sexta-feira, 18 de março de 2016

MÃE DE TODAS AS DORES


DEVOCIONÁRIO DE NOSSA SENHORA DAS DORES

Introdução (Todos os Dias)

V. Ó Deus, vinde em meu auxílio; 
R. Senhor, apressai-Vos em me socorrer

V. Glória ao Pai...
R. Assim como era no princípio...

Dia I 

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na aflição do Vosso coração terno com a profecia do santo velho Simeão. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão afligido, obtende para mim a virtude da humildade e o dom do santo Temor de Deus. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia II

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na angústia do Vosso afetuosíssimo coração durante a fuga para o Egito e a Vossa estadia ali. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão perturbado, obtende para mim a virtude da generosidade, especialmente para com os pobres, e o dom da Piedade. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia III

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, nas ansiedades que perturbaram o Vosso coração amargurado pela perda do Vosso querido Jesus. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão angustiado, obtende para mim a virtude da castidade e o dom da Ciência. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia IV

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na consternação do Vosso coração ao encontrardes Jesus quando carregava a Sua Cruz. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão perturbado, obtende para mim a virtude da paciência e o dom da Fortaleza. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia V

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, no martírio que o Vosso coração generoso suportou ao estar perto de Jesus na Sua agonia. Querida Mãe, pelo Vosso coração de tal maneira aflito, obtende para mim a virtude da temperança e o dom do Conselho. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia VI

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, no ferimento do Vosso coração compassivo, quando o lado de Jesus foi atingido pela lança e o Seu Coração foi trespassado. Querida Mãe, pelo Vosso coração assim trespassado, obtende para mim a virtude da caridade fraterna e o dom do Entendimento. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia VII

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, pelas dores que apertaram o Vosso amantíssimo coração quando Jesus foi sepultado. Querida Mãe, pelo Vosso coração mergulhado na amargura da desolação, obtende para mim a virtude da diligência e o dom da Sabedoria. 

Rezar uma Ave Maria. 

Oração Final (Todos os Dias)

V. Orai por nós, Virgem dolorosíssima, 
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. 

Oremos. Seja feita intercessão por nós, vos suplicamos, Senhor Jesus Cristo, agora e na hora da nossa morte, perante o trono da Vossa misericórdia, pela Santíssima Virgem Maria, Vossa Mãe, cuja santíssima alma foi trespassada por uma espada de dor na hora da Vossa amarga Paixão. Pedimos isto por intermédio de Vós, Jesus Cristo, Salvador do mundo, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.

Indulgência de 5 anos. Indulgência de 7 anos em cada dia de setembro. Indulgência plenária uma vez por mês, nas condições usuais, se estas orações forem rezadas diariamente (Pio VII, Audiência em 14 de Janeiro de 1815).

quinta-feira, 17 de março de 2016

SÃO JOSÉ - MODELO DE SANTIFICAÇÃO PELA VIDA INTERIOR


São José é um santo oculto. Sua vida exterior se passa na sombra e no silêncio. A sua vida interior — aquela em que ele é particularmente admirável — também é sombra e obscuridade. Nele, a sombra atrai a sombra. A vida do nosso santo não oferece aos olhares nada de extraordinário, nada que provoque atenção. 

Dos seus primeiros anos nada sabemos. Ele só nos aparece no momento do advento do Salvador. Descende da família de Davi, decaída do seu antigo esplendor. Os seus dias, na maioria, transcorrem na pequena povoação de Nazaré, que motivou a pergunta: 'De Nazaré pode sair alguma coisa boa?' (Jo 1, 46) e ele não parece haver exercido ali qualquer função oficial. Conhecem-no simplesmente como um carpinteiro — profissão que não tem nada de glorioso. Quanto à sua missão especial e pessoal de pai legal de Jesus, por mais bela e mais sublime que seja em si mesma, ela precisamente requeria a sombra e o silêncio. Os profetas, os apóstolos e os mártires proclamaram a divindade de Jesus e, por isso mesmo, adquiriram a glória. Ao contrário, a missão de São José, durante a sua vida inteira, foi encobrir essa divindade.

