quarta-feira, 21 de junho de 2023

OS QUATRO PILARES DA SANTA PACIÊNCIA

Primeiro: Devemos ter fé

Digo que a primeira coisa é possuir a iluminação da fé. Com a luz desta virtude, conseguiremos todas as outras; sem ela andaremos no escuro como um cego, para quem o dia torna-se noite. Para pessoa sem fé, tudo o que Deus faz por amor na claridade da luz, torna-se escuridão, trevas de ódio, pois a pessoa pensa que é por ódio que Deus permite os sofrimentos e as dificuldades. Vede como precisamos da luz da fé!

Segundo: Devemos pensar que tudo vem de Deus por amor

A segunda coisa é crer firmemente que Deus existe e que tudo dele procede; menos o pecado. Não vem de Deus a má vontade do pecador. O restante – quer provenha do fogo, da água, da morte ou de qualquer outra coisa – vem de Deus. Diz Jesus no evangelho que, sem a Providência Divina, não cai uma folha das árvores e diz ainda que os cabelos da nossa cabeça estão todos contados, e que nenhum deles cai sem que Deus o saiba (Mt 10,29). Ora, se Jesus fala assim a respeito das coisas materiais, com maior razão cuida de nós criaturas racionais. Em tudo o que nos manda e nos permite, Deus usa da sua providência. Tudo é feito por Deus com mistério e amor e jamais por ódio!

Terceiro: Devemos crer que até na dor Deus nos quer felizes

Ocorre entender na fé que Deus é bondade suprema e eterna, que Ele somente quer o nosso bem. O desejo de Deus é que nos santifiquemos. Tudo o que Ele nos manda ou permite tem esta finalidade. Se duvidarmos disto, erramos. Basta pensar no sangue do humilde e imaculado Cordeiro, transpassado pela lança, sofrido, atormentado. Entenderemos que o Pai eterno nos ama. Por causa do pecado, nos tínhamos tornado inimigos de Deus. Amorosamente, o Pai nos deu o Verbo, seu filho Unigênito. Este último entregou por nós a sua vida, correndo para uma vergonhosa morte na cruz. Por qual razão? Por amor a nossa salvação. Como vedes, o sangue de Jesus dissipa toda a dúvida em nós de que o Pai queira outra coisa além da nossa santificação. Aliás, como poderia Deus querer algo fora do bem? Impossível! Como poderia o supremo Bem descuidar-se de nós? Ele que nos amou antes de existirmos, Ele que por amor nos criou à sua imagem e semelhança, não poderia deixar de nos amar de prover todas as necessidades de nossa alma e do nosso corpo.

O criador sempre nos ama como criaturas suas. Somente o pecado é que Deus detesta em nós. Durante esta vida, na medida das nossas necessidades, Ele permite dificuldades quanto aos bens materiais. Como sábio médico, nos ministra o remédio de que precisa nossa enfermidade. Deus age assim para eliminar nossos defeitos aqui na terra de maneira que tenhamos que sofrer menos na vida futura ou para por à prova nossa paciência. Querendo experimentar Jó, o Senhor retirou-lhe os filhos e filhas; quanto ao corpo, mandou-lhe uma verminose e usou sua mulher para prová-lo no sofrimento, pois ela o atormentava com maldosas ofensas. Após provar a paciência de Jó, Deus restitui-lhe o dobro em tudo e Jó não reclamou. Pelo contrário, dizia: 'O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o seu nome' (Jó 1,21).

Deus permite algumas vezes tais coisas, para que nos conheçamos melhor em nossa instabilidade. E para que conheçamos também a instabilidade deste mundo. Tudo o que temos – vida, saúde, esposos, filhos, riquezas, posições sociais, prazeres – tudo nos é dado por Deus como empréstimo para nosso uso. Não como propriedade. É assim que devemos tratar tais coisas. Tanto é verdade, que não podemos impedir que tais coisas nos sejam retiradas. Quanto à graça divina é diferente. Nem os demônios, nem outras criaturas e nem as perseguições conseguem retirar de nós, se não dermos nosso consentimento.

