sábado, 9 de novembro de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCI)

Capítulo XCI

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - O Conhecimento e as Orações das Almas pelos seus Benfeitores - Doutrina Confirmada por Santos e Santas da Igreja
 
Acabamos de falar da gratidão das santas almas. Por vezes, esta se manifesta, como vimos, de forma bem visível mas, mais frequentemente, exercem-na de forma invisível, por meio das suas orações. As almas rezam por nós não só quando, depois da sua libertação, estão com Deus no Céu, mas também no seu lugar de exílio e no meio dos seus sofrimentos. Embora não possam rezar por si mesmas, obtêm, no entanto, com as suas súplicas, uma grande graça para nós. Tal é a doutrina expressa por dois eminentes teólogos, Bellarmino e Suarez. 'Estas almas são santas' - diz Suarez - 'e queridas por Deus. A caridade impele-as a amar-nos, e elas sabem, pelo menos de um modo geral, a que perigos estamos expostos e que necessidade temos da assistência divina. Por que, então, não rezariam pelos seus benfeitores?'

Por que? A resposta seria: porque não os conhecem. Naquela sombria morada, em meio aos seus tormentos, como poderiam saber quem são aqueles que os assistem com os seus sufrágios? A esta objeção pode-se responder que as almas sentem pelo menos o alívio que recebem e a assistência que lhes é prestada; isto basta, mesmo que ignorem a fonte de origem, para invocar as bênçãos do Céu sobre os seus benfeitores, sejam eles quem forem, e que são conhecidos por Deus.

Mas, na realidade, eles não sabem de quem recebem auxílio nos seus sofrimentos? A sua ignorância a esse respeito não está provada, e temos fortes razões para crer que tal ignorância não existe. Será que o seu anjo guardião, que ali habita com eles para lhes dar toda a consolação ao seu alcance, os privaria desse conhecimento consolador? Esse conhecimento não está conforme à doutrina da comunhão dos santos? A relação que existe entre nós e a Igreja Penitente não seria tanto mais perfeita quanto é recíproca e se as almas conhecessem muito bem os seus benfeitores?

Esta doutrina é confirmada por um grande número de revelações particulares e pela prática de várias pessoas santas. Já dissemos que Santa Brígida, num dos seus êxtases, ouviu várias almas gritarem em voz alta: 'Senhor Deus todo-poderoso, recompensai cem vezes mais aqueles que nos assistem com as suas orações e que Vos oferecem as suas boas obras, para que possamos gozar da luz da Vossa Divindade!'.

Lemos na Vida de Santa Catarina de Bolonha que ela tinha uma terníssima devoção para com as santas almas do Purgatório; que rezava por elas com muita frequência e com o maior fervor; que ela se recomendava a elas com a maior confiança nas suas necessidades espirituais, e aconselhava os outros a fazerem o mesmo, dizendo: 'Quando quero obter qualquer favor do nosso Pai do Céu, recorro às almas que estão detidas no Purgatório; peço-lhes que apresentem o meu pedido à Divina Majestade em seu próprio nome, e sinto que sou ouvida pela sua intercessão'. Um santo sacerdote dos nossos dias, cuja causa de beatificação foi iniciada em Roma, o Venerável Vianney*, o Cura d'Ars, dizia a um eclesiástico que o consultava: 'Se soubéssemos quão grande é o poder das boas almas do Purgatório junto do Coração de Deus, e se soubéssemos todas as graças que podemos obter por sua intercessão, elas não seriam tão esquecidas. Devemos, portanto, rezar muito por elas, para que elas rezem muito por nós'.

* o texto original data de 1893; São João Maria Vianney foi canonizado em 31 de maio de 1925.

Estas últimas palavras de [São João] Vianney mostram a verdadeira maneira de recorrer às almas do Purgatório; devemos assisti-las, para obter em troca as suas orações e os efeitos da sua gratidão - devemos rezar muito por elas, para que rezem muito por nós. Não se trata aqui de as invocar como invocamos os santos do Céu. Não é esse o espírito da Igreja que, antes de tudo, reza pelos defuntos e os assiste com os seus sufrágios. Mas não é contrário ao espírito da Igreja, nem à piedade cristã, procurar alívio para as almas, com a intenção de obter em troca, por meio do auxílio das suas orações, os favores que desejamos. Assim, é um ato louvável e piedoso oferecer uma missa pelos defuntos quando temos necessidade de alguma graça particular. Se, quando as almas santas estão ainda nos seus sofrimentos, as suas orações são tão poderosas, podemos facilmente conceber que serão ainda muito mais eficazes quando, estando inteiramente purificadas, essas almas estiverem diante do trono de Deus.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog