domingo, 2 de setembro de 2018

PUROS DE CORAÇÃO

Páginas do Evangelho - Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum


Jesus veio ao mundo para trazer a Boa Nova do Evangelho, para nos despir do homem velho e nos revestir do homem novo, partícipes da Santidade de Deus que é a Verdade Absoluta e para nos libertar de toda sombra do pecado, de toda malícia humana, de todo o obscurantismo de uma fé moldada pelas aparências e pela exterioridade supérflua de práticas inócuas e vazias... No Evangelho deste domingo, nos deparamos, mais uma vez, como esta passagem do velho homem para o novo homem é um primado de rejeição para os que se aferram sem tréguas aos valores humanos. 

Com efeito, os escribas e os fariseus, presenças constantes no Templo e submissos ao extremo das más interpretações da lei mosaica, ficaram petrificados pelo zelo dos costumes antigos, arraigados a práticas absurdas e a minúcias ridículas que transformavam as atividades cotidianas mais simples em complexos rituais de purificação: 'os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre' (Mc 7, 3 - 4). Divinizaram os preceitos humanos, impuseram como dogmas hábitos comezinhos, exteriorizaram ao extremo as abluções e os banhos para se resgatarem, da impureza das mãos ou do corpo, como homens livres do pecado...

Estes homens velhos, empedernidos e envilecidos por normas decrépitas e insanas, ansiosos por denunciar o Mestre, questionam Jesus: 'Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?' (Mc 7, 5). Estes hipócritas, que postulavam princípios externos cheios de melindres que não suportam o menor testemunho interior de fidelidade à graça, vão receber de Jesus as palavras de recriminação oriundas do profeta Isaías: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’ (Mc 7, 6 - 7). E adiante, pela definitiva reprovação: 'Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens' (Mc 7, 8).

Jesus chama para si a multidão e decreta aos homens de boa fé que a fonte de todas as impurezas é o coração humano, entregue a toda sorte de males, quando órfão da graça: 'Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem' (Mc 7, 21 - 23). Domar o coração e manter a serenidade da alma sob o domínio da graça, eis aí a fonte da água viva que faz nascer, no interior do homem, as sementeiras da vida eterna.

sábado, 1 de setembro de 2018

PRIMEIRO SÁBADO DE SETEMBRO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

DAS VAIDADES DO MUNDO

'Quem me segue não anda nas trevas', diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo, é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

Que te aproveita discutires sabiamente sobre a Santíssima Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? 'Vaidade das vaidades, tudo é vaidade' (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.

Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que depois serás gravemente castigado. Vaidade é desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade é só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade é amar o que passa tão rapidamente e não buscar pressuroso a felicidade que sempre dura.

Lembra-te sempre do provérbio: 'Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir' (Ecle 1,8). Portanto, procura desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.

(Imitação de Cristo, do Pe. Tomás de Kempis)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

CATECISMO MAIOR DE PIO X (X)

Debate de Jesus no Templo

91. Tendo Jesus completado doze anos, seus pais o levaram a Jerusalém para as festas de Páscoa, que duravam sete dias. Terminadas as celebrações, José e Maria partiram para Nazaré, mas Jesus, sem que eles percebessem, permaneceu em Jerusalém. Depois de um dia de caminho procuraram-no em vão entre os parentes e conhecidos, regressando em seguida aflitos para Jerusalém. Encontrando-o ao terceiro dia no Templo, sentado entre os doutores ouvindo-os e interrogando-os, a Mãe docemente lhe perguntou por que havia feito se procurar assim. A resposta de Jesus foi a primeira declaração de sua divindade: 'E por que me procuráveis? Não sabíeis que preciso tratar das coisas de meu Pai?' Depois disso, voltou com eles para Nazaré. Deste ponto até a idade de trinta anos, nada de particular nos conta o Evangelho sobre Ele, resumindo toda a história desse tempo nestas palavras: 'Jesus vivia obediente a Maria e José, e crescia em idade, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens'. Pelo fato de Jesus ter passado em Nazaré o tempo de sua vida privada, foi chamado mais tarde: Jesus de Nazaré. 

