sábado, 22 de março de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCVIII)

 

Capítulo XCVIII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Estímulo à Devoção e Probabilidade do Purgatório - Meios de se Evitar o Purgatório - Conselho de Santa Catarina de Gênova

Se os santos religiosos passam pelo Purgatório, embora não fiquem retidos nele, não devemos temer que não só passemos por ele, mas também permaneçamos por mais ou menos tempo? Podemos viver numa segurança que seria, para dizer o mínimo, muito imprudente? A nossa fé e a nossa consciência dizem-nos que o nosso medo do Purgatório é bem fundamentado. Vou ainda mais longe, caro leitor, e digo que, com um pouco de reflexão, tu mesmo deves reconhecer que é muito provável, e quase certo, que irás para o Purgatório. Não é verdade que, ao deixar esta terra, a tua alma entrará numa dessas três moradas que a fé nos indica: Inferno, Céu ou Purgatório? Ireis para o Inferno? Não é provável, porque tendes horror ao pecado mortal, e por nada no mundo o cometeríeis, nem o teríeis na consciência depois de o terdes cometido. Ireis para o Céu? Respondeis imediatamente que vos julgais indignos de tal favor. Resta, então, o Purgatório; e deveis reconhecer que é muito provável, quase certo, que ireis para esse lugar de expiação.

Ao colocar esta grave verdade diante dos vossos olhos, não penseis, caro leitor, que queremos assustar-vos, ou tirar-vos toda a esperança de entrar no Céu sem o Purgatório. Pelo contrário, esta esperança deve permanecer sempre profundamente impressa nos nossos corações, pois é o espírito de Jesus Cristo, que não deseja de modo algum que os seus discípulos tenham necessidade de uma expiação futura. Ele até instituiu sacramentos e estabeleceu todos os tipos de meios para nos ajudar a fazer plena satisfação neste mundo. Mas esses meios são muitas vezes negligenciados; e é especialmente por um temor salutar que somos estimulados a fazer uso deles.

Ora, quais são os meios que devemos empregar para evitar, ou pelo menos abreviar, o nosso Purgatório e atenuar o seu rigor? São, evidentemente, os exercícios e as boas obras que mais nos ajudam a satisfazer as nossas faltas neste mundo e a encontrar misericórdia diante de Deus, a saber: a devoção à Santíssima Virgem Maria e a fidelidade no uso do seu escapulário; a caridade para com os vivos e os mortos; a mortificação e a obediência; a piedosa recepção dos sacramentos, especialmente quando se aproxima a morte; a confiança na Divina Misericórdia; e, finalmente, a santa aceitação da morte em união com a morte de Jesus na cruz.

Estes meios são suficientemente poderosos para nos preservar do Purgatório, mas é preciso fazer uso deles. Ora, para empregá-los seriamente e com perseverança, uma condição é necessária: formar uma firme resolução de satisfazer [o purgatório pessoal] neste mundo e não no outro. Essa resolução deve ser baseada na fé, que nos ensina quão fácil é a satisfação nesta vida, quão terrível é o Purgatório. Enquanto estiveres no caminho com o teu adversário, diz Jesus Cristo, faze um acordo com ele, para que, porventura, o teu adversário não te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e sejas lançado na prisão. Em verdade vos digo que não sairás dali até que pagueis o último ceitil (Mt 5,25).

Reconciliarmo-nos com o nosso adversário no caminho significa, na boca de Nosso Senhor, apaziguar a Justiça Divina, e satisfazermo-nos no caminho da vida, antes de chegarmos àquele fim imutável, àquela eternidade onde toda a penitência é impossível, e onde teremos de nos submeter a todos os rigores da Justiça. Não é este conselho do nosso Divino Salvador muito sábio?

