segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (IV)

A ESTIMAÇÃO DE SUA GRAÇA

Mais um dos quatro interesses de Jesus. O mundo teria uma feição inteiramente diferente se os homens estimassem a graça no seu justo valor. Existe em todo o universo algum objeto que tenha valor intrínseco, a não ser a graça? E não obstante, com que fraqueza vamos atrás das futilidades, que nada têm de comum com os interesses de Jesus! Que cegueira! Que tempo perdido! Quanto mal fazemos! Quanto bem deixamos de fazer!

E todavia, apesar disto, com que carinho, com que paciência nos trata Jesus! Se todos soubessem apreciar dignamente a graça, todos os outros interesses de Jesus medrariam. Quando estes sofrem, é precisamente por que não se dá a graça a estimação que ela merece. As graças veem incessantemente, e os merecimentos a adquirir multiplicam-se tão rapidamente como as pulsações do Sagrado Coração de Jesus.

Enquanto este coração se abrasa por nós no amor mais ardente, nós dizemos: 'Não tenho obrigação de fazer isto; não preciso de me privar deste prazer; deve-se moderar o entusiasmo religioso'. Ó Jesus Cristo! Ó Caríssimo Jesus Cristo! Vede ao que chegam os que não sabem dignamente apreciar a graça. Mais valeria morrer, que desprezar uma só inspiração da graça. Acreditamo-lo todos? Não, mais julgamos crê-lo.

Se os fundos públicos baixassem a metade do seu valor, este fato seria menos importante que se um pobre irlandês, doente em qualquer lugarejo obscuro, deixasse de adquirir, por falta de paciência, o menor grau de graça. Eis o que dizem a este respeito os teólogos: 'Se se recebessem todos os dons da natureza e todas as perfeições naturais dos anjos, estas vantagens nada seriam, comparadas com a adição de um grau de graça, como Deus no-lo dá quando resistimos durante um quarto de hora a um sentimento de ira; pois a graça é uma participação da natureza divina'.

Oh! E não poremos nós isto em prática, nós que tentamos persuadi-lo aos outros! Mostrai-me na Igreja um abuso, um mal qualquer, e estou pronto a demonstrar-Vos o que se não teria dado, se os Seus filhos houvessem correspondido dignamente à graça, e ainda mais, que tudo amanhã reentrará na ordem, se os fiéis quiserem começar a apreciar a graça no seu justo valor.

Não é verdade que de nada serviria a um homem ganhar o mundo inteiro, se por esse motivo devesse sofrer o menor dano na sua alma imortal? Ide propagar esta doutrina entre os vossos amigos; mostrai-lhes os tesouros que podem juntar com o auxílio da graça, mostrai-lhes como uma graça chama outra, como ela se converte num merecimento, finalmente como os merecimentos conduzem a glória eterna dos céus. Ah! Servirei realmente os interesses de Nosso Senhor, se assim obrardes, e servi-lO-eis muito melhor do que pensais.

Pedi somente que os homens concebam uma ideia mais elevada e mais verdadeira da graça, e tornar-vos-eis ignotos apóstolos de Jesus. Todas as graças estão n’Ele: é a fonte e a plenitude delas; consome-O o desejo de as espalhar abundantemente sobre as almas que Lhe são caras, e pelas quais morreu; e elas não lhe querem permitir, pois devem, para obter outras, corresponder às graças já obtidas. Ide ajudar Jesus. Por que há de perecer uma só dessas almas, pelas quais Ele deu a Sua vida? Digo uma só, pois é coisa horrorosa pensar na perda de uma alma. E por que se perderá ela? Por que?

O precioso sangue está à disposição daqueles que o querem pedir, e o sangue dá a graça. São Paulo consagrou toda a sua vida a pregar aos homens a doutrina da graça, a pedir a Deus que a enviasse, e que eficazmente os impulsionasse a fazerem bom uso dela quando a houvessem obtido. Após uma fervorosa comunhão, quando a fonte de todas as graças brota em nosso coração, como um manancial de água viva, peçamos-Lhe que abra os olhos dos homens à beleza da Sua graça; e a nossa oração sem dúvida obterá bom despacho.