Batismo de Jesus e seu jejum no deserto 

92. João, filho de Zacarias e Isabel, destinado por Deus, como se disse para ser o Precursor do Messias e preparar os judeus para que o recebessem, havia se retirado para o deserto para viver uma vida de penitente. Chegado o tempo de dar início à sua missão, vestido de peles de carneiro e um cinto de couro na cintura, chegou às margens do Jordão e começou a pregar e batizar. Sua voz era: 'Fazei penitência, pois o Reino dos céus está próximo'. Tendo chegado a idade de trinta anos, um dia Jesus se apresentou entre a multidão do povo, pois devia começar a manifestar-se ao mundo. João, que o reconheceu, quis primeiramente escusar-se, mas logo vencido pela ordem de Cristo, batizou-o. Tendo Jesus saído da água os céus se abriram, e o Espírito Santo em figura de pomba desceu sobre Ele, e uma voz se ouviu, dizendo: 'Este é meu filho muito amado'. Recebido o Batismo e guiado pelo Espírito Santo, Jesus foi para o deserto, onde passou quarenta dias e quarenta noites em vigílias, jejuns e orações. Foi quando quis ser tentado pelo demônio de várias maneiras, para nos ensinar a vencermos as tentações. 

Primeiros discípulos de Jesus e seu primeiro milagre 

93. Depois desta preparação, Jesus deu início à sua vida pública, voltou para as margens do Jordão, onde João continuava pregando. Este, ao vê-lo, exclamou: 'Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo'. Por este e por outros testemunhos em favor de Jesus, repetidos no dia seguinte, dois discípulos de João resolveram seguir o divino Mestre, que os manteve com Ele naquele dia. Um deles, de nome André, encontrando-se com seu irmão chamado Simão, levou-o até Jesus, que olhando-o no rosto lhe disse: 'Tu és Simão, filho de João, de agora em diante te chamarás Pedro'. E estes foram os seus primeiros discípulos. 

94. Muitos outros, ou chamados por Ele, como Tiago, João, Felipe e Mateus, ou movidos por sua palavra, resolveram segui-lo. A princípio não eram contínuos em seu empreendimento mas, depois de ouvir seus argumentos, retornavam para suas famílias e tarefas, e somente algum tempo depois deixavam tudo para não abandoná-lo jamais. Com alguns deles foi uma vez convidado para um casamento em Caná da Galileia. Sua Mãe Maria também havia sido convidada. Esta foi a ocasião em que, por intercessão de sua Mãe Santíssima, transformou uma grande quantidade de água em requintado vinho. Este foi o primeiro milagre de Jesus pelo qual expressou a sua própria glória e confirmou na fé seus discípulos. 

Eleição dos doze Apóstolos 

95. Entre esses discípulos escolheu depois doze, chamados Apóstolos, para que estivessem sempre com Ele e para enviá-los a pregar, a saber: Simão, a quem ele havia dado o nome de Pedro e seu irmão André; Tiago e João, filhos de Zebedeu; Felipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o cananeu e Judas Iscariotes, aquele que o traiu. Para chefe dos Apóstolos escolheu Simão Pedro, que seria, naturalmente, seu Vigário na terra. 

Pregação de Jesus 

96. Acompanhado dos Apóstolos e, outras vezes, precedido por eles, percorreu por três anos toda a Judeia e Galileia, pregando seu Evangelho, e confirmando sua doutrina com um número infinito de milagres. Normalmente, no sábado entrava nas sinagogas e ensinava; mas, apresentando-se a oportunidade, não desdenhava dar seus ensinamentos em qualquer lugar. Lemos, com efeito, que as turbas o seguiam, e que Ele não só pregava nas casas e praças, mas também ao ar livre, nos montes e desertos, na orla do mar e até mesmo no mar, subindo na barca de Pedro. O célebre sermão das oito bem-aventuranças é chamado cabalmente sermão do monte, pelo lugar onde o pronunciou. Pregava mais pelo exemplo do que por palavras. Admirados de sua grande oração, os discípulos pediram-lhe um dia para que lhes ensinasse a orar, e Jesus lhes ensinou a sublime oração do Padre Nosso. 