Poderemos comparecer diante do tribunal de Deus, carregados de uma dívida enorme, que poderíamos tão facilmente ter saldado com algumas obras de penitência, e que depois teremos de pagar com anos de tormento? 'Aquele que se purifica de suas faltas na vida presente' - diz Santa Catarina de Gênova - 'satisfaz com um centavo uma dívida de mil ducados; e aquele que espera até a outra vida para saldar suas dívidas, consente em pagar mil ducados por aquilo que antes poderia ter pago com um centavo'. Devemos, portanto, começar com a firme e eficaz resolução de dar satisfação neste mundo; essa é a pedra fundamental. Uma vez lançado esse alicerce, devemos empregar todos os meios acima enumerados.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 21 de março de 2025

SOBRE A ATIVIDADE HUMANA NO MUNDO

Por seu trabalho e inteligência, o homem procurou sempre desenvolver mais a sua vida. Hoje em dia, porém, ajudado antes de tudo pela ciência e pela técnica, ele estendeu continuamente o seu domínio sobre quase toda a natureza; e, principalmente, graças aos meios de transporte de toda espécie entre as nações, a família humana pouco a pouco se regulariza e se constitui como uma só comunidade no mundo inteiro. Por isso, muitos bens que o homem esperava antigamente obter sobretudo de forças superiores, hoje os conseguem pelos seus próprios meios.

Diante deste enorme esforço, que já penetra em toda a humanidade, surgem muitas perguntas entre os homens. Qual é o sentido e o valor desta atividade? Como todas essas coisas devem ser usadas? Quais são esses esforços, sejam eles individuais ou coletivos? A Igreja, guardiã do depósito da palavra de Deus, que é a fonte dos seus princípios de ordem religiosa e moral, embora ainda não tenha uma resposta imediata para todos os problemas, deseja no entanto unir a luz da revelação à competência de todos, para iluminar o caminho no qual a humanidade entrou recentemente.

Para os fiéis é pacífico que a atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decorrer dos séculos, buscaram melhorar suas condições de vida, consideradas em si mesmo, correspondem ao plano de Deus. Com efeito, o homem, criado à imagem de Deus, recebeu a missão de dominar a terra com tudo o que ela contém e de governar o mundo na justiça e na santidade, isto é, confirmando a Deus como Criador de todas as coisas, orientando para ele o seu ser e todo o universo; assim, com todas as coisas impostas ao homem, o nome de Deus seja glorificado na terra inteira.

Isto diz respeito também aos trabalhos cotidianos. Pois os homens e as mulheres que, ao procurarem o sustento para si e suas famílias, exercem suas atividades de maneira a bem servir à sociedade, têm razão para ver no seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização do plano de Deus na história.

Portanto, bem longe de pensar que as obras produzidas pelo talento e esforço dos homens se opõem ao poder de Deus, ou consideram a criatura racional como rival do Criador, os cristãos, pelo contrário, são reforçados de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza de Deus e fruto dos seus inefáveis ​​​​desígnios. Quanto mais, porém, cresce o poder dos homens, tanto mais aumenta a sua responsabilidade, seja pessoal seja comunitária. Conclui-se, pois, que a mensagem cristã não afasta os homens da tarefa de construir o mundo nem os leva a negligenciar o bem de seus semelhantes; mas, antes, os impele a sentir esta obrigação como um verdadeiro dever.

(Excertos da Constituição Pastoral Gaudium et Spes)

quinta-feira, 20 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (IX)

P. 19 - Esta é, de fato, uma prescrição completa da bondade Divina; mas há algumas partes dela que precisam ser explicadas; primeiro, como as Escrituras nos apresentam que Deus dá a toda a humanidade as graças aqui mencionadas com vista à sua salvação?

