Et venit unus de septem angelis habentibus fialas plenas septem plagis
'E veio um dos sete Anjos que tinham as sete taças cheias dos sete últimos flagelos' (Ap 21,9)
Introdução
João era o anjo que devia preparar o caminho para a vinda de Jesus Cristo, nosso Salvador, ao mundo. De que maneira ele se preparou para isso? 'Percorreu toda a região próxima do Jordão' - diz São Lucas - 'pregando o batismo de penitência para a remissão dos pecados'¹. Por toda a parte clamava aos homens: 'Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus'². Meus caros irmãos, o Deus Todo Poderoso gritará e dará avisos semelhantes quando se aproximar o último dia do mundo, por meio daqueles sinais terríveis que serão os precursores da segunda vinda de Cristo como Juiz. O que dirão esses sinais? O que João disse no seu tempo: 'Endireitai o caminho do Senhor'³; preparai-vos para a vinda do Juiz irado; fazei penitência pelos vossos pecados; convertei-vos a Deus porque o último dia está próximo. E é um sinal da grande bondade e misericórdia de Deus enviar esses sinais para advertir o mundo, como também é um sinal da sua bondade e misericórdia afligir o mundo frequentemente por calamidades públicas. Ambas estas verdades serão agora provadas.
Plano de Discurso
Os sinais que precedem o último dia são todos efeitos da bondade e da misericórdia de Deus, para que os pecadores, atemorizados por eles, se preparem fazendo uma verdadeira penitência, o que, no entanto, poucos deles o farão nessa ocasião. Este é o tema da primeira parte. As calamidades públicas do nosso tempo são também efeitos da bondade e da misericórdia de Deus, para que nós, castigados por elas, nos emendemos da nossa vida pecaminosa, o que, no entanto, poucos também fazem; esse tema será tratado na segunda parte. 'Farei penitência, ó Deus de bondade, pela Vossa graça, que Vos peço pelos méritos de Maria e pelas orações dos nossos santos e anjos da guarda'; tal é a conclusão que cada um deve alcançar.
Primeira Parte
Mas o que é que eu estou a dizer? Que os sinais que anunciarão a vinda do Juiz no último dia são sinais e efeitos da bondade e da misericórdia de Deus? Esses sinais terríveis, cuja mera visão encherá os homens de terror e de espanto? Aqueles sinais que, como já vimos, são terríveis portentos que mostram o ódio implacável, a ira e a cólera de Deus contra os pecadores? Serão eles, ao mesmo tempo, sinais da sua misericórdia para com os mesmos pecadores? Verdadeiramente, meus caros irmãos, é isso mesmo! Serão sinais da ira implacável de Deus que será derramada sem misericórdia sobre todos os pecadores no dia do julgamento mas, ao mesmo tempo, serão sinais da infinita bondade e misericórdia de Deus, de acordo com as palavras do Profeta: 'Em vossa ira, lembrai-vos da misericórdia!'⁴; de modo que os pecadores que estiverem no mundo naqueles dias, assustados pelos sinais, possam entrar em si mesmos, fazer penitência, converter-se, e assim escapar à cólera do Juiz; como diz São Tomás de Aquino, 'para que os corações dos homens se preparem para o juízo, prevenidos por esses sinais'⁵.
'Ninguém' - diz Santo Agostinho - 'que se dispõe a atacar diz ao outro: prepare-se!'⁶. Um homem que ameaça desta forma dá provas claras de que não está falando sério, mas que deseja que o outro possa escapar ao seu ataque. Se um juiz mandasse dizer a um ladrão apanhado em flagrante delito que, quando ouvisse o som de armas ou de um certo toque de campainha, isso era sinal de que os soldados estavam prestes a prendê-lo e a metê-lo na prisão e, uma vez proferida a sentença, ele seria conduzido de imediato ao local da execução, o que pensarias disso? O juiz parecer-vos-ia realmente estar empenhado em condenar o ladrão à morte? Não; muito pelo contrário; o juiz, em tal caso, atua em favor do ladrão e gostaria de o ver escapar. Pois, como diz o velho ditado, 'o gato que mia demais nunca será um bom caçador de ratos'. Assim é; aquele que pretende atacar o seu inimigo não deixa transparecer uma palavra sequer do seu objetivo; pelo contrário, esconde as suas armas e só as saca quando tem o outro completamente em seu poder, de modo que ele não possa escapar. Uma das primeiras e mais necessárias qualidades de um general é o silêncio; ele deve saber manter em segredo os planos que forma contra o inimigo e não deve revelá-los nem mesmo aos seus amigos mais íntimos, muito menos aos seus próprios soldados, para que ninguém o possa trair; e se, por caso, ele expor publicamente que num certo dia, e a uma certa hora, vai fazer uma investida para surpreender o inimigo, o que este não pensaria? 'Isso é apenas uma dissimulação! Não precisamos temer tal ataque; mas ele deve ter outro plano em vista e temos de estar atentos para não sermos surpreendidos por ele'.