97. Por várias razões, incluindo a capacidade para acomodar-se à maioria de seus ouvintes e a índole dos povos orientais, Jesus servia-se ordinariamente de parábolas ou ensinamentos semelhantes. São simples e sublimes as do filho pródigo, do samaritano, do bom pastor, dos dez talentos, das dez virgens, do homem rico, do administrador infiel, do servo que não perdoa, dos ramos da vinha, dos convidados às bodas, do grão de mostarda, do semeador, do fariseu e do publicano, dos trabalhadores, da cizânia e outras atualmente bem conhecidas dos bons cristãos que assistem a explicação do Evangelho que se faz nos domingos nas paróquias.

Efeitos admiráveis da palavra e do poder do Redentor 

98. Comumente, após seus discursos, enfermos de toda classe eram-lhe apresentados: mudos, surdos, aleijados, cegos, leprosos e Ele a todos lhes devolvia a saúde. Não apenas nas sinagogas Ele derramava suas graças e favores, mas onde quer que estivesse, apresentando-lhe a ocasião, socorria os desgraçados que, em grande número, levavam-lhe de toda a Palestina e aldeias da região, espalhando até a Síria a fama de seus milagres. Levavam-lhe especialmente possuídos pelo demônio, dos quais não havia poucos naquela época e Ele os livrava dos espíritos malignos, que saíam gritando: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus!'

99. Por duas vezes, com alguns poucos pães milagrosamente multiplicados, deixou fartas e saciadas as multidões que o seguiam pelo deserto; às portas da cidade de Naim, ressuscitou o filho de uma viúva que levavam para enterrar e, pouco antes de sua Paixão, ressuscitou Lázaro, que já cheirava mal na sepultura, pois estava morto há quatro dias. 

100. Infinito é o número de milagres, muitos deles famosíssimos, que operou nos três anos de sua pregação, para mostrar que falava como enviado de Deus, que era o Messias esperado pelos Patriarcas e profetizado pelos Profetas, que era o mesmo Filho de Deus. Tal se manifestou em sua transfiguração pelo resplendor de sua glória e pela voz do Pai que o proclamava seu Filho muito amado. Em vista de tais milagres, muitos se converteram e seguiram-no, muitos o saudaram e, alguma vez, pretenderam fazê-lo rei.
(Do Catecismo Maior de Pio X)

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

29 DE AGOSTO - MARTÍRIO DE SÃO JOÃO BATISTA


Ilustre precursor da graça e mensageiro da verdade, João Batista, tocha de Cristo, torna-se evangelista da Luz Eterna.

O testemunho profético que não cessou de dar com a sua mensagem, com toda a sua vida e a sua atividade, assinala-o hoje com o seu sangue e o seu martírio.


Sempre tinha precedido o Mestre: ao nascer, anunciara a sua vinda a este mundo.

Ao batizar os penitentes do Jordão, tinha prefigurado Aquele que vinha instituir o seu batismo.


E a morte de Cristo redentor, seu Salvador, que deu a vida ao mundo, também João Batista a viveu antecipadamente, derramando o seu sangue por Ele, por amor.


Bem pode um tirano cruel metê-lo na prisão e a ferros; em Cristo, as correntes não conseguem prender aquele que um coração livre abre para o Reino.

Como poderiam a escuridão e as torturas de um cárcere sombrio dominar aquele que vê a glória de Cristo, e que recebe Dele os dons do Espírito?

Voluntariamente oferece a cabeça ao gládio do carrasco; como pode perder a cabeça aquele que tem a Cristo por seu chefe?

Hoje sente-se feliz por completar o seu papel de Precursor com a sua partida deste mundo.


Aquele de quem dera testemunho em vida, Cristo que vem e que já aqui está, hoje proclama a sua morte.

Poderia a mansão dos mortos reter esta mensagem que lhe foge?


Alegram-se os justos, os profetas e os mártires, que com ele vão ao encontro do Salvador.

