LXXIV, 2, 3).
Proporciona este sacramento grandes benefícios ao homem e deve ser, portanto, motivo de especial agradecimento a Cristo Nosso Redentor?
Indubitavelmente que sim porque, dada a fragilidade que afeta a natureza humana, sempre nos achamos em perigo de perder a vida sobrenatural recebida no batismo e, uma vez vítima da culpa, não teria o homem meio sacramental para repará-la e nem sair daquele estado, se Jesus Cristo não tivesse instituído o sacramento da penitência. Por isso se chama segunda tábua da salvação depois do naufrágio (LXXXIV, 6).
Se o homem recai, depois de recebê-lo, pode de novo recorrer a ele?
Sim, senhor; porque Jesus Cristo, compadecido do miserável estado do pecador, não limitou um número determinado as vezes que ele pode recorrer em demanda de perdão, contanto que sincera e lealmente se arrependa (LXXXIV,10).
Existe alguma virtude cujo ato seja indispensável na recepção do sacramento da penitência?
Sim, senhor; a virtude da penitência (LXXXV).
Em que consiste?
Na qualidade sobrenatural que inclina o homem a reparar a ofensa feita a Deus fazendo, livre e espontaneamente, tudo quanto está em suas mãos para satisfazer à justiça divina e, deste modo, obter o perdão (LXXXV, 1, 5).
Necessita a virtude da penitência o concurso de outras virtudes para produzir o seu ato próprio?
Tem esta virtude a propriedade característica de necessitar com o concurso de todas as demais. Pressupõe e requer fé na paixão de Cristo, causa meritória do perdão; implica a esperança na remissão e o ódio ao pecado enquanto se opõe ao amor de Deus que, por sua vez, pressupõe a caridade. Como virtude moral, tem apoio e direção na prudência que, como temos dito, mantém em justos limites os atos de todas as virtudes morais; como espécie da virtude da justiça, já que o seu objeto é obter o perdão de Deus, compensando a ofensa com uma satisfação voluntária; precisa utilizar-se da temperança para abster-se dos prazeres e da fortaleza para impor-se ou, pelo menos, suportar dura satisfação e penitência (LXXXV, 3 ad4).
Que objetivo tem a satisfação na penitência?
Aplacar a ira de Deus, justamente irritado, reconciliar-nos com o mais amoroso Pai, gravemente ofendido e volver à graça do mais amante Esposo, vilmente enganado (LXXXV, 3).
Deve o homem que tem a desgraça de ofender a Deus exercitar-se em frequentes atos da virtude da penitência?
O ato de arrependimento e dor interior de haver ofendido a Deus deverá ser, em certo modo, contínuo; quanto às mortificações e outras obras exteriores satisfatórias, se bem que têm um limite, além do qual não se deve passar, como sempre temos motivos para supor que a nossa satisfação seja incompleta, no nosso interesse está não nos darmos por satisfeitos, para satisfeitos nos acharmos no momento de comparecer ao tribunal de Deus; com mais a vantagem de praticar todas as virtudes cristãs, sempre que nos exercitarmos em atos de penitência (LXXXIV, 8, 9).
XXXVIII
EFEITOS DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA
É efeito próprio deste sacramento perdoar os pecados?
Sim, senhor; naqueles que o recebem com as devidas disposições.
Que pecados se perdoam no sacramento da penitência?
Todos os sujeitos ao poder das chaves [potestas clavium: a Igreja recebeu as chaves do Reino dos Céus para que se opere nela a remissão dos pecados pelo sangue de Cristo e pela ação do Espírito Santo], que são tantos quanto o homem pode cometer depois do batismo.
É possível alcançar o perdão dos pecados sem o sacramento da penitência?
Para obter a remissão dos pecados mortais é indispensável que o pecador tenha vontade ou desejo de submetê-los ao poder das chaves, pela forma e modo que lhe seja possível; para obter perdão dos veniais, suposto o estado de graça, é suficiente um ato fervoroso de caridade, sem recorrer ao sacramento (LXXXVII, 2 ad 2).
Se, obtido o perdão no sacramento da penitência, o homem recai nos mesmos ou outros pecados mortais, revestem-se estes de maior gravidade?
Sim, senhor; não porque de novo se lhe imputem os perdoados, mas porque a recaída agrava os novos com os vícios de ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade de Deus (LXXXVIII, 1, 2).
Logo, a ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade divinas que a recaída leva consigo, constituem pecado distinto dos demais que se tenham cometido?
Se o pecador propôs e intentou diretamente tal desprezo, sim senhor; caso contrário, são circunstâncias agravantes dos novamente cometidos (LXXXVIII,4).
Imputa Deus ao homem e torna a debitar-lhe os pecados perdoados no tribunal da penitência?
Não, senhor, porque Deus jamais se arrepende dos favores concedidos (LXXXIII,1).
Recobram valor e vida no sacramento da penitência os bens espirituais de que o homem fica privado ao cometer o pecado mortal?
Certamente que sim; recobra, em primeiro lugar, o bem essencial que é a graça e o direito à glória, no mesmo grau em que, antes de pecar, o possuía, se as disposições com que recebe o sacramento equivalem ao antigo fervor e caridade; em maior grau, se são maiores e, em menor, se são menores. O mérito contraído no exercício das virtudes revive íntegro para ser premiado com recompensa acidental (LXXXIX, 1-4; 5 ad 6).
Logo, é importantíssimo receber este sacramento com as melhores disposições?
Sim, senhor; pois, como tenho dito, o fruto guarda com elas uma direta proporção.
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)