Assim faremos prosperar os interesses de Jesus, pois a natureza deste bom senhor é tal, quanto mais dá, mais rico se torna. Ó muito amado rei da almas, como podemos nós gastar o nosso tempo com outro? Considerar que Ele nos permite ocuparmo-nos dos Seus interesses, não é um pensamento capaz de nos encher de admiração? Quanto a mim, espanto-me de que semelhante pensamento não nos faça cair em êxtase.

Mas nós não conhecemos os nossos privilégios; e por que? Por que não estudamos suficientemente o nosso amável Salvador. E por que não começaremos no tempo o que deve fazer a nossa felicidade em toda a eternidade? Estudemos Jesus. O céu não é céu senão por que Jesus lá está; e eu não compreendo porque a terra não é igualmente céu, pois Jesus também está na terra.

Ai! É porque nos deixou a miserável liberdade de O ofendermos. Eliminemos esta miséria e teremos neste mundo, se não o céu, pelo menos o purgatório, que é a porta do céu. Chegará finalmente o dia em que cessamos de pecar, em que não mais firamos o Sagrado Coração de Jesus? Ó Deus de amor, fazei nascer bem depressa o sol que não terá ocaso antes de ver realizar-se para nós esse glorioso privilégio! Para que nos afligirmos e perguntarmos temerosos se iremos para o céu logo que partamos deste mundo, ou se primeiro teremos de passar pelo purgatório? Que importa? A grande questão é perdermos a faculdade de ofender o Deus do nosso amor!

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber) 

domingo, 20 de dezembro de 2015

JESUS, ENTRA NA MINHA CASA!

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo do Advento


No Quarto Domingo do Advento, o Jesus Esperado chega, através de Maria, à casa de Zacarias e Isabel. Santa e desmedida alegria, que faz João Batista estremecer de júbilo no ventre de sua mãe. Santa e ditosa alegria que faz Isabel inundar-se do Espírito Santo. Santa e materna alegria de Maria em manifestar ao mundo o bendito fruto do seu ventre. Eis Maria na casa de Isabel, testemunhas privilegiadas da revelação do maior dos mistérios divinos: Jesus, o filho de Deus vivo, no meio dos homens!

Eis Maria, o portento da fé humana, obra prima da graça do Pai, tangida por um único pensamento: cumprir, com fidelidade absoluta, a vontade de Deus: feita escrava, serva do senhor, é a 'bem aventurada que acreditou' (Lc 1,45) e que, por isso, verá cumprir-se tudo 'o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,45). Maria leva Jesus à casa de Isabel e revela aos dois anciãos a chegada do Salvador ao mundo; Maria acolhe Jesus em sacrário de tão pura humanidade que faz João Batista estremecer de alegria; na casa de Zacarias e Isabel, toda a humanidade que anseia por Deus, acolhe Jesus como Salvador com santa e ditosa alegria. 

Maria vai apressadamente ao encontro de Isabel, sob o impulso da graça, para cumprir a vontade de Deus, como serva para ajudar a gravidez avançada da parenta mais velha, como mensageira da esperança cristã, como mãe do Salvador e Redentor da humanidade, para cumprir a sua missão expressa no 'sim' da Anunciação. E é recebida com virtude filial, com alegria extrema, com devoção incontida, com zelo admirável por Isabel, pré-anunciadora dos corações incendidos da graça do Deus que está prestes a chegar ao mundo: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?' (Lc 1, 42 - 43).

Jesus em Maria é o Jesus que vem, para libertar o mundo do pecado, para fazer novas todas as coisas, para a salvação de todos os que abrem as portas e janelas de suas casas ao Cristo que chega, que transformam seus corações em humildes manjedouras onde Ele possa renascer. Como na casa de Zacarias e Isabel, que Jesus possa entrar, com Maria, na minha e na sua casa, neste Santo Natal!