Todos eles rodeiam João com amor e louvores. E com ele suplicam a Cristo que venha finalmente ter com os seus.

Ó grande Precursor do Redentor, Ele não tarda, Aquele que te libertará para sempre da morte.

Conduzido pelo teu Senhor, entra na glória com os santos!

('Hino ao Martírio de São João Batista', de São Beda, o Venerável, Doutor da Igreja, 673 - 735)

terça-feira, 28 de agosto de 2018

28 DE AGOSTO: SANTO AGOSTINHO DE HIPONA


"...Inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti."

Dia 28 de agosto é a festa de um dos grandes santos da Igreja, um dos fundadores da chamada Patrística (a fase inicial da formação da Teologia Cristã e seus dogmas). Santo Agostinho nasceu a 13 de novembro de 354, na pequena cidade de Tagaste, perto de Hipona, na Numídia (atual Argélia), filho de Patrício e Mônica (santa da Igreja Católica, cuja festa é celebrada em 27 de agosto). Da vida promíscua ao desvario da sua inclusão em seitas maniqueístas, Santo Agostinho experimentou desde a indiferença até a descrença completa nas coisas de Deus. A resposta da sua mãe, profundamente dolorosa diante a perspectiva da perda eterna da alma do filho amado, foi sempre a mesma: oração, oração, oração! E a conversão de Agostinho foi lenta e profunda: no ano de 382, em Milão, então com 32 anos de idade, o santo foi finalmente batizado, junto com um amigo e o seu filho Adeodato (que morreria pouco tempo depois) por Santo Ambrósio. E que conversão! Sobre o tapete dos pecados passados, da vida desregrada da juventude (que descreveria com imenso desgosto em sua obra máxima ‘Confissões’), nasceria um santo dedicado por inteiro à glória de Deus, pregando como sacerdote e, mais tarde, como bispo de Hipona, que a verdadeira fonte da santidade nasce, renasce e se fortalece na humildade. Combateu com tal veemência as diversas frentes de heresias do seu tempo, incluindo o arianismo e o maniqueísmo, que foi alcunhado de Escudo da Fé e Martelo dos Hereges. Santo Agostinho, Doutor da Igreja e Defensor da Graça, morreu em 28 de agosto de 430, aos 76 anos de idade.

Excertos da Obra: 'Confissões', de Santo Agostinho:

'Amo-te, Senhor, com uma consciência não vacilante, mas firme. Feriste o meu coração com a tua palavra, e eu amei-te. Mas eis que o céu, e a terra, e todas as coisas que neles existem me dizem a mim, por toda a parte, que te ame, e não cessam de o dizer a todos os homens, de tal modo que eles não têm desculpa. Tu, porém, compadecer-te-ás mais profundamente de quem te compadeceres,e concederás a tua misericórdia àquele para quem fores misericordioso: de outra forma, é para surdos que o céu e a terra entoam os teus louvores. Mas que amo eu, quando te amo? Não a beleza do corpo, nem a glória do tempo, nem esta claridade da luz, tão amável a meus olhos, não as doces melodias de todo o gênero de canções, não a fragrância das flores, e dos perfumes, e dos aromas, não o maná e o mel, não os membros agradáveis aos abraços da carne. Não é isto o que eu amo, quando amo o meu Deus, E, no entanto, amo uma certa luz, e uma certa voz, e um certo perfume, e um certo alimento, e um certo abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, abraço do homem interior que há em mim, onde brilha para a minha alma o que não ocupa lugar, e onde ressoa o que o tempo não rouba, e onde exala perfume o que o vento não dissipa, e onde dá sabor o que a sofreguidão não diminui, e onde se une o que o que a saciedade não separa. Isto é o que eu amo, quando amo o meu Deus'.

