sexta-feira, 19 de março de 2021

19 DE MARÇO - SÃO JOSÉ

 


São José, esposo puríssimo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus Cristo, era de origem nobre e sua genealogia remonta a Davi e de Davi aos Patriarcas do Antigo Testa­mento. Pouquíssimo sabemos da vida de José, além de suas atividades de carpinteiro em Nazaré. Mesmo o seu local de nascimento é ignorado: poderia ser Nazaré ou mesmo Belém, por ter sido a cidade de Davi. Ignora-se igualmente a data e as condições da morte de São José, mas existem fortes razões para afirmar que isso deve ter ocorrido an­tes da vida pública de Jesus. Com certeza, José já teria falecido quando da morte de Jesus, uma vez que não se explicaria, então, a recomendação feita aos cuidados mútuos à mãe e ao filho, dados, da cruz,  por Jesus a Maria e a São João Evangelista.

Não existem quaisquer relíquias de São José e se desconhece o local do seu sepultamento. Muitos pais da Igreja defendiam que, devido à sua missão e santidade, São José, a exemplo de São João Batista, teria sido consagrado antes do nasci­mento e já gozava de corpo e alma da glória de Deus no céu, em companhia de Jesus e sua santíssima Esposa. As virtudes e as graças concedidas a São José foram extraordinárias, pela enorme missão a ele confiada pelo Altíssimo. A dig­nidade, humildade, modéstia e pobreza, a amizade íntima com Je­sus e Maria e o papel proeminente no plano da Redenção, são atributos e méritos extraordinários que lhe garantem a influência e o poder junto ao tro­no de Deus. Pedir, portanto, a intercessão de São José, é garantia de ser ouvido no mais alto dos céus. Santa Tereza, ardorosa devota de São José, dizia: 'Não me lembro de ter-me dirigido a São José sem que tivesse obtido tudo que pedira'.

A devoção a São José na Igreja Ca­tólica é antiquíssima. A Igreja do Oriente celebra-lhe a festa, desde o século nono, no domingo depois do Natal. Foram os carmelitas que in­troduziram esta solenidade na Igreja Ocidental; os franciscanos, já em 1399, festejavam a comemoração do Santo Pa­triarca. Xisto IV inseriu-a no bre­viário e no missal; Gregório XV ge­neralizou-a em toda a Igreja. Cle­mente XI compôs o ofício, com os hinos, para a celebração da Festa de São José em 19 de março e colocou as missões na China sob a proteção do Santo. Pio IX introdu­ziu, em 1847, a festa do Patrocínio de São José e, em 1871, declarou-o Pa­droeiro da Igreja; muitos pontífices promoveram solenemente a devoção a São José, por meio de orações, homilias, encíclicas e devoções diversas.

quinta-feira, 18 de março de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (58/60)


58. NOSSA SENHORA E O FAMOSO CAÇADOR

Certo manhã, pouco antes do almoço, descia do trem em Lourdes um certo senhor, completamente indiferente, que mal se resolvera a acompanhar a esposa e a filha ao balneário. Não pensava em demorar-se ali mais que o tempo que medeia entre dois trens: era tudo o que conseguiram alcançar dele a esposa e a filha.

Apenas lá chegadas, correram as duas à gruta para rezar pelo chefe da família, que tanta pena lhes causava por sua irreligião. Ele, porém, mais preocupado com o estômago do que com a alma, foi à procura do melhor hotel e, chamando o garçom, disse:
➖ Enquanto espero a minha senhora e a minha filha, prepare para nós três um bom almoço.
➖ Deseja o senhor comida como de sexta-feira?
➖ Como? De sexta-feira?
➖ É que hoje é dia de abstinência e quase toda gente o guarda, pelo menos aqui.
➖ Que me importa o dia? disse o livre-pensador. Ora essa! O almoço tem que ser substancioso, e demais sou caçador, quero carne, ouviu?