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (III)

HONRAR A SUA MÃE

Aqui está outro dos principais interesses de Jesus, e toda a história da Igreja nos mostra quanto é apreciado pelo Seu Sagrado Coração. Foi o Seu amor por Maria que, mais que tudo, o fez descer dos céus, e foram os merecimentos de Maria que determinaram a época da santíssima e indivisível Trindade; era Ela a filha predileta do Pai, a Mãe predestinada do Filho, e a Esposa eleita do Espírito Santo.

A verdadeira doutrina de Jesus tem estado, em todos os tempos, intimamente ligada com a devoção a Maria; e os golpes que ferem a Mãe devem passar pelo Filho. Assim, Maria é a herança do católico humilde e obediente. A santidade cresce na razão da devoção que por Ela se tem. Os santos formaram-se na escola do seu amor. O pecado não tem maior inimigo que Maria; basta pensar nela para o conjurar, e os demônios tremem ao ouvir o seu nome.

Ninguém pode amar o Filho sem que aumente também em si o amor da Mãe; ninguém pode amar Maria sem que ao mesmo tempo sinta inflamar-se-lhe o coração pelo Filho. Jesus a colocou à frente da Sua Igreja para ser a garantia das graças que por meio dela repartiria, e a pedra de escândalo para os seus inimigos. Que admira pois, que os interesses do Filho e a honra da Mãe sejam uma só e a mesma coisa?

Se em reparação das blasfêmias com que os heréticos mancham a sua dignidade fizerdes vós um ato de amor ou de ação de graças, em honra da sua Imaculada Conceição e da sua perpétua Virgindade, de cada vez que o fizerdes, favorecereis os interesses de Jesus. Tudo quanto possais fazer para propagar o seu culto, e principalmente para inspirar aos católicos uma terna devoção para com ela, será uma obra meritória aos olhos de Jesus, que não deixará de vos recompensar generosamente.

Atrair os fiéis à sagrada mesa nos dias de festas de Maria, alistarem-se nas suas confrarias, conservarem alguma imagem dela, ganharem indulgências pelas almas do purgatório que na terra tiveram uma especial devoção por ela, rezar o rosário todos os dias; são coisas que todos podem fazer e todas elas concorrem para os interesses de Jesus.

Há uma devoção que eu quero sugerir, e oxalá possa inspirá-la a todos! Então faríamos prosperar os interesses de Jesus, e dela colheria Nosso Senhor em todo o universo uma duplicação de amor! É depositarmos mais confiança nas preces da nossa divina Mãe; descansarmos nela com menos hesitação; endereçar-lhe os nossos pedidos com mais afoiteza; em uma palavra, termos mais fé nela.

Haveria mais amor por Maria se houvesse mais fé em Maria; mas vivemos num país herético e é difícil permanecer no meio da neve sem arrefecer. Ó Jesus, reanimai a nossa confiança em Maria, não só para que trabalhemos nos Vossos amáveis interesses, mais para que o façamos do modo que vós desejais, não permitindo que nenhuma criatura ocupe no nosso coração mais lugar que aquela que tinha no Vosso maior quinhão, maior que o de todas as outras criaturas juntas!

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber) 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

TEMPO DE ADVENTO - PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Este nada, do qual dizemos que nada passa para a conta, é o que agora havemos de examinar. Pergunto: se nada passa para a conta, parece que também o nada pode ser chamado a Juízo? E se acaso for chamado, escapará da conta o nada por ser nada? Creio que todos estão dizendo que sim. Mas é certo, e de fé, que também o nada, por mais qualificado que seja, há de ser chamado a Juízo, e porque nada passa para a conta, nem o mesmo nada há de passar sem ela, e muito rigorosa. 