Isto é manifesto a partir de três fortes razões registadas nas Escrituras: Primeiro, as Escrituras asseguram-nos que Deus quer que todos os homens sejam salvos, e que nenhum se perca. Assim, 'por minha vida' - diz o Senhor Deus - 'não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta do seu caminho e viva' (Ez 33,11). Assim declara nosso Salvador: 'Não é da vontade de nosso Pai, que está nos céus, que um só destes pequeninos pereça' (Mt 18,14). 'Deus tem paciência por vós' - diz São Pedro - 'não querendo que nenhum pereça, mas que todos se arrependam' (2Pd 3,9). E São Paulo afirma-o expressamente: 'Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,4). Ele quer que todos os homens se salvem e que cheguem ao conhecimento da verdade, como condição essencial da salvação. Ora, desta vontade sincera de Deus para a salvação de todos os homens, segue-se como consequência necessária que Ele dá a todos os homens tais ajudas da sua graça que são suficientes, se eles fizerem um bom uso delas, para levá-los tanto ao conhecimento da verdade quanto à salvação; pois como eles são absolutamente incapazes de dar qualquer passo em direção a este fim sem a sua ajuda, se Ele quer este propósito, Ele deve também aplicar os meios de tal maneira que, se o fim não for realizado, não é devido a Ele. Se Deus não fizesse isso, não poderíamos concebê-lo afirmando que Ele quer que todos os homens sejam salvos e que não quer a morte dos ímpios.

Em segundo lugar, as Escrituras declaram que Jesus Cristo morreu para a redenção de toda a humanidade, sem exceção. Assim, 'Jesus Cristo deu-se a si mesmo em redenção por todos' (1Tm 2,6). 'Se um morreu por todos, logo todos estão mortos, e Cristo morreu por todos' (2CorR 5,15). 'Esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis' (1Tm 4,10). 'Se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e Ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo' (1Jo 2,1). Por isso, São João Batista disse dele: 'Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo' (Jo 1,29). E Ele mesmo diz: 'O pão que Eu darei é a Minha carne, para a vida do mundo' (Jo 6,52). E mais: 'O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido' (Lc 19,10) e 'Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo' (Jo 12,47). São Paulo diz ainda: 'Uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores' (1Tm 1,15). Mas como todos estavam perdidos, como todos, sem exceção, eram pecadores, portanto Jesus Cristo veio para procurar e salvar todos. Agora, disto também se segue, como uma consequência necessária, que todos, sem exceção, devem receber, em algum grau ou outro, tais frutos e benefícios da sua redenção, seja direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, como são suficientes para obter sua salvação, se eles cooperarem com eles. Se alguém, então, não for realmente salvo, isso não pode ser devido a qualquer deficiência da parte de Jesus Cristo, mas ao seu próprio abuso das suas graças; pois seria trivial dizer que Ele é o Salvador de todos, se todos não recebessem os frutos da sua redenção com vistas à sua salvação.

Em terceiro lugar, as Escrituras asseguram-nos que todos os homens recebem efetivamente de Deus, no grau, maneira e proporção que Ele considera adequados, de acordo com o seu estado atual, tais ajudas das suas graças que lhes permitiriam assegurar a sua salvação, se cooperassem com elas. Pois, em primeiro lugar, Deus Todo-Poderoso, por seu sincero desejo pela salvação de todos, 'enviou o seu Filho ao mundo, para que o mundo pudesse ser salvo por Ele' (Jo 3,17). São Paulo expressa claramente este argumento: 'Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, mas o entregou por todos nós, como não nos deu também com ele todas as coisas?' (Rm 8,32); pelo menos todas as coisas absolutamente necessárias para a nossa salvação, e sem as quais nunca estaria em nosso poder alcançá-la? Ora, como Ele entregou o seu Filho para todos, sem exceção, e com este mesmo objetivo, 'para que o mundo', isto é, toda a humanidade, 'possa ser salva por Ele': portanto, a todos, sem exceção, Ele dá a todos tais ajudas e graças que, mediata ou imediatamente, direta ou indiretamente, colocam em poder deles a salvação.