Já o vimos: ele foi a sombra do Pai Celeste não só representando o Pai junto de Jesus, mas ainda subtraindo aos olhos do mundo a divindade do Salvador, visto como aos olhos de todos ele era o pai do menino. Ora, a sombra não é só o silêncio. Ela cobre com mistério tudo o que lhe entra na esfera. Velando a divindade de Jesus, São José velava também o milagre realizado em Maria: a virgindade e a maternidade divina.

Essa missão especial, José aceita e cumpre-a de todo o coração, sem desmenti-la uma só vez durante a vida inteira. Ele quer ser oculto, quer permanecer oculto. Mas isso não bastava. Que maravilhas poderia ter ele revelado falando da Virgem admirável, objeto de profecias tão numerosas e luminosas, esperança do povo de Deus! Ele abriga sob o seu teto o Messias esperado com tanta impaciência e não trai com uma só palavra o seu segredo! Leva-o consigo para o túmulo.

Quando vêm os dias em que o Salvador realiza seus milagres, quando a glória da Ressurreição transforma em triunfo os sofrimentos e as humilhações da Paixão, José já não é deste mundo. Mesmo quando o cristianismo alarga as suas conquistas, o nosso santo ainda permanece na sombra até que venha a hora de se lhe prestar um culto bem merecido. Tal foi a prodigiosa vocação de José: ser a sombra, projetar a sombra sobre si mesmo e sobre tudo o que entra na sua esfera, sobre o próprio Deus.

A sua vida exterior foi, pois, uma vida oculta. Mas isso não bastava. Era mister que essa vida oculta fosse igualmente uma vida interior. Assim o pedia a missão do santo patriarca. Ser o guarda e o protetor da vida oculta de Jesus era a vocação de São José. Ora, essa vida oculta do Salvador era essencialmente uma vida interior. Para velar por essa vida, mister se fazia uma alma, um santo que amasse e praticasse a vida interior.

Que vem a ser essa vida interior? É o lado espiritual, o lado melhor da vida humana. É a vida que confere ao homem uma grandeza e um valor muito acima das aparências da vida exterior. Ela consiste na parte que a alma, o espírito do homem, pelo seu lado superior e sobrenatural, toma nos atos exteriores. É o homem vivendo para Deus, de Deus e em Deus. Assim sendo, para frisá-la em alguns traços, a vida interior consiste sobretudo na pureza do coração, na fuga de tudo o que pode desagradar a Deus e tornar-nos menos agradável a seus olhos, por conseguinte na fuga de toda falta voluntária e ainda na vigência sobre o nosso interior. Consiste, além disso, em nos esforçarmos por transformar todos os nossos atos exteriores em outros tantos atos de virtude — de uma virtude sobrenatural; transformá-los em outros tantos méritos perante Deus, dando-lhes uma intenção reta e sobrenatural. Consiste enfim, em conversarmos diretamente com Deus pela oração e em correspondermos fielmente às suas inspirações.

Eis aí, praticamente, a vida interior. Tal deve ter sido a de São José. Mas quem nos fará compreender-lhe a perfeição? Pensemos na missão gloriosa de José, pensemos nas graças que Deus lhe concedeu dessa missão! Se desde o primeiro instante de sua existência Maria recebeu uma plenitude transbordante de dons celestes, porque devia ser a mãe do Salvador, José, cuja missão tem mais de uma analogia com a de Maria, deve ter, por sua vez, recebido as graças correspondentes à sua alta vocação. Esse capital de graças não pôde senão multiplicar-se pela prática da vida interior, e frutificar tanto mais quanto a vida exterior do nosso santo era mais humilde e, de alguma sorte, mais vulgar. Além disso, uma contínua intimidade com o Salvador e com Maria favorecia singularmente o progresso da vida interior.

Que pureza nos pensamentos de José, suas intenções, porquanto, fruindo da sociedade de Jesus, ele estava incessantemente, como os anjos, em presença do Deus três vezes santo! Que recolhimento em suas ações, desde que a sua vida toda se achava, por isso mesmo, diretamente consagrada ao serviço de Deus, à execução dos conselhos divinos! Que fervor na caridade, pois tudo em torno dele, tudo o que ele via, tudo o que ouvia, eram outras tantas revelações do amor de Deus, outras tantas inexauríveis fontes de graças, outras tantas manifestações da sabedoria e da beleza divinas! José estava imerso em Deus. A luz de Deus banhava-lhe a vida interior, como a luz do astro das noites transparece através da nuvem que a vela por um instante.