Ninguém foi mais qualificado na lei da natureza que Jó, e ninguém mais qualificado na lei da graça que São Paulo: e que dizia de si um e outro? Jó dizia que nada tinha feito contra Deus: Quia nihil impium fecerim. São Paulo dizia que nada havia na sua consciência, de que ela o acusasse: Nihil mihi conscius sum. E este nada de Jó, e este nada de São Paulo escaparam porventura da conta e do Juízo? Eles mesmos confessam, que de nenhum modo. Jó dizia que Deus o tinha posto a questão de tormento, como réu, para averiguar se o que ele tinha por nada, verdadeiramente era nada: Ut quoeras iniquitatem meam, ei peccatum meum scruteris, et scias, quia nihil impium fecerim. E São Paulo dizia, que ele se não dava por justificado do que na sua consciência reputava por nada, porque desse nada não havia ele de ser o juiz, senão Deus: Nihil mihi conscius sum, sed non in hoc justificatus sum; qui autem judicat me, Dominus est. Eis aqui quão manifesta e provada verdade é, que nada passa para a conta, pois até do mesmo nada a há de tomar Deus, e tão estreita. Mas qual é ou pode ser a razão por que onde dois homens tão grandes, tão qualificados e tão santos, como Jó e São Paulo, não reconhecem nada de culpa e para esta haja de arguir Deus e lhes pedir conta? 

A primeira razão é da parte de Deus (a qual só pode ignorar quem o não conhece), porque ainda nas coisas mais interiores nossas, conhece Deus muito mais de nós, do que nós de nós. Quando Cristo na mesa da última Ceia revelou aos apóstolos, que um deles o havia de entregar: Amen dico vobis, quia uns vestrum me traditurus est, diz o evangelista, que muito tristes todos com tal notícia, começou cada um a perguntar: Nunquid ego num, Domine? Porventura, Senhor, sou eu esse? Pedro, André, João e os demais, exceto Judas, bem sabia cada um de si, que não era o traidor, nem tal coisa lhe passara pelo pensamento; pois por que se não deixam estar muito seguros na boa fé da sua lealdade, mas pondo em dúvida o que não duvidavam, pergunta cada um a Cristo se é ele o traidor: Nunquid ego sum? 

Porque ainda que a própria consciência os não acusava, sabiam todos que sabia Cristo mais de cada um deles, do que eles de si. Eles conheciam-se, como homens, Cristo conhecia-os, como Deus. Esse foi o erro e engano de São Pedro, que estava à mesma mesa! Pedro disse, que se fosse necessário daria a vida por Cristo; Cristo pelo contrário disse, que três vezes o havia de negar naquela noite. E por que foi esta a verdade? Porque Pedro falou pelo que ignorava de si, e Cristo pelo que conhecia dele. Hoc illi Christus pracnuntiabat qued in se ipse ignorabat, diz Santo Agostinho. E como o juiz daquele dia conhece mais de nós, do que nós de nós, não é muito que ele nos condene pelo que nós ignoramos, e que no seu juízo seja culpa, o que no nosso parece inocência. 

A segunda razão é da parte nossa porque, assim como Deus sabe tanto de nós, assim nós sabemos muito pouco de Deus; e por isso as nossas razões não podem alcançar as suas. Um dia, depois de Cristo entrar triunfante em Jerusalém, vindo de Betânia para a mesma cidade, teve fome; e como visse ao longe uma figueira verde e copada, encaminhou as passos até ela, para ver se acaso tinha algum fruto: Si quid forte inveniret in ea. Mas porque não achou mais que folhas, lançou-lhe o Senhor maldição de que eternamente não desse fruta: Nunquam ex te fructus nascatur in sempiternum; e no mesmo momento se secou a árvore desde as folhas até as raízes. 