Por outro lado, as Escrituras declaram que Cristo 'é a verdadeira luz, que ilumina todo homem que vem a este mundo' (Jo 1,9). Conseqüentemente, todo homem que vem a este mundo participa da sua luz em tal grau e proporção que Ele acha apropriado dar e em tal tempo, lugar e maneira que Ele acha adequado. Pois, 'a cada um de nós é dada graça de acordo com a medida da doação de Cristo' (Ef 4,7) e 'manifestou-se a graça de Deus como fonte de salvação para todos os homens' (Tt 2,11). A bondade e a misericórdia de Deus para com toda a humanidade é assim exposta nas Escrituras: 'Tendes compaixão de todos, porque vós podeis tudo; e para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens. Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida.' (Sb 11,23-26). Ora, como se poderia dizer que Ele 'poupa todos os seres' e que 'tem compaixão de todos', por causa do arrependimento, se Ele não desse a todos as graças que são absolutamente necessárias para ajudá-los e levá-los ao arrependimento? 

Finalmente, o próprio Salvador diz: 'Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e me abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo; e ao que vier por acréscimo, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono' (Ap 3,20). Ele bate em todas as portas, em todos os corações, pelos movimentos da sua santa graça; e se qualquer homem abrir e cooperar com esta graça, de modo a se superar, tudo estará bem. Disto é manifesto que todos os homens, sem exceção, em qualquer estado que estejam, em algum momento ou outro recebem graças de Deus, como frutos da redenção de Jesus, com vistas à sua salvação eterna e que, mediata ou imediatamente, os levariam a esse fim, se fizessem um uso adequado delas; se, portanto, não forem salvos, a culpa é inteiramente deles. As graças, na verdade, não são dadas no mesmo grau e proporção a todos, mas 'de acordo com a medida da doação de Cristo', pois 'cada um tem de Deus o seu próprio dom: um este; outro, aquele' (1Cor 7,7). Na distribuição dos talentos, um recebeu cinco, outro dois, e outro apenas um, pois Deus, sendo senhor dos seus próprios dons, pode dar mais abundantemente a um do que a outro, como lhe apraz; mas o que cada um recebe é suficiente para o seu propósito atual, e aquele que recebeu apenas um talento tinha pleno poder de obter a mesma recompensa que os outros dois, se tivesse aperfeiçoado seu talento como eles fizeram; mas como ele foi negligente e inútil, foi justamente condenado pela sua preguiça.

P. 20 - Como se pode demonstrar que, se um homem cooperar com as graças que Deus a ele concede, receberá sempre mais e mais dEle?

Isso é evidente pelos seguintes motivos: (i) pelo próprio fim que Deus tem em dá-las; pois todas as graças que Deus concede ao homem, através dos méritos de Cristo, são dadas com vistas à sua salvação e pelo desejo de salvá-lo. Se o homem não coloca nenhum obstáculo de sua parte, ele pode ser salvo. Se o homem, portanto, não coloca nenhum obstáculo de sua parte, mas melhora a graça presente, o mesmo desejo ardente que Deus tem pela sua salvação, e que o moveu a dar a primeira graça, deve também movê-lo a dar uma segunda, uma terceira, e assim por diante, até que Ele aperfeiçoe a grande obra para a qual Ele as dá; é por isso que a Escritura diz: 'aquele que iniciou em vós esta obra excelente lhe dará o acabamento até o dia de Jesus Cristo' (Fp 1,6). É uma verdade indubitável, então, que Deus nunca falhará de sua parte em nos dar todos os outros auxílios necessários, se fizermos um bom uso daqueles que Ele já deu; pois Ele nunca nos abandonará, se nós não o abandonarmos primeiro. Por isso, o mesmo santo apóstolo nos exorta: 'trabalhai na vossa salvação com temor e tremor... porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar' (Fp 2,12-13), mostrando-nos que Deus não faltará se fizermos a nossa parte, e trabalharmos, com temor e tremor, de acordo com as graças que Ele concede. Daí, também, as frequentes exortações do mesmo apóstolo: 'Não negligenciar a graça de Deus' (1Tm 4,14); 'reavivar a chama do dom de Deus que recebeste' (2Tm 1,6); 'não receber a graça de Deus em vão' (2Cor 6,1) e 'olhar diligentemente para que ninguém tenha falta da graça de Deus' (Hb 12,15).

