Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus? Et cum quaesierit, quid respondebo illi? – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar? E quando me perguntar, o que lhe responderei?' (Jó 31, 14)
Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo. Virão depois os acusadores, particularmente o demônio, que o tentou durante a vida e o Anjo da guarda, cujas inspirações desprezou. Jesus Cristo mesmo, que a tudo esteve presente, será, ao mesmo tempo, testemunha e juiz. Dize-me: que responderemos a tais acusadores se tivermos a desgraça de morrer em pecado?… E se a morte nos colhesse nesta noite, qual seria a nossa sentença?
I. Logo que o homem expira, assentar-se-á contra ele o juízo e serão abertos os livros. Esses livros serão dois: o Evangelho e a consciência. No Evangelho se lerá o que o culpado devia fazer; na consciência, o que tiver feito. Na balança da divina justiça, não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas tão somente as obras. Pelo que Daniel disse ao rei Baltazar: Appensus es in statera, et inventus es minus habens – 'Foste pesado na balança e achou-se que tinhas menos do peso'. Notai bem, comenta o Padre Alvarez: não é o ouro, nem o poder de rei que está na balança, mas unicamente a sua pessoa.
Virão depois os acusadores e, em primeiro lugar, o demônio. O espírito maligno agora engana-nos com mil astúcias; mas ali, diz Santo Agostinho, perante o tribunal de Jesus Cristo: recitabit verba professionis nostrae – representará todas as obrigações que havíamos assumido e deixado de cumprir. Obiciet in faciem nostram – denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e a hora em que as cometemos.
Depois, segundo diz o mesmo santo, dirá ao Juiz: 'Senhor, por este culpado eu não sofri bofetadas como Vós, nem açoites, nem qualquer outro castigo e contudo ele Vos virou as costas, a Vós que morrestes pela sua salvação, para se fazer meu escravo; é, pois, justo que seja meu. Ordenais, pois, que seja todo meu, já que não quis ser vosso' –Iudica esse meum qui tuus esse noluit.
Virá em seguida como acusador o Anjo da Guarda que, na palavra de Orígenes, dirá: 'Senhor, durante tantos anos me empenhei junto dele, mas desprezou todas as minhas admoestações'. Então sucederá o que diz Jeremias; os próprios amigos serão contra a alma culpada – Omnes amici eius spreverunt eum .
II. Não serão somente os demônios e os anjos da guarda os acusadores da alma perante o tribunal de Jesus Cristo. Segundo o profeta Habacuc, serão também acusadores as paredes, no recinto das quais se tiver pecado e, segundo São Paulo, a própria consciência dará testemunho contra o pecador, e São Bernardo acrescenta que também os pecados falarão e dirão: 'Sabes que tu nos praticaste, somos, pois, obras tuas; não te deixamos' – Opera tua sumus, non te deseremus.
Mas acima de todos, diz São João Crisóstomo, bradarão por vingança as chagas de Jesus Cristo: 'Os cravos', diz o santo, 'queixar-se-ão de ti; as chagas falarão contra ti, a própria Cruz de Jesus Cristo levantará a voz contra ti'. A tudo isso que poderá responder o pobre pecador? E tu, minha alma, que é que responderás? Interroga-te a ti mesma e pergunta como o santo Jó: Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus – 'Que farei quando Deus se levantar para me julgar?'
Ah! Meu Jesus, se me quisésseis agora pagar segundo as obras que fiz, não receberia em paga senão o inferno. Quantas vezes eu mesmo escrevi a minha condenação àquele lugar de tormentos! Agradeço-Vos a paciência que tivestes em me suportar. Ó meu Deus, se devesse agora comparecer no vosso tribunal, que conta daria de toda a minha vida? Non intres in iudicium cum servo tuo – 'Não entreis em juízo com o vosso servo'. Esperai, Senhor, um pouco; não me julgueis ainda!
Já que tantas misericórdias me tendes prodigalizado até ao presente, concedei-me ainda esta: dai-me uma grande dor de meus pecados. Arrependo-me, ó Bem supremo, de Vos ter tantas vezes desprezado. Amo-Vos sobre todas as coisas. Perdoai-me, Eterno Pai, pelo amor de Jesus Cristo e pelos seus merecimentos dai-me a santa perseverança. Tudo espero, meu Jesus, do vosso sangue. Maria Santíssima, em vós confio. Lançai, ó minha Mãe, um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim.
(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano', de Santo Afonso Maria de Ligório)