São José é, pois, o melhor modelo da vida interior. Sem dúvida, ele não era a luz que impõe a atenção e fere todos os olhares. Compará-lo-íamos antes a um perfume cujo aroma respiramos sem reconhecer sempre de onde se exala. O nosso santo é, pois, ainda agora, na Igreja, o padroeiro da vida interior. Essa vida interior faz a sua grandeza. Ela lhe é necessária. Sem ela, ele não teria passado de uma sombra vã diante dos homens e diante de Deus. Ter-se-ia assemelhado a esses ricos e a esses grandes do mundo de quem a Escritura diz, que 'no seu despertar, nada acharam em suas mãos' (Sl 76,6). Com ela e por ela, José foi rico diante de Deus. Foi grande da grandeza do próprio Deus. Por ser Deus, e por ser infinitamente feliz em Si mesmo, Deus nos é oculto, silencioso, invisível. E é a vida interior que nos associa a essa grandeza de Deus, porque ela consiste essencialmente em viver para Deus e em Deus.

A vida interior é pureza, porque é uma frequente conversa com Deus, espelho de toda pureza. É riqueza, porque tudo o que fazemos, fazemo-lo para Deus e o transformamos numa recompensa eterna. É força porque, pela união com Deus, ela nos atrai a graça de vencermos os perigos e as dificuldades da vida exterior.

Coloquemo-nos, pois, sob a proteção de São José e, confiantes no seu socorro, trilhemos os caminhos da vida interior, pela vigilância sobre nós mesmos, pela pureza de intenção em todas as coisas, pela prática da oração, pela docilidade às inspirações da graça. Sem estes exercícios da vida interior, a própria vida mais oculta ficaria sem mérito diante de Deus, sem valor para a eternidade. E, para entrar nessa terra prometida da vida interior, não há guia melhor nem mais seguro do que São José: é uma das recompensas concedidas aos serviços que ele prestou à santa infância do Salvador.

(Excertos da obra 'São José - Na Vida de Cristo e da Igreja', do Pe. Maurício Meschler, 1943)

quarta-feira, 16 de março de 2016

LEITURAS PARA A QUARESMA

LEITURAS PARA A QUARESMA (POSTAGENS PUBLICADAS NO BLOG)
(Clique sobre o ícone)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (I)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (II)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (III)


REFLEXÕES SOBRE AS SETE PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ E DAS SETE PALAVRAS DE NOSSA SENHORA NOS EVANGELHOS


O CALVÁRIO E A MISSA


DA AGONIA DO GETSÊMANI


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É CONDENADO POR PILATOS



MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS LEVA A CRUZ AO CALVÁRIO


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É PREGADO NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORRE NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORTO PENDENTE DA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: MARIA ASSISTE A MORTE DE JESUS NA CRUZ


VIA SACRA: I a IV ESTAÇÕES



VIA SACRA: V a VIII ESTAÇÕES



VIA SACRA: IX a XI ESTAÇÕES



VIA SACRA: XII a XIV ESTAÇÕES

terça-feira, 15 de março de 2016

O FRUTO DA PAIXÃO


'Eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo.' Destas palavras do apóstolo São Paulo, tirarei as considerações da simples instrução que me resta fazer-vos como complemento de tudo que deixei dito sobre a Paixão. Meditamos bastante em várias pregações este adorável Mistério, no qual tantos atributos de Deus se nos revelam: a Sua onipotência, sabedoria, santidade, justiça e bondade.

A sua onipotência – porque vimo-lo na Paixão triunfar do universo pelos meios aparentemente mais vis e fracos. A sua sabedoria – porque vimo-lo conciliar maravilhosamente os direitos da Justiça com os desejos da Misericórdia, punindo o pecado e ao mesmo tempo perdoando ao pecador. A sua santidade – porque vimo-lo punir inexoravelmente o Inocente, só porque se lhe mostrou revestido das aparências do pecado. A sua bondade – porque entregou o seu Filho à morte para nos salvar.