O garçom inclinou-se respeitoso e deu ordem ao cozinheiro de preparar a comida com carne. Acendendo um bom charuto, o nosso homem dizia de si para si:
➖ Não há que se dizer que não vi a famosa gruta... irei ver aquilo.
Chegou lá muito antes que as duas senhoras tivessem terminado suas visitas à gruta, à basílica e à cripta, em toda a parte rezando e suplicando por seu querido rebelde. Quando chegaram de novo à gruta, que surpresa! Ali estava o homem ajoelhado, chorando e rezando com todo o fervor. Era ele mesmo? Quase não podiam crer. Sim, era ele mesmo. Não se atreviam a falar-lhe, mas ele, logo que as viu, exclamou:
➖ Sim, sou eu, rezo e choro. Somente sei que vim sem pensar em nada, mas, achando-me diante desta imagem, uma emoção indescritível se apoderou de mim. Caí de joelhos e, ao ver um padre, perguntei-lhe se podia me confessar. Atrás do pequeno altar da gruta fiz minha confissão. Oh! como sou feliz! Ficaremos aqui hoje e amanhã comungaremos.

Não foi o único a derramar lágrimas; os três choravam e davam graças a Nossa Senhora. Ao chegar ao hotel, e vendo o salão repleto de gente, exclamou:
➖ Senhores, eu sou o famoso caçador N. N. Quando cheguei aqui ainda era um ímpio; agora tendes aqui um homem que acaba de confessar-se e vai comungar amanhã.
➖ Garçom, sirva para nós o almoço de sexta-feira...
Que surpresa para todos os assistentes! Desde aquela sexta-feira o Sr. N. N. tornou-se um cristão fervoroso!

59. O ROSÁRIO NOS PERIGOS

Já faz bastante tempo, que ocorreu na cidade de Cartago, na república de Costa Rica, um terremoto tão violento que a destruiu quase por completo. A Revista 'América', dos jesuítas de Nova York, narrando os pormenores da pavorosa catástrofe, chamou a atenção dos leitores para o fato seguinte:

Dom Ezequiel Gutiérrez, que fôra presidente daquela república, no momento do cataclismo, achava-se em sua casa rezando o rosário acompanhado de toda a sua família. Algumas pessoas quiseram interromper a reza e fugir para a rua, mas o chefe obrigou-as a ficar até terminar o rosário.

Acabada a oração, saíram à rua e qual não foi o assombro de todos ao verem as casas convertidas em ruínas. Em toda a redondeza nenhum edifício ficara intacto; a desolação era completa; somente a casa do ex-presidente não sofrera nenhum dano, nem sequer um abalo. Evidentemente Nossa Senhora a tomara sob a sua especial proteção, porque ali se rezava o seu rosário.

60. O SENHOR AMA A SUA MÃE?

Foi um valente soldado o cabo Pedro Pitois, que fez essa pergunta a Napoleão. Pedro estava sempre na primeira linha de combate, não temia as balas inimigas, e, a 6 de julho de 1809, na batalha de Wagram, ainda pelejou valorosamente. Depois desapareceu. Desertara do exército. Não demorou muito, foi preso e condenado à morte.
➖ Tu, um dos mais valentes, por que fizeste isso? perguntavam-lhe os companheiros.
➖ Não me arrependo - respondia - não fiz por mal.

À meia-noite, na véspera da execução, um oficial entrou na cela de Pedro. Era Napoleão e o preso não o reconheceu. Tomando-o o pela mão, o Imperador disse-lhe com carinho: 'Amigo, eu como oficial sempre admirei o teu valor nos combates. Agora venho saber se tens alguma recordação para tua família, que a enviarei depois da tua morte'.
➖ Não, nenhuma.
➖ Não queres mandar um adeus ao teu pai, a teus irmãos ou irmãs?
➖ Meu pai é falecido; não tenho irmãos nem irmãs.
➖ E a tua mãe?
➖ Ai! não a nomeie, porque, quando ouço nomeá-la, tenho vontade de chorar e um soldado não deve chorar.
➖ Por que não? replicou Napoleão. Eu não teria vergonha de chorar ao lembrar-me de minha mãe.
➖ Ah! o senhor quer bem a sua mãe? Pois vou contar-lhe tudo.