'Aterrorizado com os meus pecados e com o peso da minha miséria, tinha considerado e meditado no meu coração fugir para a solidão, mas tu proibiste-me e encorajaste-me, dizendo: Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que morreu por eles. Eis, Senhor, que eu lanço em ti a minha inquietação, a fim de que viva, e considerarei as maravilhas da tua Lei. Tu conheces a minha incapacidade e a minha fragilidade: ensina-me e cura-me. O teu Unigênito, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência, redimiu-me com o seu sangue. Não me caluniem os soberbos, porque penso no preço da minha redenção, e como, e bebo, e distribuo, e, pobre, desejo saciar-me dele entre aqueles que dele se alimentam e saciam: e louvam o Senhor aqueles que o procuram'.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XVI)

XVII 

A LEI NATURAL 

Imprimiu Deus no homem, como nos demais seres, a lei eterna? 
Sim, Senhor (XCIII, 6)*. 

Como se chama a manifestação ou impressão da lei eterna no homem? 
Chama-se lei natural (XCLV, 1). 

Que entendeis por lei natural? 
É o ato da razão e vontade de Deus, que prescreve a observância da ordem moral, proíbe a sua violação, e que se manifesta às criaturas na luz natural da razão. 

Existe algum princípio fundamental no senso prático ou, o que é o mesmo, algum preceito supremo da lei natural? 
Sim, Senhor; assim como o primeiro princípio de toda demonstração especulativa se baseia no conceito do ente, assim as leis do senso prático se apoiam no conceito do bem (XCIV, 2). 

Em que consiste este primeiro preceito da lei natural? 
Em nos ordenar que pratiquemos o bem e evitemos o mal (Ibid). 

Fundamenta-se neste preceito a razão de ser de todos os demais? 
Sim, Senhor, já que os outros são aplicações mais ou menos concretas deste primeiro (Ibid). 

Qual é a aplicação primária e imediata do dito princípio? 
O reconhecimento, por parte da razão, dos três bens de categoria distinta que aperfeiçoam a natureza humana. 

Em que consiste esta primeira determinação do preceito supremo da lei natural? 
Em decretar o seguinte: É bom o que serve para conservar e desenvolver a vida física, também o é, o que serve para perpetuar a espécie; por último, declara-se bom tudo o que aperfeiçoa o homem como.ser racional (Ibid). 

Que se segue da promulgação desta tríplice lei? 
Que a razão prática de cada homem reconhecerá e imporá como obrigatório tudo o que é essencial para conservar os bens enumerados, se bem que estabeleça entre eles a devida subordinação, pois o bem da inteligência precede em dignidade ao da conservação da espécie, e este ao do indivíduo (Ibid). 

Que obrigações essenciais impõe a lei natural a respeito da conservação do indivíduo? 
A de alimentar-se e a de jamais atentar contra a própria vida. 

Quais são as que dizem respeito à conservação da espécie? 
Que haja quem aceite os pesados encargos e também as doçuras da paternidade e da maternidade e que jamais se execute ato algum contrário aos fins da procriação (Ibid). 

Que obrigações se impõem em relação ao bem da razão? 
Provado que o homem é feitura de Deus e é, além disso, ser inteligente e, como tal, destinado ã viver em sociedade, impõe as obrigações de honrar a Deus, como seu soberano, dono e Senhor, e tratar os semelhantes conforme o exija a natureza das relações que com eles mantêm (Ibid). 

E nestes três preceitos fundamentais, convenientemente subordinados, apoiam-se todos os demais preceitos da razão prática? 
Imediatamente ou mediatamente, sim, Senhor (Ibid). 

Os preceitos secundários derivados dos primeiros, por via de consequência mais ou menos afastada, são os mesmos para todos os homens? 
Não, Senhor; porque, à medida que as consequências vão perdendo o contato com os primeiros princípios referentes à conservação e fomento da inteligência, da espécie e do organismo individual, penetra-se nos domínios da lei positiva variável, visto que indefinidamente variáveis são as condições e meios em que os homens vivem (XCLV, 4). 

Quem deduz as ditas consequências e formula os preceitos secundários da lei natural? 
A razão de cada indivíduo da espécie humana, e a autoridade competente, diretora dos diversos agrupamentos chamados sociedades. 

XVIII 

A LEI HUMANA 

O que a lei natural não concretiza pode ser objeto de outra lei? 
Sim, Senhor. 