(ii) pelos testemunhos das Escrituras onde nos é assegurado que, se servirmos a Deus e obedecermos a Ele, avançaremos em seu amor e na união com Ele, pois servi-lo e obedecê-lo é fazer um bom uso das graças que Ele nos dá; e ser mais amado por Ele e unido a Ele é receber dEle graças ainda maiores. Assim, o nosso Salvador diz: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (isto é, fará a minha vontade, corresponderá à minha graça) e 'meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele e faremos a nossa morada com ele' (Jo 14,23). Assim também São Tiago diz: 'Aproximai-vos de Deus, e ele se aproximará de vós. Lavai as mãos, pecadores, e purificai os vossos corações, ó homens de dupla atitude. Reconhecei a vossa miséria, afligi-vos e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto e a vossa alegria em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará (Tg 4, 8-10). Por isso, São Pedro exorta-nos a não cairmos da nossa própria firmeza, mas a crescermos na graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2Pd 3,17-18), porque a perseverança no seu serviço, correspondendo à sua graça, é o caminho seguro para obtermos mais dEle.

(iii) pela declaração expressa de Jesus Cristo, que disse: 'Eu sou a videira, e meu Pai é o lavrador... todo ramo que em mim der fruto, ele o purificará, para que dê mais fruto' (Jo 15,1). Também na parábola das moedas, Ele ordenou que a moeda fosse tirada do servo inútil, e dada ao outro que tinha dez moedas, e então acrescentou: 'a todo aquele que tiver, lhe será dado mais' (Lc 19,26), isto é, a todo aquele que tem e faz bom uso do que tem; pois o patrão, ao partir, deu uma moeda a cada um de seus servos, 'e disse-lhes: negociai o dinheiro até que eu venha' (Lc 19,13). E quando voltou, descobriu que um tinha ganhado dez moedas, mas o servo preguiçoso não tinha ganhado nada, pois tinha guardado a moeda que tinha recebido num guardanapo; de modo que a única diferença entre esses dois era que um tinha melhorado o que tinha recebido de seu mestre, e o outro não; e, portanto, para aquele que tinha melhorado sua renda, mais e mais foi dado, para que tivesse em abundância. A mesma expressão é repetida por nosso Salvador em diferentes ocasiões, mas particularmente em (Mc 4), onde, considerando a grande graça concedida aos judeus, ao comunicar-lhes a sua santa Palavra, Ele os exorta a serem cuidadosos em fazer um amplo retorno a Deus, melhorando essa graça, e prometendo que, se o fizessem, mais lhes seria dado: 'Atendei ao que ouvis: com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ain­da se vos acrescentará. Pois, ao que tem, se lhe dará; e ao que não tem, se lhe tirará até o que tem' (Mc 4,24-25). Da mesma forma, o Deus Todo-Poderoso diz a todos os pecadores cujos corações Ele toca com as suas repreensões e com o controle de suas consciências: 'Convertei-vos à Minha repreensão; eis que Eu espalharei sobre vós o meu espírito, e vos mostrarei as minhas palavras' (Pv 1,23). Se cooperarem com a graça da sua repreensão e se converterem, Ele conceder-lhes-á maiores favores.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 19 de março de 2025

19 DE MARÇO - SÃO JOSÉ

    

São José, esposo puríssimo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus Cristo, era de origem nobre e sua genealogia remonta a Davi e de Davi aos Patriarcas do Antigo Testa­mento. Pouquíssimo sabemos da vida de José, além de suas atividades de carpinteiro em Nazaré. Mesmo o seu local de nascimento é ignorado: poderia ser Nazaré ou mesmo Belém, por ter sido a cidade de Davi. Ignora-se igualmente a data e as condições da morte de São José, mas existem fortes razões para afirmar que isso deve ter ocorrido an­tes da vida pública de Jesus. Com certeza, José já teria falecido quando da morte de Jesus, uma vez que não se explicaria, então, a recomendação feita aos cuidados mútuos à mãe e ao filho, dados, da cruz, por Jesus a Maria e a São João Evangelista.