De tudo que existe no mundo, nada amei tanto como minha mãe. Quando parti, deu-me sua bênção e disse-me: 'Se me amas, cumpre o teu dever'. Nas batalhas, diante das balas, sempre me recordei de suas palavras. Não tinha medo algum. Um dia soube que estava gravemente enferma; pedi licença para ir abraçá-la pela última vez e não me deixaram partir. Recebi, afinal, a notícia de que falecera e pedi licença para ir vê-la ao menos morta. Pela segunda vez me disseram que não. Não aguentei mais: era preciso ir depositar uma flor ao menos sobre a sua sepultura. Fui, chorei e recolhi esta flor de miosótis que aqui trago sobre o meu coração. Morrerei amanhã, mas a morte não me amedronta.

Napoleão, depois de algumas palavras de consolo, retirou-se grandemente comovido. No outro dia foi o preso conduzido ao lugar do suplício. Estando a guarda para disparar, chegou o imperador a cavalo, poupou a vida de Pedro Pitois e nomeou-o oficial.
➖ Amais a vossa mãe do céu?
Respondereis certamente com Santo Estanislau: 'Como não a hei de amar, se é minha Mãe?'. E ela vos dirá: 'Cumpri o vosso dever, e eu vos alcançarei a perseverança e a graça final'.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS

quarta-feira, 17 de março de 2021

'O QUE FALAREI QUANDO DEUS ME JULGAR?'

Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus? Et cum quaesierit, quid respondebo illi? – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar? E quando me perguntar, o que lhe responderei?' (Jó 31, 14)

Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo. Virão depois os acusadores, particularmente o demônio, que o tentou durante a vida e o Anjo da guarda, cujas inspirações desprezou. Jesus Cristo mesmo, que a tudo esteve presente, será, ao mesmo tempo, testemunha e juiz. Dize-me: que responderemos a tais acusadores se tivermos a desgraça de morrer em pecado?… E se a morte nos colhesse nesta noite, qual seria a nossa sentença?

I. Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo e serão abertos os livros. Esses livros serão dois: o Evangelho e a consciência. No Evangelho se lerá o que o culpado devia fazer; na consciência, o que tiver feito. Na balança da divina justiça, não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas tão somente as obras. Pelo que Daniel disse ao rei Baltazar: Appensus es in statera, et inventus es minus habens – 'Foste pesado na balança e achou-se que tinhas menos do peso'. Notai bem, comenta o Padre Alvarez: não é o ouro, nem o poder de rei que está na balança, mas unicamente a sua pessoa.

Virão depois os acusadores e, em primeiro lugar, o demônio. O espírito maligno agora engana-nos com mil astúcias; mas ali, diz Santo Agostinho, perante o tribunal de Jesus Cristo: recitabit verba professionis nostrae – representará todas as obrigações que havíamos assumido e deixado de cumprir. Obiciet in faciem nostram – denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e a hora em que as cometemos.

Depois, segundo diz o mesmo santo, dirá ao Juiz: 'Senhor, por este culpado eu não sofri bofetadas como Vós, nem açoites, nem qualquer outro castigo e contudo ele Vos virou as costas, a Vós que morrestes pela sua salvação, para se fazer meu escravo; é, pois, justo que seja meu. Ordenais, pois, que seja todo meu, já que não quis ser vosso' –Iudica esse meum qui tuus esse noluit.

Virá em seguida como acusador o Anjo da Guarda que, na palavra de Orígenes, dirá: 'Senhor, durante tantos anos me empenhei junto dele, mas desprezou todas as minhas admoestações'. Então sucederá o que diz Jeremias; os próprios amigos serão contra a alma culpada – Omnes amici eius spreverunt eum .

II. Não serão somente os demônios e os anjos da guarda os acusadores da alma perante o tribunal de Jesus Cristo. Segundo o profeta Habacuc, serão também acusadores as paredes, no recinto das quais se tiver pecado e, segundo São Paulo, a própria consciência dará testemunho contra o pecador, e São Bernardo acrescenta que também os pecados falarão e dirão: 'Sabes que tu nos praticaste, somos, pois, obras tuas; não te deixamos' – Opera tua sumus, non te deseremus.