De qual? 
É o objeto próprio da lei humana (XCV-XCVII). 

Que entendeis por lei humana? 
Um preceito da razão, ordenado ao bem comum da sociedade em particular, emanado da autoridade competente e por ela promulgado (XCVI, 4). 

Têm os membros de cada sociedade a obrigação de acatar e obedecer as suas leis? 
Sim, Senhor (XCVI, 5). 

Este dever obriga em consciência e diante de Deus? 
Sim, Senhor (XCVI, 4). 

Há casos em que não estejam obrigados a obedecer? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Quais são? 
Os casos de impossibilidade e dispensa (Ibid). 

Quem pode dispensar do cumprimento de uma lei? 
Seu autor, quem tenha igual ou superior autoridade que ele e as pessoas a quem se delegue este poder (XCVII, 4). 

Está o homem obrigado a obedecer às leis injustas? 
Diretamente, não senhor; mas pode estar indiretamente, se da não obediência se segue escândalo ou outros inconvenientes graves (XCVI, 4). 

Que entendeis por lei injusta? 
A que é dada por quem não tem autoridade; a que se opõe ao bem comum e a que lesa direitos legítimos dos membros da sociedade (Ibid). 

Está o homem obrigado a obedecer a uma lei que é injusta porque se opõe às prerrogativas de Deus e aos direitos essenciais da Igreja? 
Não, Senhor (Ibid). 

Que entendeis por prerrogativas de Deus e direitos essenciais da Igreja? 
Tudo o que se refere à honra e ao culto de Deus e à missão confiada à Igreja Católica, de santificar as almas por meio da pregação e ensino da verdade e da administração dos sacramentos. 

Logo, se uma lei humana se opõe a estes direitos, deve obedecer-se? 
De maneira nenhuma (Ibid).
Será neste caso verdadeira lei? 
Não, Senhor; será uma imposição odiosa e tirânica (XC, 1. ad 3). 

XIX 

DA LEI DIVINA - O DECÁLOGO 

Que entendeis por lei divina? 
A lei que Deus impôs aos homens quando se lhes deu a conhecer na ordem sobrenatural (XCI 4.5). 

Quando foi promulgada? 
Primeiramente no Paraíso, antes da queda de nossos primeiros pais; mais tarde, e também mais particularizada, por meio de Moisés e dos Profetas; ultimamente, e em toda a sua plenitude, por meio de Jesus Cristo e de seus Apóstolos (XCI, 5). 

Como se chama a lei divina dada por meio de Moisés? 
Chama-se a Antiga Lei (XCVIII, 6). 

E a lei dada por meio de Jesus Cristo e dos Apóstolos? 
Lei Nova (XCVI, 3, 4). 

Foi dada a lei antiga a todos os homens? 
Não, Senhor; só ao povo judeu (XCVIII, 4, 5). 

Por que o distinguiu Deus assim? 
Porque estava destinado para que dele saísse o Salvador do Mundo (Ibid). 

Que preceitos obrigavam só ao povo Judeu e caducaram com a Lei Antiga?
Os judiciais e os cerimoniais (XCIX, 3, 4).
Havia na Lei Antiga preceitos que mantêm sua força obrigatória na Nova Lei? 
Sim, Senhor. 

Quais são? 
Os preceitos morais (XCIX, 1, 2). 

Por que passaram para a Lei Nova os preceitos morais da antiga? 
Porque constituem a essência e o fundamento imutável das regras da moralidade que obrigam a todo homem, pelo mero fato de ser homem (C, 1). 

Logo, os preceitos morais foram e serão sempre os mesmos para todos os homens? 
Sim, Senhor (C, 8). 

Identificam-se, portanto, com a lei natural? 
Sim, Senhor (C, 1). 

Por que, pois, dizeis que fazem parte da lei divina? 
Primeiramente, porque Deus houve por bem promulgá-los, por si mesmo, de maneira solene, para evitar que a inteligência, em seus desvarios, os esquecessem ou os distorcessem e, além disso, porque guiam os homens para o fim sobrenatural a que estão destinados (C, 3). 