Revelando-se assim os atributos de Deus, o Mistério da Paixão revela também a enormidade do pecado, a sua pena eterna, e o preço da nossa alma. A enormidade do pecado – porque só o mérito infinito de um Deus crucificado pode expiá-lo. A sua pena eterna – porque, sendo infinito o mérito de Jesus Cristo, a sua morte foi um remédio infinito. Ora, um remédio infinito supõe uma desgraça infinita, que Jesus Cristo veio evitar; e não haveria proporção entre o pecado e a sua morte se a pena do pecado não fosse o inferno. O preço da nossa alma – porque para salvá-la não duvidou Deus dar o seu próprio sangue; e quem de pouca valia pode julgar a sua alma vendo-a assim prezada pelo Deus Redentor?!

Mas, se a Paixão nos ensina tudo isto, qual deve ser para nós o fruto da Paixão? Os mistérios que nesta quaresma temos estudado serão cenas teatrais a que viestes assistir; ou fontes de salvação onde viestes beber tantos remédios quantos são os males que em vós tem produzido o pecado? Porventura a Igreja, exibindo aos vossos olhos essas reproduções plásticas da Divina Tragédia da Paixão, tem o intuito de impressionar-vos apenas; e esses quadros que com tanto afã viestes contemplar – a Agonia, a Flagelação, a Coroação de Espinhos, o Caminho do Calvário, a Crucificação – só devem ter o efeito de despertar a vossa sensibilidade e provocar a vossa condolência?! Não. Porque a Igreja, em relação a Paixão, nos ensina duas verdades capitais: 

(i) os mistérios da Paixão não são somente fatos que se consumaram há dezenove séculos; são, como todos os mistérios e obras de Nosso Senhor, fatos permanentes, sempre reproduzidos, como se cada dia eles se realizassem de novo. Jesus Cristo abrange todos os séculos e tempos; o passado, o presente e o futuro: Christus heri et hodie ipse et in secula. Se isto é verdade, máxime em relação à Paixão, pois ela vive sempre no augusto sacrifício da Missa e é sempre eficaz nos Sacramentos que todos tiram a sua virtude do precioso sangue de Jesus Cristo.

(ii) Jesus Cristo, sofrendo por todos os homens, sofreu particularmente por cada um de nós, como se cada um de nós fora o único que tivesse pecado e necessitasse da sua Paixão; de modo que a cada um foi aplicado o sangue de Jesus Cristo tão exclusivamente como se todos os outros não estivessem nas mesmas condições. 

Eis em relação à Paixão as duas verdades capitais sem as quais ninguém pode tirar dela o devido fruto; porque este fruto só provém da aplicação que cada um faz a si próprio dos méritos e satisfações de Jesus Cristo. Eis porque dizia o apóstolo São Paulo: 'eu satisfaço em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'. Mas, que é que podia faltar à Paixão de Jesus Cristo? Porventura não foi ela completa? Sim, em relação a Jesus Cristo; não, em relação a cada um de nós. É preciso que cada um se aproprie dela, torne-a sua, para que então a Paixão de Jesus Cristo seja completa em relação a cada um de nós.

Era isto o que queria dizer o Apóstolo. Ele, que tinha evangelizado os gentios, confundido os gregos, assombrado o mundo e que, num rapto sublime, fora elevado ao terceiro céu, compreendia, não obstante, que se não poderia se salvar senão completando em si a Paixão de Jesus Cristo. Vós, pelo contrário, entendeis que, concorrendo apenas a estas solenidades da Igreja; contemplando os quadros alegóricos da Paixão; ouvindo as pregações do orador sagrado e acompanhando pelas ruas da cidade os sagrados préstitos, tendes a vossa salvação segura!

Eu lamento, porém, a vossa ilusão, e com fraqueza vo-lo declaro: se a vossa piedade se reduz a isto, de nada vos serviria a Paixão de Jesus Cristo; para vós ela é como que se não existisse. De fato, para muitos ela não existe. Como dizia São Bernardo: 'há homens para quem Jesus Cristo ainda não nasceu, não viveu, não sofreu, não morreu, não ressuscitou e não subiu ao céu'. Quem são eles? Todos os que pensam como vós, isto é, todos os que se limitam a ver as cenas da Paixão como cenas de teatro, ou ouvi-las descrever apenas como episódios patéticos e trágicos.