Mas acima de todos, diz São João Crisóstomo, bradarão por vingança as chagas de Jesus Cristo: 'Os cravos', diz o santo, 'queixar-se-ão de ti; as chagas falarão contra ti, a própria Cruz de Jesus Cristo levantará a voz contra ti'. A tudo isso que poderá responder o pobre pecador? E tu, minha alma, que é que responderás? Interroga-te a ti mesma e pergunta como o santo Jó: Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus  – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar?'

Ah! Meu Jesus, se me quisésseis agora pagar segundo as obras que fiz, não receberia em paga senão o inferno. Quantas vezes eu mesmo escrevi a minha condenação àquele lugar de tormentos! Agradeço-Vos a paciência que tivestes em me suportar. Ó meu Deus, se devesse agora comparecer no vosso tribunal, que conta daria de toda a minha vida? Non intres in iudicium cum servo tuo – 'Não entreis em juízo com o vosso servo'. Esperai, Senhor, um pouco; não me julgueis ainda! 

Já que tantas misericórdias me tendes prodigalizado até ao presente, concedei-me ainda esta: dai-me uma grande dor de meus pecados. Arrependo-me, ó Bem supremo, de Vos ter tantas vezes desprezado. Amo-Vos sobre todas as coisas. Perdoai-me, Eterno Pai, pelo amor de Jesus Cristo e pelos seus merecimentos dai-me a santa perseverança. Tudo espero, meu Jesus, do vosso sangue. Maria Santíssima, em vós confio. Lançai, ó minha Mãe, um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim. 

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano', de Santo Afonso Maria de Ligório)

terça-feira, 16 de março de 2021

VERSUS: 'FILHOS E FILHAS DE ABRAÃO?'

'És acaso maior do que nosso pai Abraão? E, entretanto, ele morreu... e os profetas também. Quem pretendes ser?' Respondeu Jesus: 'Se me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é nada; meu Pai é quem me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso Deus e, contudo, não o conheceis. Eu, porém, o conheço e, se dissesse que não o conheço, seria mentiroso como vós. Mas conheço-o e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou com o pensamento de ver o meu dia. Viu-o e ficou cheio de alegria'. Os judeus lhe disseram: 'Não tens ainda cinquenta anos e viste Abraão!' Respondeu-lhes Jesus: 'Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, eu sou' (Jo 8, 53-58).

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Palavras do papa Francisco no seu primeiro discurso na recente viagem ao Iraque:

A religião, por sua natureza, deve estar ao serviço da paz e da fraternidade. O nome de Deus não pode ser usado para 'justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão' (Francisco e Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4/02/2019). Pelo contrário, Deus, que criou os seres humanos iguais em dignidade e direitos, chama-nos a difundir amor, benevolência, concórdia. Também no Iraque, a Igreja Católica deseja ser amiga de todos e, através do diálogo, colaborar de forma construtiva com as outras religiões, para a causa da paz. A presença muito antiga dos cristãos nesta terra e o seu contributo para a vida do país constituem um rico legado que pretende continuar a servir a todos. A sua participação na vida pública, como cidadãos que gozam plenamente de direitos, liberdades e responsabilidades, testemunhará que um são pluralismo religioso, étnico e cultural pode contribuir para a prosperidade e a harmonia do país [05/03/2021]

Palavras do papa Francisco no seu discurso durante o Encontro Inter-Religioso em Ur:

'Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemo-Vos por nos terdes dado como pai comum na fé Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra'.


Eis uma oração feita a Deus, na união dos 'filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão' e omitindo o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, para implorar pela paz e pela segurança dos homens neste mundo, particularmente pelas vítimas de tantas tragédias no Iraque, pedido reiterado 'juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade'. Podemos questionar os bons propósitos da oração? Podemos não reconhecer a enorme necessidade de se buscar a paz entre os homens e, em especial, ao sofrido povo cristão do Iraque? Podemos criticar um apostolado que postula  e manifesta publicamente tais imperativos humanos?

