'LEVEM OS MEUS OLHOS!'
O Rei Ricardo da Inglaterra, indo ao convento de Santo Emblay, enamorou-se de uma monja. Enviou-lhe muitos presentes e jóias, com a pretensão de vencer sua vontade. Mas como ela não se submetia, mandou avisar a abadessa que a entregasse, sob pena de destruir o convento.
Enviou então uns homens, para que a trouxessem à força. Quando os homens chegaram ao mosteiro, ela lhes perguntou por que o príncipe se havia enamorado dela mais do que das outras monjas. Eles lhe responderam que era por causa da grande beleza de seus olhos. Ela então, com decisão, arrancou os próprios olhos, dizendo aos homens:
'Soldados, levem os meus olhos, já que por eles o rei se enamorou. E deixem a mim, pois amo menos os meus olhos do que minha alma'. E em uma caixinha ela os mandou ao Rei.
Envergonhado, este dirigiu-se ao mosteiro, para pedir perdão. Pôs a caixa com os olhos sobre o altar da Virgem, dizendo-lhe que não se iria embora até que os restituísse à santa monja. O milagre se fez, e a Virgem restituiu à monja os olhos mais formosos do que antes, fazendo-se o rei devoto de Maria e protetor do mosteiro.
A ESPADA DE SÃO MARTINHO
O Conde de Besalu era um valente que derrotou os mouros em muitas batalhas. Onde havia perigo, lá estava ele com seu exército, e não tardava em dar boa conta das turbas infiéis. Um dia, estando em seu castelo, veio um de seus guardas dizer-lhe que sabia de boa fonte que os mouros subiam de Bañolas em direção a Santa Pau. Imediatamente o Conde reuniu os seus leais, e saiu para enfrentar os mouros e impedir-lhes o avanço.
Quando os encontrou, no mesmo instante, arremeteu-se contra eles com o ímpeto que lhe era peculiar. Mas em pleno combate sua espada se quebrou. Não era o conde homem que se conformasse vendo pelejar seus soldados, mas não lhe era possível seguir lutando desarmado. Recordou-se então de que, muito perto daquele lugar, encontrava-se uma ermida dedicada a São Martinho. Abandonou o combate uns momentos, para dirigir-se a esse lugar. Uma vez ali, ajoelhou-se aos pés do santo e lhe pediu, com todo o fervor, que ele o livrasse do apuro em que se encontrava.
Estava de joelhos, absorto na oração ao santo, quando viu que a imagem deste se movia, e São Martinho, sacando sua espada, ofereceu-a ao conde. Levantou-se o cavaleiro, todo jubiloso, e para certificar-se do que seus olhos estavam vendo, esticou a mão para pegar a espada. Com firmeza a tomou, e depois de dar graças a Deus de todo o coração, saiu depressa em auxílio de seus homens, que estavam perdendo terreno.
Começou a distribuir golpes com sua espada à direita e à esquerda. Seus homens recobraram o valor que haviam perdido momentaneamente, e redobraram seus esforços. Em poucas horas jaziam mortos todos os mouros que haviam iniciado o combate contra a Santa Fé.
Os cristãos subiram então até Besalu. Quando chegaram a Colsatrapa, sentaram-se para descansar, enquanto contemplavam o panorama de Mirana y Mor. Os soldados elogiavam o conde pelo seu valor. Ele, porém, contestou, dizendo que São Martinho lhe emprestara a espada. Seus homens duvidaram, e ele, para provar a força da espada, deu um forte golpe numa pedra que havia ali, partindo-a em duas. Essa pedra ainda existe e é conhecida como 'Pedra Cortada'.
(Excertos da obra 'Antologia de Leyendas de la Literatura Universal', V. Garcia de Diego, 1953)