Observemos, como nos fala Santo Agostinho, e admiremos a maravilhosa longanimidade e misericórdia de Deus, que Ele mostrará naquele dia em que, com terríveis presságios, armará todas as criaturas contra os pecadores: 'Se quisesse condenar se calaria'⁷ e reservaria a sua vingança para o último momento, quando caísse sobre eles de surpresa, no meio dos seus pecados e vícios. Mas, como Ele é, já advertiu os homens há muito tempo por meio dos seus profetas para ficarem de guarda; pois 'haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia irão apoderar-se das nações pelo bramido do mar e das ondas'⁸; assim, quando contemplardes esses sinais, tende certeza de que o Juiz irado virá em breve para condenar-vos ao inferno, se não vos arrependerdes e emendardes vossas vidas. Que mais significam, então, os múltiplos sinais que se sucedem, senão que Deus não quer que o pecador se perca e que pretende avisá-lo para que faça penitência a tempo, a fim de escapar à ira divina?
Quando o desobediente Absalão se rebelou contra o seu pai Davi, com a intenção de usurpar a coroa, Davi preparou imediatamente um exército e marchou contra ele. Quem não pensaria que a intenção do pai era castigar o seu filho desobediente e pô-lo fora do caminho? No entanto, o seu coração amoroso e paternal estava disposto a agir de forma bem diferente. Quando enviou os seus generais para o combate, a sua mais estrita prescrição foi: 'Por favor, poupai-me o jovem Absalão!'⁹. O seu desejo não era apenas que o seu filho não fosse morto, mas que fosse protegido: 'salvai-o!'. Mas será que Davi agiu de forma coerente com isso? Se ele desejava que Absalão fosse salvo, por que enviou um exército contra ele? Ou será que foi obrigado a fazê-lo para se proteger? Caso contrário, não poderia ter mantido o seu exército em casa, se não quisesse que o seu filho sofresse qualquer dano? Na verdade, ele poderia ter feito tudo isso, diz Santo Agostinho, mas ele queria humilhar o orgulho do seu filho rebelde. Vou mostrar-lhe, pensou ele, que não me falta poder para o castigar, para que, assustado à vista do meu exército, se submeta e volte para o seu pai; mas os meus generais devem saber que não desejo a sua morte e, por isso, ordeno-lhes que o poupem e não lhe façam mal. Tal é, também, a razão pela qual o Deus Todo Poderoso assumirá a aparência de ira quando Ele, como vimos no último sermão, mediante terríveis presságios, chamará todas as criaturas às armas para derrubar os pecadores, seus filhos rebeldes. O seu objetivo é castigar a sua desobediência, de tal modo que, por medo do juízo final iminente e dos sinais que o precedem, eles se humilhem e, fazendo penitência oportuna, alcancem a vida eterna. 'Poupai-me o meu filho', diz Ele com o seu coração paternal e amoroso: 'Salvai as almas dos meus filhos, embora sejam rebeldes e desobedientes!'
E, como lemos na Sagrada Escritura, é assim que Deus sempre agiu. Quando Ele foi forçado pelos muitos pecados da humanidade a infligir algum castigo geral sobre o mundo, Ele quase nunca o fez sem ter anunciado muito antes por meio dos seus profetas, ou por meio de sinais e presságios, para que os homens, fazendo penitência oportuna, pudessem escapar dos efeitos de sua ira. Assim agiu com os ninivitas, a quem enviou o profeta Jonas para anunciar por todas as ruas da cidade: 'Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída'¹⁰. Quem, ao ouvir esta terrível ameaça, não imaginaria que Deus estava extremamente irado contra a cidade ímpia? No entanto, não há dúvida de que, com essa ameaça, Ele se mostrou extremamente misericordioso e condescendente com ela. São João Crisóstomo, considerando esta circunstância, dirigiu-se a Deus maravilhado, perguntando-lhe: 'Meu Senhor e meu Deus, o que fazeis? Porque anunciais o castigo que quereis infligir?'¹¹. Faço-o, responderia o Omnipotente, para não ser obrigado a castigar; para que as minhas ameaças não tenham de ser cumpridas. E os ninivitas tinham a certeza dessa verdade; conheciam a Deus e sabiam que Ele é um Senhor misericordioso¹², como nos diz Santo Efrém. Quando ouviram o sermão de Jonas, recolheram-se todos, fizeram penitência e, assim, aplacaram a ira de Deus, de modo que as suas ameaças contra eles não se concretizaram.
Foi assim também que Ele agiu em relação ao perverso rei Faraó, que tão cruelmente perseguiu o povo de Israel. As muitas e maravilhosas pragas com que Ele afligiu a toda a terra do Egito são bem conhecidas das Escrituras, mas Ele só infligiu uma delas depois de ter enviado Moisés ao Faraó para o avisar, caso não permitisse a saída do povo eleito: 'farei perecer teu filho primogênito'¹³, ao que se seguiu outras pragas terríveis. Se o Faraó tivesse submetido, nenhuma das ameaças teria sido cumprida. E foi assim que o Todo Poderoso agiu depois. Quando quis entregar a cidade de Jerusalém nas mãos dos seus inimigos, Isaías teve de vaguear pelas ruas durante muito tempo, sem roupa, para avisar da calamidade iminente. Quando ameaçou o povo judeu com a escravidão sob o duro jugo dos assírios, enviou antes Jeremias acorrentado. E ainda, quando estava prestes a castigar os habitantes de Jerusalém com a fome, Ezequiel teve de comer apenas o estrume das vacas e dos bois durante trezentos e noventa dias. Todas essas coisas eram sinais da futura ira de Deus mas, ao mesmo tempo, eram provas da sua misericórdia. Com razão diz o profeta Davi ao seu Deus: 'Mas aos que vos temem destes um estandarte, a fim de que das flechas escapassem, para que vossos amigos fiquem livres'¹⁴.
Ora, meus caros irmãos, vedes como esses sinais terríveis que devem anunciar a ira de Deus antes do último dia são, ao mesmo tempo, provas da misericórdia e bondade divinas, destinadas à conversão e emenda do pecador? E, no entanto, o que deveria excitar nosso maior espanto, é que somente um número muito pequeno de pecadores será movido então a lamentar e emendar as suas vidas perversas. O medo natural e a angústia inspirados por tão terríveis fenômenos irão fazê-los definhar de terror, é verdade; mas, quando o medo tiver passado, não serão nem um pouco melhores do que antes; serão como o povo do tempo de Noé, quando se preparava para o dilúvio. Nem mesmo acreditarão que esses sinais prenunciam o último dia, nem que o julgamento final está próximo; mas rirão dos bons que acreditarem neles e ridicularizarão a sua credulidade; e assim continuarão em pecado até que o fogo os leve impenitentes diante do tribunal de Deus; e esse será o fim de muitos. Não é isso, pergunto, uma coisa deveras surpreendente? No entanto, por que deveríamos ficar surpresos com isso, meus queridos irmãos? Não agimos exatamente da mesma maneira nos nossos dias, quando o Todo Poderoso nos envia ou nos ameaça com calamidades públicas? Isso vos mostrarei na Segunda Parte deste sermão.
1. Venit in omnem regionem Jordanis, praedicans baptismum poenitentiae in remissionem peccatorum (Lc 3,3).
2. Poenitentiam agite; appropinquavit enim regnum caelorum (Mt 3,2).
3. Dirigite viam Domini (Jo 1,23).
4. Cum iratus fueris, misericordiae recordaberis (Hab 3,2).
5. Ut corda hominum ad judicium praeparentur, hujusmodi signis praemoniti.
6. Nemo volen ferire, dicit, observa.
7. Si damnare vellet, taceret.
8. Erunt signa in sole, et luna, et stellis, et in terris pressura gentium prae confusione sonitus maris et fluctuum (Lc 21,25).
9. Servate mihi puerum Absalom (2Sm 18,5).
10. Adhuc quadraginta dies, et Ninive subvertetur (Jn 3,4).
11. Cuju rei gratia quae facturus es mala, praedicis? (S.Chrys. Hom. de Jon.)
12. Cognoverunt Deum ut misericordem.
13. Ecce ego interficiam filium tuum primogenitum (Ex 4,23).
14. Dedisti metuentibus te significationem, ut fugiant a facie arcus; ut liverentur dilecti tui (Sl 54,6).
(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 28, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)