Todos os mistérios de Nosso Senhor têm duas partes; uma exterior: o corpo do mistério; outra interior: o espírito do mistério. O corpo do mistério são as circunstâncias exteriores no meio das quais ele se realizou. O espírito do mistério é o que se passou no espírito de Nosso Senhor quando Ele o operou, isto é, os pensamentos do seu entendimento, os afetos, os seus desígnios e, mais que tudo, as virtudes que praticou: humildade, pobreza, obediência, caridade.

Ora, o corpo do mistério nem todos podem reproduzi-los; porque só graças extraordinárias podem transformar um homem numa imagem real e aparente de Jesus Cristo. O espírito do mistério, porém, todo o cristão pode e deve, quanto comportarem as suas forças, reproduzi-lo em si, adaptando os diferentes estados de sua vida aos correspondentes mistérios de Jesus Cristo; tendo também, como Ele, o seu Belém, o seu Egito, o seu Nazaré, o seu templo, o seu Batismo, o seu Deserto, a sua Missão, a sua Paixão, o seu Calvário, para que, como Ele também, possa ter a Ressurreição e triunfo no céu.

Esta reprodução de Jesus Cristo, como se deve fazê-la? Imitando-o. É nesta imitação que consiste a nossa garantia de salvação, porque diz o Apóstolo: 'Aqueles que Ele conheceu, Ele predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, primeiro nascido entre muitos irmãos'. Sem essa imitação não há salvação e, quanto mais perfeita for a imitação, mais segura será a salvação. Por isso todo intuito da Igreja, nestas como em outras solenidades, é reproduzir em nós a figura de Jesus Cristo; e, se anualmente nos apresenta representados ao vivo os mistérios de sua Paixão, é para que deles nos apropriemos devidamente.

Todos estes mistérios são meios de santificação que nos devem conduzir a procurar o sangue de Jesus Cristo. Onde o encontramos, esse sangue precioso que único pode nos lavar do pecado? Nos quadros da Paixão que tanto gostais de contemplar? Nas imagens do Crucificado que tanto vos apraz olhar? Nas procissões a que com tanta presteza concorreis? Não! Nos Sacramentos, canais da graça, vasos do precioso sangue de Jesus Cristo, expressões sagradas da vontade de Deus que, assim como na ordem física, não comunica a vida natural senão por meio de determinados instrumentos, de intermediários, de sacramentos sobrenaturais.

Vede: na ordem natural, Deus não opera senão por intercessão de coisas ou de pessoas. Ele poderia nos alimentar diretamente, ou pelo menos dar a nossa própria substância o vigor bastante para subsistirmos. Entretanto, colocou em organismos naturais a vida que se nos comunica; e, se não recorremos à terra, à planta ou ao animal, não poderemos subsistir, não poderemos ter a vida física. Poderia também diretamente curar um doente ou instruir um ignorante; mas não o faz senão por intermediário do médico ou do mestre.

Porque se estranha que Ele proceda do mesmo modo na ordem religiosa? Ele poderia nos dar a graça diretamente e infundir em nós o seu precioso sangue. Não o faz, entretanto, senão por meio dos sacramentos e, se queremos a vida divina, havemos de recorrer aos mananciais que a contêm. Aliás, se na vida divina, como todos os cristãos facilmente aceitam, é preciso um sacramento para nascer, outro para crescer, outro para casar-se: porque não será necessário um sacramento para curar-se do pecado, que outra coisa não é senão a moléstia da alma; e recuperar a graça, que outra coisa não é senão a saúde, a vida divina do cristão?

O doente não se cura sem o remédio. O pecador não se regenera sem a confissão. É neste adorável sacramento que principalmente reside o fruto da Paixão, de cujos méritos não nos podemos apropriar senão recorrendo ao precioso sangue que Ele derrama sobre o pecador arrependido. A confissão humilha, confunde, abate a vaidade, castiga o orgulho, violenta o amor próprio? Mas é por isso justamente que cumprimos em nós a Paixão de Jesus Cristo, que se deixou humilhar, abater, confundir em castigo de nossas vaidades, orgulhos, cobiças e sensualidades. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi.

