terça-feira, 6 de junho de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLVI)


MORTE E RESSURREIÇÃO

Que dor hei de levar por sobre estes meus ombros, que medonha aflição dos meus sentidos?
Minhas mãos não estarão vazias e meu coração silencioso como a noite que se finda?
Que dor hei de levar?
Na imensidão dos meus atalhos inúteis, na busca desenfreada pelas horas forjadas da falta de tempo,
pela sombras onde ousei me descansar da luz,
que nada hei de levar?
Dos risos fáceis ou das manhãs de sol, do vento no rosto, das passadas febris,
caminhos que fiz sem saber onde chegar por tantos caminhos sem fim, 
que passo além hei de levar?
Olhando sobre as cabeças com a luneta do orgulho, encimado na torre da vanglória,
serei vestígio das minhas crenças vazias ou refém das minhas próprias mordaças?
Que serei eu então diante de Vós?

Que ai poderia eu gemer neste momento; que olhos terei para vos contemplar?
Não tenho mais para onde ir e coisa alguma para recomeçar o que não tem mais tempo de ser.
O que serei então?
Nesse livro de poucas páginas e de frases soltas feitas dos sussurros dos sentidos,
que ousaria chamar de minha vida sem autoria alguma, estarei miseravelmente só com meus pecados.
E Vós ainda tereis parte comigo?
Ansiaria por luz quem vislumbrou senão sombras; ansiaria por glória quem vacilou penumbras?
O que restou de mim da argila prima não será senão um barro disforme e sem peso algum, o nada que restou.
O que há de acontecer então?

Sairei do chão como barro arremessado aos ares, flecha galgada por arco retesado a sopesar alturas,
pleno da forma divina que me antecipa a glória do espírito que não retém limites.
Estareis ao meu lado nesta fuga.
Permanecerei espasmo de vida num segundo, e então toda a plenitude da graça como herança,
como fruto da redenção que amadureceu de repente para sempre, para sempre, para sempre...
Terei eu então a dimensão dos santos.
Contemplarei o meu Deus face a face e não terei mais sopro algum da humana sorte,
pois entrarei em prados verdejantes ressuscitado e revivido e, como louvor de todos os louvores,
Vós estareis comigo eternamente.

(Arcos de Pilares)