Podemos, e devemos. Bons propósitos não bastam. Bons propósitos podem ser águas turvas quando mascaram e desfiguram a Verdade. Bons propósitos podem ser blasfêmias quando anulam as Verdades da fé cristã e desafiam a misericórdia divina. Bons propósitos e boas intenções não são salvaguardas do bem realizado, mas podem apenas servir de pano de fundo para o mal em frenesi. A posteridade de Abraão, abençoada e prometida por Deus, não é fruto apenas da carne, mas do espírito. A posteridade de Abraão é a posteridade de Cristo, pela qual e por meio da qual Deus prometeu a Abraão: 'Este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos' (Gn 17,4).

A posteridade de Abraão é a multidão de povos que abraçaram a fé cristã e creem que Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo, o salvador da humanidade. A posteridade de Abraão não inclui todos os povos, nem os pagãos, nem os que adoram outros deuses, nem os que professam doutrinas diferentes daquelas ensinadas e vividas por Jesus Cristo e, assim, a descendência abraâmica não inclui os povos que pertencem ao judaísmo ou ao islamismo. Muito menos ainda 'os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade' são filhos ou filhas de Abraão. 

É preciso refutar a tal ponto a autêntica fé cristã para fazer vicejar os frutos insossos do diálogo inter-religioso? É preciso negar, esconder, subtrair, sublimar o nome de Jesus Cristo de um discurso cheio de respeito humano e profundamente ofensivo à glória de Deus?  É preciso ocultar Jesus Cristo porque 'nós, filhos e filhas de Abraão' precisamos ser irmãos em nome do ecumenismo e a cultivar uma Igreja Católica que deseja ser amiga de todos? Então é assim: como católicos obedientes e ecumênicos, atentos aos apelos do mundo que nos detesta, devemos aceitar candidamente não falar de Jesus Cristo aos nossos irmãos 'filhos e filhas de Abraão' e nem mencionar Nossa Senhora nas nossas campanhas da fraternidade (?) para não melindrar os protestantes - os nossos tão estimados 'outros irmãos na fé'? Mas a fé não é uma prática viva e heroica, movida pela graça divina e incensada por um amor incondicional?

Será que Deus realmente compartilha com isso? Ou vivemos tempos tremendos de provação para a sua Igreja e para a nossa fé? Sem Jesus e sem Maria, a Igreja Católica é vã, inútil, vazia. Com Jesus e com Maria, a barca de Pedro vai avançar por sobre estas espessas trevas de ecumenismo e apostasia e chegar um dia à Pátria Celeste, a qual muitos chegarão, mas não todos, nem todos os povos, nem os que fizeram concessões ao mundo, nem os que fizeram do ecumenismo a religião universal, nem todos os que se aclamam ingenuamente como irmãos iguais na fé, nem tampouco todos os que se rejubilam por ser no mundo 'filhos e filhas de Abraão'.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: NECESSIDADE DAS PURIFICAÇÕES PASSIVAS


Para amar a Deus e para amar as almas de maneira adequada, precisamos de um coração puro e desinteressado. Pureza dos sentidos e pureza de espírito e de intenção: essas são as duas condições e também os dois frutos da verdadeira afeição.

O amor que Deus infunde em nossas almas é totalmente espiritual; é uma participação do seu Espírito. Uma vez que Deus nos fez compostos de corpo e alma, de matéria e espírito, toda afeição sobrenatural deve normalmente afetar nossa sensibilidade. Não é só a alma que ama, é todo o homem. E se o pecado original não viesse perturbar a ordem estabelecida entre as nossas faculdades, não teríamos que nos preocupar em regular nossa sensibilidade de acordo com a lei da razão e da fé. Esse ordenamento ocorreria por si mesmo e muito bem.