Quando uma pessoa entende qual é a perfeição da graça e qual é a imperfeição do mundo e do nosso corpo, ela deixa de valorizar os prazeres mundanos e a própria fragilidade, pois tais realidades muitas vezes ocasionam a perda da graça por causa do amor sensível. E, em sentido oposto, começa a valorizar as virtudes que são os meios para conservarmos a graça. Pois bem, tudo isso nos vem de Deus por amor, a fim de que viril e santamente preocupados nos afastemos do mundo e busquemos os bens eternos; deixemos de lado a terra com suas mazelas e procuremos ganhar o céu.

Sim; não fomos criados para nos alimentar de terra. Somos peregrinos que por aqui passamos praticando a virtude em busca do Fim. Durante a caminhada, não nos devemos deter por causa de algum prazer oferecido pelo mundo. Virilmente temos de nos apressar, olhando as coisas da vida não com desordenada alegria ou com impaciência, mas na paciência e no santo temor. O sofrimento que padeceis é de grande utilidade para vós. Deus vos oferece o modo de romper muitas amarras e de aperfeiçoar vossa consciência. Deus vos libertou e vos indicou a estrada, se é que a desejais segui-la. A vós Deus deu a vida eterna e vos convida a alcançá-la também por meio do sofrimento, a fim de que conheçais a bondade divina e os vossos defeitos, durante o restante da vossa vida.

Quarto: Devemos meditar sobre os próprios pecados

A quarta coisa necessária para se tornar paciente é esta: refletir sobre os próprios pecados e defeitos, sobre quanto já ofendemos a Deus. Ele é o Bem Infinito. Destes pecados e defeitos, grandes ou pequenos que sejam, resultaria para nós um castigo infinito. Infelizes que somos! Ofendemos nosso Criador e merecemos mil infernos. E quem é este Criador ofendido? É a bondade sem limites. E nós o que somos? Nada! O ser que temos e qualquer outro beneficio a ele acrescentado, tudo veio de Deus. Por nós mesmos, nada somos. Em tal situação, e merecendo um castigo eterno, Deus nos purifica aqui na terra. Mais ainda: se aceitamos o sofrimento purificador, alcançamos méritos. Isso não sucede na purificação da vida futura; no purgatório, a alma se purifica mas nada merece. Como nos convém, pois, tolerar com paciência estas pequenas dores agora.

Pequenas dores repito, por causa da brevidade desta existência. Aqui na terra a dimensão da dor tem a dimensão do tempo. E qual é a extensão do tempo? Assemelha-se à ponta de uma agulha. Assim sendo, a dor é pequena. O sofrimento que passou ficou para trás, não o sinto mais; o sofrimento futuro ainda não padeço e nem tenho certeza de continuar vivo. Posso morrer e não sei quando. Somente o presente existe e nada mais. Soframos, então, com alegria. Toda boa ação é remunerada. Toda culpa é punida. São Paulo afirma: 'Os sofrimentos desta vida não se comparam com a glória que receberá a alma paciente' (cf Rm 8,18).

Conclusão

Eis a maneira como podereis adquirir a virtude da perfeita paciência. Tal virtude adquirida com amor na fé vos fará tirar proveito de todo sofrimento. Em caso contrário, perdereis os bens terrenos e os celestes. Não existe outra solução. Por tal motivo, vos disse que desejava vos ver alicerçado na perfeita paciência. Rogo-vos agir assim. Lembrai-vos do sangue de Jesus Cristo Crucificado. Toda tristeza se mudará em alegria, todo peso se tornará leve. Não fiqueis a escolher tempos e lugares; contentai-vos com aquilo que Deus vos dá. Senti compaixão pelo que aconteceu. Se parecer que foi muito doloroso, tudo aconteceu pela Providência Divina e para vossa salvação. Peço-vos sejais forte e não relaxeis na suave disciplina da religião. Nada mais acrescento, a não ser que aproveiteis o tempo enquanto o temos. Permaneceis sempre no santo e doce amor de Deus. 

(Cartas de Santa Catarina de Sena)