É porém muita de notar neste caso, coma nota São Marcos, que não era tempo de figos: Non enim erat tempus ficorum. Pois se não era tempo de aquela árvore ter fruto, por que a amaldiçoa Cristo, e a seca, não só para aquele ano, senão para sempre? Podia haver causa, ou desculpa mais natural de não ter fruto, que não ser tempo dele? Da árvore a que é comparado o justo, diz Davi, que dará o seu fruto no seu tempo: Et fructum suum dabit in tempore suo. Pois se é louvor nas melhores árvores darem a seu fruto, como foi culpa nesta não se achar nela fruto, quando não era tempo? O mesmo evangelista São Marcos diz que esta sentença de Cristo foi a resposta que o Senhor deu à árvore: Et respondens dixit ei: Jam non amplius in aeternum ex te fructum quisquam manducet

Se a sentença de Cristo foi resposta que deu à árvore, sinal é que a ouviu primeiro, e ela alegou de sua justiça. Reparem aqui os juízes, ou condenadores, que nem a um tronco irracional e insensível condena Deus sem o ouvir. Mas que é a que alegou a árvore? Alegou o mesmo texto do evangelista; e estava. como dizendo maduramente ao Senhor: Eu bem tomara estar carregada de frutos maduros e sazonados, para os oferecer a meu Criador; porém a causa e impedimento natural de me achar sem eles, é por não ser ainda chegado o tempo: Non erat tempus ficorum. E que sem embargo desta réplica, ao parecer tão justificada, a condenasse Cristo, e com condenação eterna: in sempiternum!

Assim foi. Mas com que fundamento, ou justiça? Entre todos os expositores da Escritura, mais letrados e de maior engenho, nenhum houve até agora que desse satisfação cabal a esta dúvida. E a razão de se lhe não achar razão, é porque as razões dos homens não alcançaram as de Deus, e onde não sabe descobrir culpa o juízo humano, a pode achar o divino. Por que não compreende o homem a Deus? Porque Deus é incompreensível. Pois também por isso os juízos humanos não compreendem os divinos, porque os divinos são incompreensíveis: Quam incomprehensibilia judicia ejus! 

Sobre estes dois princípios tão manifestos, um da ciência de Deus para conosco, outro da nossa ignorância para com Deus, fica satisfeita e emudecida toda a admiração de que Deus haja de julgar até o que reputamos por nada, e nesse mesmo nada haja de arguir e achar culpas de que pedir e tomar conta no dia do Juízo. Só resta um escrúpulo, que ainda não acaba de se aquietar, e não menos que acerca da justiça com que Deus nos haja de castigar pelo que não conhecemos. É verdade que Deus sabe de nós o que nós ignoramos de nós, mas essa mesma ignorância nossa não só parece que nos desculpa, mas nos livra de ser pecado o que não conhecemos como tal. Sem vontade não há culpa, sem conhecimento não há vontade; como logo pode ser pecado, e castigado como pecado o que eu não conheço? 

Bem tinha decifrado esta teologia o autor do nosso provérbio: 'Quem ignorantemente peca, ignorantemente vai ao inferno'. Uma só ignorância escusa do pecado, que é a invencível. Mas esta poucas vezes se acha. Os demais não só pecam no pecado, mas na ignorância com que o não conhecem. Não pecaram gravissimamente os judeus na morte de Cristo? E contudo diz São Pedro que eles e os seus príncipes o fizeram ignorantemente: Scio quia per ignorantiam fecistis, sicut et Principes vestri . E o mesmo Cristo quando disse: Pater, ignosce illis, non enim sciunt quid faciunt; justamente alegou por eles a ignorância, e pediu para eles o perdão. 

Se a ignorância os livrara do pecado, não tinham necessidade de perdão; mas pediu-lhes o Senhor o perdão, quando lhe confessou a ignorância, porque tão fora estiveram de ficar isentos do pecado, pela ignorância com que o cometeram, que antes a mesma ignorância lhes acrescentou um pecado sobre outro pecado. Um pecado, porque tiraram a vida. ao Messias não conhecido, e outro pecado, porque o não conheceram, tendo tanta obrigação como evidência para o conhecer. Isto mesmo é o que se vê hoje entre os que conhecem e adoram Cristo; e não por acontecimento raro, senão comumente; nem só nas vidas, serão também nas mortes. 