Mas, uma vez que a ordem foi perturbada, a primeira tarefa que se impõe é restaurá-la. Visto que nossos sentidos buscam satisfação independentemente da razão e, muitas vezes contra ela, eles devem ser disciplinados primeiro por esforço paciente e perseverante. Eles são servos, não senhores. Eles têm que informar e executar, e não lhes cabe comandar e muito menos perturbar. Todas as vezes que eles tendem a se afastar do caminho certo, temos que trazê-los de volta, de bom grado ou à força. E a melhor maneira de domesticá-los é privando-os: no início, eles murmuram, grunhem e até buscam se revoltar. Mas se a vontade permanece firme, termina a insubordinação. Aos poucos, eles tendem a se calar e a obedecer. Em troca, de vez em quando, a vontade permite que chegue até eles, na medida do possível, um pouco daquela felicidade com que o amor divino a inebria e isso é, para os sentidos, uma prova antecipada das alegrias mais puras que o Céu lhes reserva após a ressurreição.

Mas a graça continua a sua obra, atuando de fora para dentro, dos sentidos para a memória e, sobretudo, para a imaginação. A luta torna-se mais difícil e também mais demorada. O inimigo que temos de derrotar é um inimigo de incrível agilidade e mobilidade. No momento em que julgamos que o temos finalmente dominado, ele foge do controle. E, no entanto, é da maior importância submetê-lo ao regime do amor. Em particular, cabe à imaginação dispor os materiais necessários com os quais o nosso espírito possa realizar todas as suas obras. Por sua vez, o espírito os utilizará para dar relevo, cor e vida aos seus pensamentos, aos seus desejos, às suas vontades. As ordenações do espírito passam pela imaginação e cabe a ela colocar em movimento todas as faculdades de sua execução.

Nunca é demais dizer o quanto é importante para a alma que deseja servir a Deus, tanto interna como externamente, disciplinar este poder precioso mas terrível, submetendo-o a mortificações. É necessário, portanto, que a imaginação também aprenda - sobretudo ela - não a preceder mas a seguir, não a mandar mas a obedecer, a não buscar o que lhe agrada, mas a se contentar com o que lhe é dado. Se a Vossa graça, ó meu Deus, visando purificá-la mais profundamente, a faz mergulhar longos dias em amargura, sofrimento e trevas, ela deve aceitar esta provação como um justo castigo por seus desvios, como um redirecionamento necessário para os seus caminhos oblíquos e tortuosos, e como uma preparação essencial para o papel que doravante terá de desempenhar sob as ordens do vosso amor. Esta educação divina durará o tempo que for necessário para que os fins que Deus busca sejam assegurados. Mas, por outro lado, quanto enleio para a alma interior quando, uma vez concluída esta tarefa, se vê libertada finalmente da inoportuna - para não dizer louca - sujeição à imaginação, e torna-se então rainha em sua própria casa, e ali reina obedecida, respeitada, amada!

Mesmo quando a sensibilidade estiver bem submetida às ordens do amor de Deus, não estará proferida a última palavra de sua obra purificadora. O trabalho mais necessário ainda não foi feito ou, pelo menos, ainda não terminou. Pois a desordem entrou no homem e se estabeleceu nele por meio das faculdades superiores e será, portanto, necessário que a graça se eleve novamente àquelas alturas, para penetrar nas profundezas humanas, para reparar o que o pecado destruiu e para restabelecer em harmonia o que era divisão e confronto. Em vez de se tornar a medida das coisas, a inteligência terá que se adaptar a elas. Ela deverá ingressar na escola das realidades divinas e aprender com as mentes mais dóceis e penetrantes que as estudaram ao longo dos séculos, num esforço profundo de vê-las como Deus que as criou as vê, isto é, de dentro! Deve sobretudo submeter-se à Vossa própria escola, ó meu Deus, Vós que sois a Verdade eterna.