Sem a humilhação da penitência, nenhum cristão pode dizer que cumpre em si a Paixão de Jesus Cristo. Sem a confissão, estas festas poderão ter impressionado os vossos olhos, as pregações deste pobre orador poderão ter agradado aos vossos ouvidos; mas tudo isto não terá convertido os vossos corações e de nenhum proveito vos terá sido a Paixão de Jesus Cristo. O templo encheu-se literalmente para se verem os quadros, ou para se ouvir o orador? As ruas regurgitaram de uma multidão compacta atrás dos emblemas e andores? Nada disto vos aproveita, se esquecestes o caminho do confessionário; se não fostes receber naquela fonte viva do precioso sangue de Jesus Cristo, a água que lava as iniquidades e o vigor que garante a vida eterna.

Este é o fruto da Paixão; e quem não foi colher este fruto na árvore de salvação que Jesus Cristo plantou na sua Igreja, não pode dizer que cumpre em si o que falta à Paixão de Jesus Cristo. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi. Que cegueira a daquele que não compreende estas palavras! Que confusão não será a sua na eternidade! Verá, mas muito tarde, que Deus fez tudo por si: revestiu-se de sua carne, nasceu, sofreu, foi coberto de opróbrios, foi crucificado – tudo isto para salvá-lo; e toda esta fonte de vida, a Paixão de Jesus Cristo, não foi para ele senão uma fonte de morte!

Pode haver maior desventura, maior infortúnio, cristãos? Não! Portanto, enquanto é tempo, que cada um se aposse do tesouro infinito do Divino Amor; que cada um se aproprie dos sagrados méritos do seu Redentor; que cada um se habilite para poder dizer junto com o Apóstolo: adimpleo ea quae desunt passionum Christi: 'eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'.

(Excertos da obra 'A Paixão', pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde, 1937)

segunda-feira, 14 de março de 2016

AS QUATRO TÊMPORAS


É lícito e de grande valia a Igreja proclamar a natureza como obra da excelência da divina criação, mais do que tudo porque a natureza representa o reflexo direto da grandeza e da imensa bondade e amor de Deus por nós. Uma outra razão particularmente relevante nesta celebração da natureza pela Igreja está no contraponto de uma abordagem verdadeiramente cristã ao ecologismo panteísta militante e artificial em voga, edulcorado da retórica vazia de coisas como planeta verde e mãe terra.

Tal visão cristã torna-se ainda mais relevante nestes tristes tempos em que a verborragia do paganismo militante alçou a defesa do meio ambiente a uma escala de religião panteísta, cujos principais dogmas são o aquecimento global, o desmatamento e a poluição urbana. Investida de cenários apocalípticos, os ativistas desta seita universal se escalpelam na defesa intransigente da preservação ambiental dos habitats do mico leão dourado ou das tartarugas em nidação. E incensam, com a mesma determinação frenética, o aborto como um direito da mulher e o sacrifício inocente de milhares de fetos indesejados como conquistas sociais. Aqueles que defendem a natureza com tanta veemência são os mesmos que violam os preceitos mais elementares da vida humana.

A visão cristã da natureza como obra do amor e da misericórdia de Deus remonta às próprias origens de Cristianismo, associada à prática de jejuns sazonais. Os cristãos do primeiro século jejuavam regularmente às quartas (dia em que ocorreu a traição de Judas) e sextas (dia da crucificação e morte de Jesus). Este costume foi se consolidando como eventos sazonais, dando origem às Festas das Têmporas ou Quatro Estações, que passaram a incluir também o jejum aos sábados, dia em que o Senhor jazia no sepulcro. 

As Quatro Têmporas, como períodos específicos de jejum e penitência associados em sintonia ao ciclo da natureza e às quatro estações do ano, foram formalmente estabelecidas pelo Papa Gregório VII. Aplicadas ao hemisfério sul, a primavera contempla as Têmporas de Setembro (terceira semana de setembro), o verão relaciona-se às Têmporas de Dezembro (tempo do Advento, terceira semana de dezembro); ao outono corresponde as Têmporas da Quaresma (primeira semana da quaresma) e, finalmente, o inverno compreende as Têmporas de Pentecostes, que ocorrem dentro da Oitava de Pentecostes (primeira semana de pentecostes). Nos jejuns sazonais dos judeus ou nas Têmporas cristãs, manifestava-se o amor incondicional das criaturas pela natureza e suas estações, como louvor à obra do Criador.