Quantos pecados vemos, e quão grandes, nem emendados na vida, nem confessados na morte, os quais não só Deus, mas todo o mundo está conhecendo, e só os mesmos que os cometem os não conhecem! Não os conhecem, porque a largueza e relaxação da vida escurece a consciência e cega a alma; não os conhecem, porque o amor-próprio sempre escusa e aligeira o que nos condena; não os conhecem, porque os interesses e conveniências deste mundo trazem consigo o esquecimento do outro; não os conhecem, porque os não querem examinar, nem consultar com quem deviam; não os conhecem, finalmente, porque com ignorância afetada os não querem conhecer para os não emendar: Noluit inteligere, ut bene ageret, vede agora se castigará Deus justamente no dia do Juízo os pecados não conhecidos, se por cometidos merecem um castigo, e por não conhecidos outro maior? 

Porém se até aquele dia estarão desconhecidos e sepultados nas trevas desta maliciosa e ignorante ignorância, então ressuscitarão, sairão à luz, porque o mesmo juiz universal, como diz São Paulo, com os resplendores de sua presença alumiará as consciências de todos os homens, e descobrirá manifestamente a cada um tudo o que nelas estava escondido e às escuras: Quoadusque veniat Domínus, qui et illuminabit abscondita tenebrarum. Por meio desta luz, desenganadas então, e assombradas as mesmas consciências do muito que verão sair debaixo do nada, que não viam ou não quiseram ver, nenhuma terá que estranhar, nem replicar à sentença, ainda que seja de eterna condenação, e todas dirão convencidas: Justus es, Domine, et rectum judicium tuum

(Excertos da obra 'Sermões', do Pe. Antônio Vieira)

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (II)

OS FRUTOS DE SUA PAIXÃO

Eis o segundo dos grandes interesses de Jesus. Sempre que possamos impedir que se cometa um pecado, por leve que seja, muito faremos pelos interesses de Jesus. Melhor poderemos apreciar a grandeza de um tal serviço, se fizermos esta reflexão: ainda que pudéssemos fechar para sempre o inferno, salvar todas as almas que lá estão sofrendo, despovoar o purgatório, e converter todos os homens do mundo em outros tantos santos como os bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo, dizendo a mais leve mentira que fosse, não a deveríamos dizer; pois a glória de Deus sofreria mais com essa pequena mentira do que lucraria com tudo o mais.

Avaliai por isto quanto se faz pelos interesses de Jesus impedindo um pecado mortal! E todavia é isto tão fácil! Se todas as noites, antes de nos deitarmos, pedíssemos à Virgem Santa que oferecesse a Deus o precioso sangue de Seu querido Filho, a fim de se impedir um pecado mortal que ameaçasse ser cometido em qualquer parte do mundo durante a noite; e se renovássemos o mesmo pedido todas as manhãs, para o mesmo fim durante as horas do dia, não há dúvida que semelhante oferta, apresentada por tais mãos, não poderia deixar de obter a graça desejada; e assim cada um de nós poderia provavelmente impedir setecentos e trinta pecados mortais em cada ano.

Suponhamos agora que mil dentre nós querem fazer esta oferta e nela perseveram durante vinte anos; isto, que nenhum trabalho nos daria, seria bem meritório: teríamos impedido mais de quatorze milhões de pecados mortais. E se todos os membros da Confraria seguissem este exemplo, teríamos que multiplicar este número por dez. Ah! Deste modo, como os interesses de Jesus progrediriam no mundo, e que alegria, que felicidade nos não proporcionaríamos a nós mesmos!

Assim também todas as vezes que possamos resolver alguém, que o necessite, a confessar-se, ainda que não tenha a acusar senão pecados veniais, aumentamos o fruto da Paixão do nosso Redentor. Cada ato de contrição que qualquer pessoa faça, a instâncias nossas; cada oração que nós façamos com o fim de lhe alcançar esta graça, acrescenta os mesmos frutos. Cada nova austeridade, cada ligeira penitência que promovamos, dá o mesmo resultado. O mesmo aconteceria com os nossos esforços para fazermos apreciar a comunhão frequente.