Não existem quaisquer relíquias de São José e se desconhece o local do seu sepultamento. Muitos pais da Igreja defendiam que, devido à sua missão e santidade, São José, a exemplo de São João Batista, teria sido consagrado antes do nasci­mento e já gozava de corpo e alma da glória de Deus no céu, em companhia de Jesus e sua santíssima Esposa. As virtudes e as graças concedidas a São José foram extraordinárias, pela enorme missão a ele confiada pelo Altíssimo. A dig­nidade, humildade, modéstia e pobreza, a amizade íntima com Je­sus e Maria e o papel proeminente no plano da Redenção, são atributos e méritos extraordinários que lhe garantem a influência e o poder junto ao tro­no de Deus. Pedir, portanto, a intercessão de São José, é garantia de ser ouvido no mais alto dos céus. Santa Tereza, ardorosa devota de São José, dizia: 'Não me lembro de ter-me dirigido a São José sem que tivesse obtido tudo que pedira'.

A devoção a São José na Igreja Ca­tólica é antiquíssima. A Igreja do Oriente celebra esta festa, desde o século nono, no domingo depois do Natal. Foram os carmelitas que in­troduziram esta solenidade na Igreja Ocidental; os franciscanos, já em 1399, festejavam a comemoração do Santo Pa­triarca. Xisto IV inseriu-a no bre­viário e no missal; Gregório XV ge­neralizou-a em toda a Igreja. Cle­mente XI compôs o ofício, com os hinos, para a celebração da Festa de São José em 19 de março e colocou as missões na China sob a proteção do Santo. Pio IX introdu­ziu, em 1847, a festa do Patrocínio de São José e, em 1871, declarou-o Pa­droeiro da Igreja; muitos pontífices promoveram solenemente a devoção a São José, por meio de orações, homilias, encíclicas e devoções diversas.

terça-feira, 18 de março de 2025

OS GRANDES DOCUMENTOS DA IGREJA (XXIV)

Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos
QUEMADMODUM DEUS [08 de dezembro de 1870]

Papa Pio IX (1846 - 1878)

proclamação de São José como Patrono da Igreja


Da mesma maneira que Deus havia constituído José, gerado do patriarca Jacó, superintendente de toda a terra do Egito para guardar o trigo para o povo, assim, chegando a plenitude dos tempos, estando para enviar à terra o seu Filho Unigênito Salvador do mundo, escolheu um outro José, do qual o primeiro era figura, o fez Senhor e Príncipe de sua casa e propriedade e o elegeu guarda dos seus tesouros mais preciosos.

De fato, ele teve como sua esposa a Imaculada Virgem Maria, da qual nasceu pelo Espírito Santo, Nosso Senhor Jesus Cristo, que perante os homens dignou-se ter sido considerado filho de José, e lhe foi submisso. E Aquele que tantos reis e profetas desejaram ver, José não só viu, mas com Ele conviveu e com paterno afeto abraçou e beijou; e além disso, nutriu cuidadosamente Aquele que o povo fiel comeria como pão descido dos céus para conseguir a vida eterna. Por esta sublime dignidade, que Deus conferiu a este fidelíssimo servo seu, a Igreja teve sempre em alta honra e glória o Beatíssimo José, depois da Virgem Mãe de Deus, sua esposa, implorando a sua intercessão em momentos difíceis.