O que pressupõe conhecer sobretudo é Vos conhecer. Mas ninguém Vos conhece como Vós mesmo e, assim, só Vós podeis dizer realmente quem sois. É claro que as as criaturas falam muito sobre Vós mas como vão revelar o que, no fundo, ignoram, ou seja, a Vossa vida íntima? Também é verdade que, por Vossa bondade, dignastes enviar-nos os Vossos profetas e o Vosso próprio Filho amado para que Vos explicasse. Mas era absolutamente necessário que Ele e todos os profetas usassem palavras humanas para cumprir tal missão sagrada, pois falavam então como homens se dirigindo a outros homens. Como explicitar o Ser Infinito que sois por algumas palavras da pobre linguagem humana! Vós as extrapolam em muito e, assim, o que elas nos falam de Vós, longe de suprir os nossos anelos, apenas os excitam e os avivam cada vez mais.

O ideal seria, então, que pudéssemos entrar na Vossa escola e nos tornássemos Vossos discípulos diretos, uma vez que quereis ser o nosso Mestre. Mas, para tal, impõe-se uma rigorosa purificação de nossas faculdades superiores, até o mais íntimo de nossa alma. Porque sois, meu Deus, puro espírito e espírito de santidade. E para ser admitido na Vossa escola, para Vos ouvir, para Vos compreender, para gostar de Vós, temos também de ser criaturas puramente espirituais. Entretanto, uma vez que a nossa alma esteve mergulhada por tanto tempo na matéria, revestiu-se de todas as suas formas. E, assim, já não sabe mais compreender e gostar, senão de acordo com aquilo que está na ordem das coisas sujeitas aos sentidos. E de tanto viver sob o sensível, esqueceu-se de sua própria vida que é a vida espiritual. É necessário, então, que a infusão do Vosso amor possa purificá-la e então restaurá-lo por dentro. Obra difícil e de transformação dolorosa, mas preciosa e necessária.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II -  A Ação de Deus; tradução do autor do blog)

domingo, 14 de março de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!' (Sl 136)


 14/03/2021 - Quarto Domingo da Quaresma

16. A LUZ DE CRISTO 


O Quarto Domingo da Quaresma é chamado Domingo Laetare ou Domingo da Alegria, e constitui um dos mais festejados do Ano Litúrgico. Por se enquadrar na metade do tempo quaresmal, período este vivido pela Igreja em meio à tristeza e penitências, a liturgia desse domingo se propõe a reacender nos católicos a firme alegria e esperança que devem ser o sustento dos católicos até a plenitude do tempo pascoal, à espera do Senhor Que Vem.

Santa alegria, pois 'Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 17). A Primeira Vinda de Cristo é um exercício contínuo da graça divina nas sendas do perdão e da misericórdia, no acolhimento do pecador, na manifestação exaustiva da compaixão e do amor extremado de Deus pelas criaturas humanas, para salvar o mundo e maturar a boa semente em frutos de eternidade: 'Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna' (Jo 3, 16).

A alegria e as esperanças cristãs se fundem em plenitude na Luz de Cristo, mas nem todos a receberão, mas nem todos a tomarão como guia e exemplo, conforme as próprias palavras de Jesus dirigidas a Nicodemos, no diálogo que se imortalizou no evangelho deste domingo: 'a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más' (Jo 3, 19). Na eternidade, verão Deus face a face os Filhos da Luz, aqueles que praticam a Verdade e se comprazem na jubilosa esperança da posse eterna da Plena Visão: 'mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito' (Jo 3, 18).

Neste domingo, celebramos a luz, a luz de Cristo, que rompe a escuridão de nossa alma cega nos afazeres mundanos e que nos liberta das trevas do pecado, moldando a argila frágil da natureza humana pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, Jesus nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que, como Filhos da Luz, somos definitivamente os herdeiros da divina misericórdia. No meio do caminho desta jornada quaresmal, elevemos a Cristo nossas almas frágeis de argila e a Ele supliquemos conservá-las firmemente na direção do Círio Pascal, ao encontro da luz do Cristo Ressuscitado Que Vem.

sábado, 13 de março de 2021

PALAVRAS ETERNAS (XI)

'Tantum ardere est parum, tantum lucere vanum est: Ardere et lucere est perfectum'


'Estar aceso é pouco; iluminar apenas é coisa vã: a perfeição está em arder e iluminar'
(São Bernardo)