quarta-feira, 8 de julho de 2015

A BÍBLIA EXPLICADA (XV)

O que foi a Estrela do Oriente?


A Estrela do Oriente é mencionada no evangelho de São Mateus. Uns magos perguntam em Jerusalém: 'Onde está o Rei dos Judeus que acaba de nascer? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para o adorar' (Mt 2, 2).Os dois capítulos iniciais dos evangelhos de São Mateus e de São Lucas narram algumas cenas da infância de Jesus, pelo que se costumam denominar 'evangelhos da infância'. A estrela aparece no 'evangelho da infância' de São Mateus. Os evangelhos da infância têm um caráter ligeiramente diferente ao do resto do evangelho. Por isso estão cheios de evocações a textos do Antigo Testamento que dão grande significado aos gestos. Neste sentido, a sua historicidade não se pode examinar da mesma maneira que a do resto dos episódios evangélicos. 

Dentro dos evangelhos da infância, há diferenças. O de São Lucas é o primeiro capítulo do evangelho, mas em São Mateus é como que um resumo dos conteúdos de todo o texto. A passagem dos magos (Mt 2, 1-12) mostra que uns gentios, que não pertencem ao povo de Israel descobrem a revelação de Deus através do seu estudo e dos seus conhecimentos humanos (das estrelas), mas não chegam à plenitude da verdade, senão através das Escrituras de Israel. 

No tempo em que foi composto o evangelho, era relativamente normal a crença de que o nascimento de alguém importante ou de algum acontecimento relevante se anunciava com um prodígio no firmamento. Dessa crença participava o mundo pagão (conforme Suetonio, As Guerras Judaicas, 5, 3, 310-312; 6, 3, 289). Além disso, o Livro dos Números (22-24) recolhia um oráculo em que se dizia: 'De Jacó vem uma estrela, em Israel se levantou um cetro' (Nm 24, 17). Esta passagem interpretava-se como um oráculo de salvação sobre o Messias. 

Nestas condições, oferecem o contexto adequado para entender o sinal da estrela. A exegese moderna perguntou que fenômeno natural podia ter ocorrido no firmamento, que fosse interpretado pelos homens daquele tempo como extraordinário. As hipóteses que se deram são sobretudo três: 

(i) Kepler (século XVII) falou de uma estrela nova, uma supernova (trata-se de uma estrela muito distante, que explode de tal modo que, durante umas semanas, emite mais luz e é perceptível da terra); 

(ii) um cometa, pois os cometas seguem um percurso regular, mas elíptico, à volta do sol (na parte mais distante da sua órbita não são perceptíveis a olho nu mas, se estão próximos, podem ser vistos durante algum tempo). Esta descrição coincide também com o que se assinala no relato de Mateus, mas a aparição dos cometas conhecidos que se vêm da terra, não coincide com as datas da estrela; 

(iii) Uma conjunção planetária de Júpiter e Saturno. Kepler chamou também a atenção para este fenômeno periódico que, salvo engano dos cálculos atuais, pode muito bem ter ocorrido nos anos 6 ou 7 antes da nossa era, ou seja, naquele período em que a investigação mostra ter ocorrido o nascimento de Jesus.

A matança dos inocentes é um fato histórico?


A matança dos inocentes pertence, como o episódio da estrela dos magos, ao 'evangelho da infância' de São Mateus. Os magos tinham perguntado pelo rei dos judeus (Mt 2,1) e Herodes – que se sabia rei dos judeus – inventa um estratagema, para averiguar quem poderia ser aquele que ele considera um possível usurpador, pedindo aos magos que o informem quando regressarem. Quando conclui que regressaram por outro caminho, 'irou-se em extremo, e mandou matar, em Belém e em todos os seus arredores, todos os meninos de idade de dois anos para baixo, segundo a data que tinha averiguado dos magos' (Mt 2, 16). 

A passagem evoca outros episódios do Antigo Testamento: também o faraó tinha mandado matar a todos os recém nascidos dos hebreus, como conta o livro do Êxodo, mas salvou-se Moisés, precisamente aquele que depois libertou o povo (Ex 1, 8 - 2, 10). São Mateus diz também, nessa passagem, que, com o martírio destes meninos, cumpria-se um oráculo de Jeremias (Jr 31, 15): o povo de Israel foi desterrado, mas o Senhor tirou-o daí e, num novo êxodo, levou-o à sua terra prometendo-lhe uma nova aliança (Jr 31, 31). Portanto, o sentido da passagem parece claro: por muito que os fortes da terra se empenhem, não se podem opor aos planos que tem Deus para salvar os homens.

É neste contexto que se deve examinar a historicidade do martírio dos meninos inocentes, do qual só temos esta noticia que nos dá São Mateus. Na lógica da investigação histórica moderna, diz-se que testis unus testis nullus, um só testemunho não serve. No entanto, é fácil pensar que a matança dos meninos em Belém – uma aldeia de poucos habitantes – não foi muito numerosa e por isso não passou aos anais da história. 

O que sim é certo, é que a crueldade que manifesta é coerente com as brutalidades que Flávio Josefo nos conta de Herodes: fez afogar o seu cunhado Aristóbulo quando este alcançou grande popularidade (Antiguidades Judaicas, 15, 54-56); assassinou o seu sogro Hircano II (15, 174-178), um cunhado, Costobar (15, 247-251) e a sua mulher Marianne (15, 222-239); nos últimos anos da sua vida, mandou matar os seus filhos Alexandre e Aristóbulo (16, 130-135), e cinco dias antes da sua própria morte, outro filho, Antipatro (17, 145); finalmente, ordenou que, perante a sua morte, fossem executados alguns notáveis do reino, para que as gentes da Judeia, querendo-o ou não, chorassem a morte de Herodes (17, 173-175).

(Excertos da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)