E agora, nestes tempos tristíssimos em que a Igreja, atacada de todos os lados pelos inimigos, é de tal maneira oprimida pelos mais graves males, a tal ponto que homens ímpios pensam ter finalmente as portas do Inferno prevalecido sobre ela, é que os Veneráveis e Excelentíssimos Bispos de todo o mundo católico dirigiram ao Sumo Pontífice as suas súplicas e as dos fiéis por eles guiados, solicitando que se dignasse constituir São José como Patrono da Igreja Católica. Tendo depois no Sacro Concílio Ecumênico do Vaticano insistentemente renovado as suas solicitações e desejos, o Santíssimo Senhor Nosso Papa Pio IX, consternado pela recentíssima e funesta situação das coisas, para confiar a si mesmo e os fiéis ao potentíssimo patrocínio do Santo Patriarca José, quis satisfazer os desejos dos Excelentíssimos Bispos e solenemente declarou-o Patrono da Igreja Católica, ordenando que a sua festa, marcada em 19 de março, seja de agora em diante celebrada com rito duplo de primeira classe, porém sem oitava, por causa da Quaresma.

Além disso, ele mesmo dispôs que tal declaração, por meio do presente Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, fosse tornada pública neste santo dia da Imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus e Esposa do castíssimo José. Rejeite-se qualquer coisa em contrário.

segunda-feira, 17 de março de 2025

SOBRE O FUNDAMENTO DA FÉ

A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi ela que fez a glória dos nossos antepassados. Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus e que as coisas visíveis se originaram do invisível.

Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício bem superior ao de Caim, e mereceu ser chamado justo, porque Deus aceitou as suas ofertas. Graças a ela é que, apesar de sua morte, ele ainda fala. Pela fé Henoc foi arrebatado, sem ter conhecido a morte: e não foi achado, porquanto Deus o arrebatou; mas a Escritura diz que, antes de ser arrebatado, ele tinha agradado a Deus. Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram. 

Pela fé na Palavra de Deus, Noé foi avisado a respeito de aconteci­mentos imprevisíveis; cheio de santo temor, construiu a arca para salvar a sua família. Pela fé ele condenou o mundo e se tornou o herdeiro da justificação mediante a fé. Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu não sabendo para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacó, coer­deiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos (eternos), cujo arquiteto e construtor é Deus.

Foi pela fé que a própria Sara cobrou o vigor de conceber, apesar de sua idade avançada, porque acreditou na fidelidade daquele que lhe havia prometido. Assim, de um só homem quase morto nasceu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como os grãos de areia da praia do mar.

Foi na fé que todos (nossos pais) morreram. Embora sem atingir o que lhes tinha sido prometido, viram-no e o saudaram de longe, confessando que eram só estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Dizendo isto, declaravam que buscavam uma pátria. E se se referissem àquela donde saíram, ocasião teriam de tornar a ela. Mas não. Eles aspiravam a uma pátria melhor, isto é, à celestial. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o seu Deus; de fato, ele lhes preparou uma cidade.

Foi pela sua fé que Abraão, submetido à prova, ofereceu Isaac, seu único filho, depois de ter recebido a promessa e ouvido as palavras: Uma posteridade com o teu nome te será dada em Isaac. Estava ciente de que Deus é poderoso até para ressuscitar alguém dentre os mortos. Assim, ele conseguiu que seu filho lhe fosse devolvido. E isso é um ensinamento para nós!

Foi inspirado pela fé que Isaac deu a Jacó e a Esaú uma bênção em vista de acontecimentos futuros. Foi pela fé que Jacó, estando para morrer, abençoou cada um dos filhos de José e venerou a extremidade do seu bastão.Foi pela fé que José, quando estava para morrer, fez menção da partida dos filhos de Israel e dispôs a respeito dos seus despojos.

Foi pela fé que os pais de Moisés, vendo nele uma criança encantadora, o esconderam durante três meses e não temeram o edito real. Foi pela fé que Moisés, uma vez crescido, renunciou a ser tido como filho da filha do faraó, preferindo participar da sorte infeliz do povo de Deus, a fruir dos prazeres culpáveis e passageiros. Com os olhos fixos na recompensa, considerava os ultrajes por amor de Cristo como um bem mais precioso que todos os tesouros dos egípcios. 