Como expressões dos ciclos da natureza, as Têmporas passaram a representar, no âmbito litúrgico, tempos especiais de retiro espiritual e de amor à natureza como obra do Pai, caracterizados por intensos períodos de jejum e de oração. Assim, durante quatro épocas do ano, na mudança das estações, três dias da semana – quarta, sexta e sábado – eram devotados ao jejum e à oração, de modo a agradecer os bens naturais recebidos e evocar as graças e as bênçãos de Deus para a nova estação que então se iniciava. E, em função do antigo costume cristão de se impor o jejum antes das ordenações sagradas, estas consagrações ocorriam comumente durante os sábados das Têmperas, porque os ordenados constituem por excelência as primícias do povo cristão.

E, como as estações da natureza material, as Têmporas produziram sementes e frutos espirituais de grande relevo na história da Igreja. E, como tantas outras colunas de pedra, forjadas no rigor da fé e das tradições da civilização cristã, estas também ruíram em nome da praticidade de se ajustar a Igreja aos tempos e aos modismos dos homens, a ponto de restar atualmente pouquíssimo zelo pela sua prática e reavivamento*.

* um exemplo dessas enormes perdas litúrgicas é a própria campanha da fraternidade  deste ano, inserida num contexto de ordem social em favor das necessidades essenciais do saneamento básico para todos os habitantes da nossa 'aldeia global', decodificada ecumenicamente como 'casa comum'. 

domingo, 13 de março de 2016

JESUS E A MULHER ADÚLTERA

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo da Quaresma


Neste Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho ratifica, mais uma vez, o testamento da misericórdia infinita de Deus. Deus, sendo Amor e Misericórdia infinitos, quer a salvação do homem e espera, com imensos tesouros da graça e paciência, a volta do filho pródigo ou a conversão da mulher adúltera, a floração da figueira ainda estéril, o encontro da dracma perdida ou o reencontro com a ovelha desgarrada.

Jesus está no templo, depois de uma noite de orações no Monte das Oliveiras, pregando sabedoria e misericórdia ao povo reunido à sua volta. E eis que, de repente, é interrompido pela entrada súbita de um bando de fariseus que trazem consigo uma mulher apanhada em adultério. Os fariseus interrogam Jesus, então, com malícia diabólica: 'Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?' (Jo 8, 4-5). O dilema impetrado pela iniquidade era sórdido:  Jesus, condenando a pecadora à morte, violaria a lei romana ou salvando-lhe a vida, desconsideraria a Lei de Moisés. Qualquer que fosse a sua decisão, manifestada publicamente no Templo, Jesus estaria exposto às violações e sanções das leis romanas ou às do Sinédrio.

Diante da investida maliciosa, 'Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão' (Jo 8, 6). Trata-se da única referência a Jesus escrevendo nas Escrituras. O que teria Jesus escrito no chão? Palavras ou uma frase inteira? Os nomes ou a relação dos pecados dos homens à sua volta? Com o dedo no chão...seria o piso de uma das áreas internas do Templo de terra solta ou areia? Num piso de pedra, como entender a escrita do dedo de Jesus? Perguntas sem respostas ecoando pelos tempos. Mas, certamente, foi algo que lhes dissipou o frêmito. Por que diante ainda de questionamentos de outros e ante a resposta contundente de Jesus: 'Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7), começaram a sair em silêncio, um a um, a começar dos mais velhos. Não ficou nenhum dos acusadores e a mulher adúltera se viu, então, sozinha diante de Jesus. E Jesus manifesta à mulher pecadora a imensa misericórdia de Deus e a graça do perdão: 'Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais' (Jo 8, 11).

Naquele dia, no templo, os fariseus transtornados de orgulho tornaram-se réus de sua própria malícia e suspeição; a mulher, exposta à execração pública pelo pecado cometido, obteve a graça do perdão. Naquele dia, no templo, não sabemos exatamente o que Jesus escreveu no chão, mas foi algo que marcou indelevelmente o tesouro das graças divinas, numa mensagem gravada a ferro e a fogo no coração humano: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício...' (Mt 12, 7).

sexta-feira, 11 de março de 2016

O PURGATÓRIO SEGUNDO SANTO AGOSTINHO

Senhor, não me interpeles na tua indignação. Não me encontres entre aqueles a quem haverás de dizer: 'ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos'. Nem me corrijas em teu furor, mas purifica-me nesta vida e torna-me tal que já não necessite do fogo corretor, atendendo aos que hão de salvar-se, ainda que, não obstante, como que através do fogo. Por que acontece isto se não é porque edificam aqui sobre o cimento, lenha, palha e feno? Se tivesse edificado sobre o ouro, a prata e as pedras preciosas, estariam livres de ambas as classes de fogo, não apenas daquele eterno, que atormentará os ímpios para sempre, mas também daquele que corrigirá aos que hão de salvar-se através do fogo (Comentário ao Salmo 37,3: BAC 235,654). 