Que nome tem a coleção dos ditos preceitos? 
Conhece-se com o nome de Decálogo (C, 3, 4). 

Que significa Decálogo? 
É um termo grego que significa dez palavras ou enunciados, porque dez é o número dos mandamentos divinos. 

Quais são? 
Os seguintes: 1.° — Não terás outros deuses distintos de mim; 2.° — Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus; 3.° — Santificarás o dia do Senhor; 4.° — Honrarás a teu pai e a tua mãe; 5.° — Não matarás; 6.° — Não cometerás adultério; 7.° — Não furtarás; 8.° — Não dirás falso testemunho contra teu próximo; 9.° — Não desejarás a mulher de teu próximo; 10.° — Não cobiçarás as coisas alheias (C, 4,5,6). 

É suficiente a observância destes dez mandamentos para que o homem alcance a perfeição de todas as virtudes? 
É suficiente para o exercício das virtudes referentes aos deveres essenciais para com Deus e para com o próximo; mas para adquirir a perfeição de todas as virtudes, foi necessário que os explicassem e completassem, na antiga Lei, os ensinos dos Profetas e os mais amplos e acabados de Jesus Cristo e dos Apóstolos na Nova Lei (C, 3,11). 

Qual é o meio mais apropriado para bem entender os preceitos e as explicações, assim como a sua aplicação à vida moral? 
O de estudá-los em suas conexões com cada virtude em particular. 

Teremos ocasião de fazer este estudo? 
Sim, Senhor; porque o modo de ser de cada virtude manifesta a extensão e o alcance do respectivo preceito. 

Compreenderemos então a nobreza e a perfeição da Nova Lei? 
Sim, Senhor; porque a perfeição desta lei consiste na sua aptidão para levar-nos até ao heroísmo na prática das virtudes (C, 2; CVIII). 

O que tem de especial para conseguir tais resultados? 
O de ajuntar conselhos aos preceitos (CVIII, 4). 

Que entendeis por conselhos? 
Entendo certos convites que Jesus Cristo dirige aos homens de boa vontade, para que, por seu amor e com a esperança de alcançar maior recompensa no céu, se desprendam de certos bens que, apesar de serem lícitos e compatíveis com a salvação eterna, podem, todavia, ser obstáculos para adquirir a perfeição da virtude (CVIII. 4). 

Quantos são os conselhos evangélicos? 
Podem reduzir-se a três: pobreza, castidade e obediência (Ibid). 

Há algum estado em que eles são praticados com perfeição? 
Sim, Senhor; o estado religioso (Ibid).

XX 

DA GRAÇA OU PRINCÍPIO EXTERIOR QUE AUXILIA O HOMEM NA PRÁTICA DO BEM 

É suficiente a tutela da lei para se praticar a virtude e livrar-se do pecado? 
Não Senhor; necessita-se, além disso, o auxílio da graça (CIX - CXIV). 

Que entendeis por graça? 
Um auxílio especial que Deus concede ao homem para ajudá-lo a praticar o bem e fugir do mal. 

Necessita o homem deste auxílio em todas as ocasiões? 
Sim, Senhor. 

Logo, não pode, por suas próprias forças, fazer obras boas nem evitar mal algum? 
Sim, Senhor; pode, mercê de suas faculdades operativas e com os auxílios da ordem natural, exercitar atos de virtude e evitar pecados; porém, se Deus não vem em seu auxílio, remediando os estragos causados na natureza pelo pecado, não poderá praticar todas as virtudes nem evitar todos os pecados. Isto dizemos quando falando de virtudes e pecados na ordem natural, porque, se considerarmos a virtude sobrenatural e seu exercício como meio de se conquistar a glória, absolutamente nada pode fazer o homem sem o auxílio da graça (CIX). 

De quantas maneiras participa o homem, da graça sobrenatural? 
De duas: uma habitual e permanente, e outra em forma de moções sobrenaturais transitórias (CIX, 6). 

Que entendeis por estado habitual de graça? 
Um conjunto de qualidades que Deus produz e conserva na alma com o fim de divinizar sua essência e suas faculdades (CX, 1-4). 