Foi pela fé que deixou o Egito, não temendo a cólera do rei, com tanta segurança como estivesse vendo o invisível. Foi pela fé que mandou celebrar a Páscoa e aspergir (os portais) com sangue, para que o anjo exterminador dos primogênitos poupasse os filhos de Israel. Foi pela fé que os fez atravessar o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se atreveram a persegui-los foram afogados.

Foi pela fé que desabaram as muralhas de Jericó, depois de rodea­das por sete dias. Foi pela fé que Raab, a mere­triz, não pereceu com aqueles que resistiram, por ter dado asilo aos espias. Que mais direi? Irá me faltar o tempo, se falar de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e dos profetas. Graças à sua fé conquistaram reinos, praticaram a justiça, viram se realizar as promessas. Taparam bocas de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam a fio de espada, triun­faram de enfermidades, foram corajosos na guerra e puseram em debandada exércitos estrangeiros. Devolveram vivos às suas mães os filhos mortos. Alguns foram torturados, por recusarem ser libertados, movidos pela esperança de uma ressurreição mais gloriosa.

Outros sofreram escárnio e açoites, cadeias e prisões. Foram apedrejados, massacrados, serrados ao meio, mortos a fio de espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra, necessitados de tudo, perseguidos e maltratados, homens de que o mundo não era digno! Refugiaram-se nas solidões das montanhas, nas cavernas e em antros subterrâneos. E, no entanto, todos estes mártires da fé não conheceram a realização das promessas! Porque Deus, que tinha para nós uma sorte melhor, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição (da felicidade).

(Hb 11,1-40)

domingo, 16 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor é minha luz e salvação' (Sl 26)

Primeira Leitura (Gn 15,5-12.17-18) - Segunda Leitura (Fl 3,17-4,1) -  Evangelho (Lc 9,28b-36)

  16/03/2025 - SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

Jesus acabara de fazer o anúncio de sua Paixão aos discípulos e eles experimentavam, naquele momento, o peso das tribulações e das adversidades futuras que certamente teriam de enfrentar. O Filho do Homem se revelara vítima pascal e não senhor de um exército dominador: o Reino de Deus não é deste mundo e a redenção teria que perpassar necessariamente pela subida do Calvário. Aqueles homens precisavam, mais do que nunca, da fortaleza da graça sobrenatural. E, três deles, Pedro, Tiago e João, a receberiam com abundância extrema.

Neste Segundo Domingo da Quaresma, meditamos esta extraordinária experiência sobrenatural vivida pelos três apóstolos no alto do Monte Tabor. Jesus os levou consigo para subir a montanha 'para rezar' (Lc 9,28), pois é a oração que nos coloca plenamente sob o repositório das graças divinas. A fragilidade humana tomou frente a princípio pelo sono de todos e pelas palavras desarticuladas de Pedro: 'vamos fazer três tendas' (Lc 9,33). Mas esvaiu-se de vez quando os três apóstolos foram inundados pela claridade luminosa emanada dos corpos gloriosos de Jesus, Moisés e Elias.

Naquele lugar, e ainda que por um breve tempo, os três apóstolos puderam contemplar na terra a glória de Deus. E testemunhar que a história humana evolui pelos tempos confirmada pela Lei (presença de Moisés) e pelos Profetas (presença de Elias). A Transfiguração do Senhor é um evento extraordinário da manifestação divina de Jesus aos homens, um olhar da história humana no espelho da eternidade.

'Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que Ele diz' (Lc 9, 35). Solícitos na oração, firmes na fé, tornamo-nos oratórios dignos das abundantes graças de Deus. Somos movidos, pela coragem, a superar as adversidades, as tentações, as dores humanas; pela fortaleza, impõe-se seguir em frente, avançar para águas mais profundas, subir a montanha das graças e da transfiguração de nossa imensa fragilidade humana. E também, descer outra vez a montanha, voltar ao caminho de Jerusalém e do Gólgota, repetir quantas vezes, e por quanto tempo for, o itinerário contínuo de enfrentar e vencer o mundo, oportuna ou inoportunamente, até o Tabor definitivo de nosso encontro com Deus na eternidade.