quarta-feira, 6 de novembro de 2024

A HIERARQUIA ESPIRITUAL ENTRE OS FILHOS DE DEUS

A experiência pastoral e espiritual convenceu São Francisco de Sales de que existe uma hierarquia espiritual entre as pessoas. Deus ama certamente todas as suas criaturas, e seu Filho morreu por todos os homens. Francisco sustentará esta verdade então desconhecida: o chamado evangélico à perfeição do amor é único e universal, igual para todos. Mas as vocações concretas são subjetivamente diversas: cada um responde com sua capacidade. 

As causas têm diferentes motivos: diversidade de dotes naturais, caráter, educação, ambiente, relações. Diversidade também no modo mais ou menos generoso com que reage a liberdade humana. Devida, enfim, ao mistério da liberalidade divina, mais ou menos abundante para cada um. É preciso instruir, estimular, educar cada alma individualmente. Um pastor de almas sabe muito bem que não pode esperar os mesmos frutos de todos, e que alguns têm necessidade de atenções particulares.

Francisco de Sales aceita claramente a idéia de uma elite cristã, à qual vale a pena dedicar de maneira especial tempo e cuidados. Foi para essa elite que escreveu. Mas, atenção! Não se trata absolutamente de uma espécie de 'racismo' no seio da Igreja. Essa elite é de caráter espiritual e não social: é constituída somente pelo grau de amor, e não por posições de privilégio. Francisco a procura em toda a parte: no mundo e nos conventos, no campo, na montanha e na cidade, entre padres e entre leigos, entre ricos e entre pobres e ignorantes. É suficiente ter um coração generoso capaz de amar. É suficiente ser philo-theós ou theós-timo, ou seja, 'devoto' ou 'enamorado de Deus'.

Uma observação inevitável: Francisco encontrou essas almas eleitas especialmente em muitas mulheres. Estimava-as muito, com elas se encontrava perfeitamente à vontade, sempre com reserva sorridente. E se preocupava vivamente com sua educação espiritual, contra a tradicional corrente antifeminista ainda dominante à época. Muitos contemporâneos o criticaram e acusaram de se ocupar somente com elas. Monsenhor Adriano Bourdoise, famoso pregador de Paris, um dia lhe disse: 'O senhor é bispo e só se ocupa com mulheres'! A resposta foi cristalina: 'Cabe aos ourives manejar o ouro e aos oleiros manejar a terra'. 

Notamos ainda que, para ele, ocupar-se daquelas almas eleitas era uma maneira de conduzir a Deus, na caridade, todo o povo cristão. Os que de Deus receberam mais têm também o dever de dar mais aos seus irmãos, e de fazê-lo, por quanto possível, unidos entre si. Todos os devotos devem colaborar nesta elevação, qualquer que seja o seu nível social, cada um trabalhando onde a Providência o colocou: o advento do Reino de Deus exige contribuição ativa de todos. Francisco inscrevia os fieis nas confrarias, e ele próprio fundou várias. Reuniu na Academia Florimontana os melhores intelectuais. Também nós, hoje, os convidamos a participar em movimentos apostólicos ou de vida evangélica. 

Em concreto, é necessário levar em consideração o itinerário pessoal de cada um. Cada alma tem sua história e seu segredo. É amada por Deus em todo momento. Deus a toma exatamente no ponto em que se encontra, para fazê-la dar passos para frente. Toda alma deve, pois, aceitar-se assim como é, e seu diretor espiritual deve tomá-la em seu caminho. É fácil a tentação de englobar todas as almas na mesma situação e constrangê-las a caminhar todas com o mesmo passo, queimando etapas, impacientes por chegar à meta. 

Francisco de Sales nos lembra que cada alma tem sua graça, suas luzes, suas inspirações e, conseqüentemente, o seu ritmo. Toda a vida cristã é um itinerário onde se constatam progressos e regressos, tempos de parada e de avanço, às vezes rápidos, às vezes lentos. O amor de Deus nos colhe na nossa história de criaturas em movimento. Também o diálogo entre Deus e a alma é uma história sempre pessoal, na qual opera o mistério insondável das predileções divinas. O importante é ir adiante sempre e não estacionar na mediocridade.

(Excertos da obra 'Francisco de Sales - Um Mestre da Espiritualidade', de Joseph Aubry)