Quando pudermos conseguir que alguém tome parte nas nossas devoções à Paixão de Nosso Senhor, que a leia ou a medite, daremos impulso aos interesses de Jesus. Disse algum santo (e, se me não falha a memória, foi Alberto o Grande) que uma só lágrima vertida pelos sofrimentos do nosso doce Salvador era mais preciosa aos Seus olhos, que um ano inteiro de jejum a pão e água. O que não seria, pois, se nós pudéssemos interessar os outros em juntarem as suas lágrimas às nossas, e unirem-se conosco no sentimento de uma terna piedade pela Paixão de Jesus! Oh! Quão grandes são os frutos de uma simples oração! Suavíssimo Jesus! Porque somos nós tão insensíveis, tão frios? Acendei em nós esse fogo que viestes trazer à terra!

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber) 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (I)

 A GLÓRIA DE DEUS

Estudando o nosso Divino Salvador, tal como nos é representado nos Santos Evangelhos, veremos que não há nada, se nos é permitido arriscar esta expressão, nada mais semelhante a uma paixão n’Ele dominante que o Seu tão vivo, tão ardente desejo da glória de Seu Pai. Desde o dia em que, na idade de doze anos, deixou Maria para ficar em Jerusalém, até à Sua última palavra na Cruz, essa dedicação à glória de Deus sobressai em cada página do livro sagrado. Assim como d’Ele se disse, numa ocasião, que o zelo da casa de Deus O devorava, assim nós podemos dizer que era devorado por uma fome e sede contínuas da glória de Seu Pai.

Era como se se houvesse perdido na terra a glória de Deus, e Ele houvesse vindo para a encontrar; e quão oprimido trouxe o coração enquanto a não encontrou! Foi este o exemplo que nos deu; e a Sua intenção, dando-nos a graça, é que a empreguemos em glorificar Seu Pai que está nos céus. Agora, lançando a vista pelo mundo e em volta de nós, poderemos deixar de ver quanto a glória de Deus está perdida na terra? O interesse de Jesus pede que a procuremos e que a encontremos. Sem falar desses escândalos públicos que dão os grandes pecadores, não será doloroso ver como Deus é esquecido, completamente esquecido pela maior parte dos homens?

Vivem como se Deus não existisse. Não se revoltam precisamente contra Ele, mas não pensam n’Ele, desconhecem-no, Deus é neste mundo, que Ele fez por Suas próprias mãos, como um objeto inoportuno. Foi posto de parte tão despreocupadamente como se faria a uma estátua antiga que se houvesse tornado caricata. Os sábios e os homens de estado estão de acordo neste ponto; a gente de negócios e os financeiros entenderam que era acertadíssimo nada dizerem a respeito de Deus, pois é difícil falar d’Ele ou mesmo ocupar n’Ele apenas o espirito, sem nos sentirmos dispostos o conceder-Lhe demasiado.

Ali está um obstáculo terrível, e poderíamos dizer um obstáculo insuperável, se não fosse a graça de Deus, para os interesses de Jesus. Oh! Quanto nos dilacera o coração semelhante espetáculo, e nos faz suspirar por uma outra vida! Pois, que fazer em tão desesperada situação? Mas alguma coisa devemos tentar. Quanto não poderão fazer os rosários devotamente rezados e as medalhas bentas? E não é infinito o poder de uma só missa? Depois, confessamo-lo com as lágrimas nos olhos, há um grande número de pessoas com reputação de piedosas, que estão longe de dispensarem à glória de Deus um quinhão suficientemente avultado: há muitas pessoas que manifestam devoção, e que aliás não lhe querem dar o primeiro lugar em todas as coisas.

Têm necessidade de luz para melhor conhecerem a glória de Deus; falta-lhes discernimento para descobrirem armadilhas do mundo e do demônio sob o véu da moderação e da prudência, por meio do qual estes dois inimigos de Deus se esforçam pelo privar da Sua glória; não têm coragem para afrontar a opinião do mundo, e firmeza para pôr sempre a sua vida em harmonia com a sua crença. Pobre gente! Convém sem dúvida aos interesses de Jesus, que essas pessoas se vejam a si mesmas e a tudo que as rodeia, tais quais são.

Aqui encontramos, pois, mais uma obra a executar. Oremos por todas as pessoas virtuosas, principalmente por aquelas que trabalham para o ser, a fim de que conheçam o que reverte em glória de Deus, e o que Lhe é oposto. Oh! Quantas perdas nos causa todos os dias esta falta de discernimento! Depois, existem ordens religiosas que, cada uma de sua maneira e conforme o fim da sua instituição, vão trabalhando com a benção da Igreja, na glória de Deus. Há bispos e padres que com uma singular perseverança e perfeição admirável dedicam os seus esforços a este único fim. Qual é também o alvo de uma infinidade de associações e confrarias que existem, senão a glória de Deus?

Temos de sofrer males, afrontar perigos e suportar escândalos; a sorte da Igreja é curvar hoje a cabeça ante o mundo e nele reinar amanhã. Ora, em tudo isto tem Jesus os Seus interesses, e é dever nosso tratar deles. Meia dúzia de homens que percorressem o mundo procurando somente a glória de Deus, poderiam transportar montanhas. É esta a promessa feita aos homens animados de fé viva. Por que não havemos de ser nós esses homens?

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

ANTÍFONAS DO Ó

As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento. 

17 de dezembro

O Sapientia
quæ ex ore Altissimi prodisti,
attingens a fine usque ad finem,
fortiter suaviter disponens omnia:
Veni ad docendum nos viam prudentiae   


Ó Sabedoria
que saístes da boca do altíssimo
atingindo de uma a outra extremidade
e tudo dispondo com força e suavidade:
Vinde ensinar-nos o caminho da prudência 

18 de dezembro

O Adonai
et Dux domus Israel,
qui Moysi in igne flammæ rubi apparuisti
et ei in Sina legem dedisti:
Veni ad redimendum nos in brachio extento 


Ó Adonai
guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moisés na chama do fogo
no meio da sarça ardente e lhe deste a lei no Sinai
Vinde resgatar-nos pelo poder do Vosso braço. 

19 de dezembro

O Radix Jesse
qui stas in signum populorum,
super quem continebunt reges os suum,
quem gentes deprecabuntur:
Veni ad liberandum nos; jam noli tardare 


Ó Raiz de Jessé
erguida como estandarte dos povos,
em cuja presença os reis se calarão
e a quem as nações invocarão,
Vinde libertar-nos; não tardeis jamais. 

20 de dezembro

O Clavis David
et sceptrum domus Israel:
qui aperis, et nemo claudit;
claudis et nemo aperit:
Veni, et educ vinctum de domo carceris,
sedentem in tenebris et umbra mortis 


Ó Chave de Davi
o cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
Vinde e libertai da prisão o cativo
assentado nas trevas e à sombra da morte. 

21 de dezembro

O Oriens
splendor lucis æternæ, et sol justitiæ
Veni et illumina sedentes in tenebris
et umbra mortis. 


Ó Oriente
esplendor da luz eterna e sol da justiça
Vinde e iluminai os que estão sentados
nas trevas e à sombra da morte. 

22 de dezembro

O Rex gentium
et desideratus earum
lapisque angularis,
qui facis utraque unum:
Veni et salva hominem quem de limo formasti 


Ó Rei das nações
e objeto de seus desejos,
pedra angular
que reunis em vós judeus e gentios:
Vinde e salvai o homem que do limo formastes. 

23 de dezembro

O Emmanuel,
Rex et legifer noster,
exspectatio gentium,
et Salvador earum:
Veni ad salvandum nos, Domine Deus noster 


Ó Emanuel,
nosso rei e legislador,
esperança e salvador das nações,
Vinde salvar-nos,
Senhor nosso Deus.