sexta-feira, 28 de outubro de 2022

SOBRE A NEGLIGÊNCIA

A negligência é um obstáculo à perfeição, pois entrega os que têm este vício nas mãos dos inimigos. Para que não te tornes escrava deste pecado, é preciso que fujas da curiosidade, do apego aos bens terrenos e de qualquer ocupação que não convenha ao teu estado. É preciso que faças esforço para corresponder com presteza a toda a boa inspiração e a qualquer ordem de teus superiores, fazendo tudo no seu tempo, e do modo que os superiores querem.

Não demores, por pouco que seja, a obedecer. Esta falta de diligência acarretará uma segunda, logo uma terceira e outras muitas. Os sentidos se habituam à negligência e cederás então, mais facilmente que no princípio, pois já estás presa ao prazer que provaste. E assim irás habituando a começar o teu trabalho muito tarde, ou então, deixá-lo-á muitas vezes, como coisa merecida. Pouco a pouco, irá se formando o hábito de negligência, que se tornará totalmente forte de modo que, no momento da falta, reconheceremos que somos muito negligentes e sentiremos repugnância de nós mesmos, mas somente faremos o propósito de mais tarde em outra ocasião, sermos mais solícitos e diligentes.

Esta negligência atingirá toda a nossa alma. Seu veneno infeccionará não somente a vontade, fazendo-a aborrecer aquele trabalho, mas chegará a obstar a inteligência, de modo tal que ela não verá como são vãos aqueles propósitos de resistir, no futuro, diligentemente, às tentações a que agora, voluntariamente, sucumbirmos. Não basta fazer, a qualquer momento, o que devemos fazer. É preciso esperar o seu tempo, que será marcado pela hora de realizá-lo; importa fazê-lo com toda a diligência para que seja cumprido o dever com toda a perfeição possível.

Fazer um trabalho antes do tempo não é diligência, mas finíssima negligência. Fazê-lo apressadamente e sem cuidado, com os olhos fitos no descanso que poderemos desfrutar depois, também não passa de negligência. Estes atos acarretam grande mal à alma, porque não se considera o valor da boa obra, feita no seu tempo, e não se enfrenta, com ânimo resoluto, a fadiga e as dificuldades que o vício da negligência apresenta sempre aos novos soldados.

Deves lembrar-te que uma só elevação da mente a Deus e uma genuflexão em sua honra vale mais que todos os tesouros do mundo. E que, sempre que fazemos violência a nós mesmos e às nossas paixões viciosas, os anjos nos trazem do reino dos céus uma coroa de gloriosa vitória. Aos negligentes, Deus vai tirando as graças que lhes dava e, aos diligentes, as graças vão crescendo para que aquelas almas gozem um dia no Senhor.

Digo o mesmo a respeito da oração. Se ela, por exemplo, deve durar uma hora e isto parece pesado à tua negligência, começa a rezar como se fosse fazer somente durante um oitavo de hora. Passarás depois, com facilidade, ao segundo oitavo, ao terceiro e assim por diante. Mas se, no segundo ou em algum outro oitavo de hora, sentisses que a repugnância e a dificuldade eram fortes demais, deixa para depois a oração para não te cansares em demasia. Mas não te esqueças de retomar, pouco depois, o exercício.

Do mesmo modo deves proceder quanto aos trabalhos manuais, quando acontece que precises fazer muitas coisas e pareçam dificultosas demais, à tua negligência, e te causam aflição. Começa o teu trabalho corajosamente, e empreende uma das obras, como se fosse a única. Cumprirás assim, todo aquele mister que, à tua negligência, parecia de grande fadiga. Se assim não fizeres e não combateres a negligência, prevalecerá em ti este vício que, não somente a fadiga que sentires durante o exercício da virtude te assustará, mas temerás sempre as dificuldades que te advirão dos trabalhos futuros. E estarás sempre ansiosa, temerás sempre os futuros assaltos do inimigo e recearás a todo o momento, que alguém te venha impor alguma coisa desagradável. Viverás sempre inquieta.

E lembro-te, filha, de que este vício da negligência, pouco a pouco, com o seu veneno escondido, não somente ataca as primeiras e pequeninas raízes, que fariam crescer os hábitos das virtudes, mas ferem também os hábitos já adquiridos. É perfeitamente, como o cupim. O vício vai roendo insensivelmente e consumindo o âmago da vida espiritual. O demônio arma este laço contra todos os homens, especialmente contra os mais piedosos. 

Vigia, portanto, reza e pratica o bem e não te demores a tecer a fazenda para a veste nupcial, pois deves estar sempre pronta para ir ao encontro do Esposo. E lembra-te todo o dia, de que quem te dá a manhã não te promete a tarde, e quem te dá a tarde não te promete a manhã. Usa, portanto, de todos os teus segundos e minutos, de acordo com a Vontade Divina, e como se fossem os últimos momentos de tua vida. Além disto, deverás prestar conta minuciosíssima de todos os teus instantes.

Concluo, aconselhando-te a que tenhas como perdido o dia em que, mesmo se trabalhaste muito, não conseguiste muitas vitórias contra as tuas más inclinações e contra a tua vontade própria, ou não agradeceste ao Senhor dos benefícios que te concedeu, particularmente a penosa Paixão que Ele sofreu por ti, e paterno e doce castigo com que te puniu e que te fez digna do tesouro inestimável de algumas tribulações.

(Excertos da obra 'O Combate Espiritual e o Caminho do Paraíso', do Ven. Lourenço Scúpoli, 1939)