Como se chama a qualidade permanente que diviniza a essência da alma? 
Chama-se graça habitual ou santificante (CX, 1,2,4). 

E as que divinizam as faculdades? 
Virtudes e dons (CX, 3). 

Logo, as virtudes e dons estão vinculados à graça santificante? 
Sim, Senhor; e dela se derivam de tal maneira que é impossível que exista graça na alma sem que os dons e as virtudes adornem suas faculdades. 

A graça, as virtudes e os dons são coisas de grande estima e valia? 
Sim, Senhor; porque conferem ao homem a dignidade de filho de Deus e lhe proporcionam meios para comportar-se como filho de tal Pai. 

A graça, juntamente com as virtudes e os dons, fazem do homem o ser mais perfeito da criação na ordem natural? 
Sim, Senhor; fazem-no superior aos anjos, atenta somente à sua natureza (CXIII, 9, ad 2). 

Haverá, por conseguinte, neste mundo, alguma coisa mais digna de ser ambicionada do que a graça divina? 
De maneira nenhuma pode haver objeto mais digno de desejar-se do que a posse, conservação e aumento da graça, das virtudes e dos dons. 

De que modo podemos alcançá-la, conservá-la e fazer nela progressos? 
Correspondendo fielmente às inspirações do Espírito Santo, que nos convida a preparar-nos para recebê-la, se ainda a não possuímos e a aumentá-la incessantemente, se já temos a dita de possuí-la (CXII, 3; CVIII 3, 5). 

Que nome tem a moção ou a inspiração do Espírito Santo? 
Chama-se graça atual (CIX, 6; CXII, 3). 

Logo é a graça atual a que nos proporciona os meios de dispor-nos para receber a Graça Santificante e para aumentá-la, uma vez adquirida? 
Sim, Senhor. 

Pode a graça atual produzir o seu efeito a contragosto nosso e sem nossa cooperação? 
Não, Senhor (CXIII, 3). 

Logo é necessário que nosso livre arbítrio coopere com a sua ação? 
Sim, Senhor. 

Como se chama esta cooperação? 
Correspondência à graça. 

Que qualidade adquire o ato do livre arbítrio que coopera com a graça atual, quando possuímos a Santificante? 
Adquire a qualidade de ato meritório (CXIV, 1, 2). 

Quantas classes há de méritos? 
Duas: uma chamada de condigno e outra de côngruo (Ibid). 

Que entendeis por mérito de condigno? 
O que dá direito estrito e de justiça à recompensa (Ibid). 

Que condições deve reunir o ato humano para ser meritório de condigno? 
Que se execute debaixo do influxo da graça atual; que proceda da graça santificante por meio da caridade; que se ordene para a consecução da própria felicidade eterna, ou para adquirir maior grau de graça e virtudes (CXIV, 2,4). 

Podemos merecer, de condigno para outro, a vida eterna, a graça Santificante ou seu aumento? 
Não, Senhor; pois só Jesus Cristo pode merecer de condigno para os demais, como chefe e cabeça da Igreja (CXIV, 5, 8). 

Que entendeis por mérito de côngruo? 
O mérito de côngruo fundamenta-se em que Deus, em atenção à intimidade que o une com os justos, recompensa de conformidade com as leis da amizade e não da Justiça, os empenhos de seus amigos por lhes agradar; fazendo-lhes mercê do que pedem e desejam (CXIV, 6). 

Logo, as únicas fontes de mérito, para o homem, reduzem-se à amizade com Deus e à vida da graça e à prática das virtudes sob a inspiração divina do Espírito Santo? 
Sim, Senhor; e quanto, em outras circunstâncias, trabalhe e se afadigue, é inútil, de nenhum proveito para merecer a recompensa eterna (Ibid). 

Podereis explicar-me, de forma concreta, como se fomenta e se desenvolve a vida da graça, visto que ela constitui o objeto principal de nossa passagem por este mundo? 
Sim, Senhor; tal estudo será a matéria tratada a seguir. 

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)