Quando alguém padece algum mal, pela perversidade ou erro de um terceiro, peca, certamente, o homem que, por ignorância ou injustiça, causa um mal a alguém; porém não peca Deus, que por um justo mas oculto desígnio, permite que isto ocorra. Contudo, há penas temporais que alguns padecem apenas nesta vida, outros após a morte, e outros agora e depois. De toda forma, estas penas são sofridas antes daquele severíssimo e definitivo juízo. Mas nem todos os que hão de sofrer penas temporais através da morte cairão nas eternas, que terão lugar após o juízo. Haverá alguns, de fato, a quem se perdoarão no século futuro o que não se lhes foi perdoado no presente; ou seja, que não serão castigados com o suplício eterno do século futuro, como falamos mais acima (A Cidade de Deus 21,13: BAC 172,791-792). 

A maior parte [das pessoas], uma vez conhecida a obrigação da lei, se veem vencidas primeiramente pelos vícios que chegam a dominá-las; tornam-se, assim, transgressoras da lei. Logo buscam refúgio e auxílio na graça, com a qual recuperarão a vitória, mediante uma amarga penitência e uma luta mais vigorosa, submetendo primeiro o espírito a Deus e obtendo depois o domínio sobre a carne. Quem quiser, pois, evitar as penas eternas não deve apenas se batizar; deve ainda se santificar seguindo a Cristo. Assim é como quem passa do diabo para Cristo. Quanto às penas expiatórias, não pense ninguém em sua existência se não será antes do último e terrível juízo (A Cidade de Deus 21, 16: BAC 172,798). 

Não se pode negar que as almas dos falecidos são aliviadas pela piedade dos parentes vivos, quando oferecem por elas o sacrifício do Mediador ou quando praticam esmolas na Igreja. Porém, estas coisas aproveitam aquelas [almas] que, quando viviam, mereceram que se lhes pudessem aproveitar depois. Pois há um certo modo de viver, nem tão bom que aproveite destas coisas depois da morte, nem tão mal que não lhes aproveitem; há tal grau no bem que o que possui não aproveita de menos; ao contrário, há tal [grau] no mal que não pode ser ajudado por elas quando passar desta vida. Portanto, aqui o homem adquire todo o mérito com que pode ser aliviado ou oprimido após a morte. Ninguém espere merecer diante de Deus, quando tiver falecido, o que durante a vida desprezou (Das Oito Questões de Dulcício 2, 4: BAC 551,389). 

Lemos nos livros dos Macabeus que foi oferecido um sacrifício pelos falecidos. E apesar de não podermos ler isto em nenhum outro lugar do Antigo Testamento, não é pequena a autoridade da Igreja universal que reflete este costume, quando nas orações que o sacerdote oferece ao Senhor, nosso Deus, sobre o altar encontra seu momento especial na comemoração dos falecidos (Do Cuidado devido aos Mortos 1,3: BAC 551,439). 

Na pátria (Céu), não haverá lugar para a oração, mas apenas para o louvor. Por que não para a oração? Porque nada faltará. O que aqui é objeto de fé, ali será objeto de visão. O que aqui se espera, ali se possuirá. O que aqui se pede, ali se recebe. Contudo, nesta vida existe uma certa perfeição alcançada pelos santos mártires. A isto se deve o uso eclesiástico, conhecido pelos fiéis, de se mencionar os nomes dos mártires diante do altar de Deus; não para orar por eles, mas pelos demais falecidos de que se faz menção. Seria uma injúria rogar por um mártir, a cujas orações devemos nos encomendar. Ele lutou contra o pecado até derramar seu sangue. Aos outros, imperfeitos todavia, mas sem dúvida parcialmente justificados, diz o Apóstolo na Epístola aos Hebreus: 'Todavia não resististes até tombar em vossa luta contra o pecado' (Sermão 159,1: BAC 443,498).