Cuidai de que não desapareça jamais a mansidão de vosso coração, diz Santo Agostinho: De corde lenitas non recedat. Não vos vingueis por vossa própria conta, mas dai lugar a que passe a cólera, diz São Paulo: Non vos metipsos defendentes, sed date locum irae (Rm 12, 19). Deixai passar a ira, isto é, guardai silêncio, cedei aquele que se enfurece, sede dóceis, sofrei com paciência a injúria, não digais nada até que a calma tenha modificado vosso coração para que caiba nele a doçura e a caridade.
'Irmãos meus' - diz São Paulo aos Gálatas - 'se alguém cair desgraçadamente em algum delito, vós que sois espirituais, cuidai de levantá-lo com doçura, refletindo naquilo que se passa com cada um de vós mesmos, e temendo cair, como ele, na tentação': Fratres, et si praeoccupatus fuerit homo in aliquo delicto; vos, qui spiritales estis, hujusmodi instruite in spiritu lenitatis, considerans te ipsum ne et tu tempteris (Gl 6, 1).
Jesus Cristo, diz Santo Agostinho, pronunciou estas palavras: 'Aprendei de mim, não a fazer um mundo, não a criar as coisas visíveis e invisíveis, não criar outras maravilhas aqui na terra, nem a ressuscitar os mortos; mas, sim, aprendei de mim como ser manso e humilde de coração': Discite a me, non mundum fabricare, non cuncta visibilia et invisibilia creare, non ipso in mundo mirabilia facere, et mortos suscitare; sed quoniam mitis sum et humilis corde. 'Praticai a mansidão para com todos', disse São Paulo a seu discípulo Timóteo: Sed mansuetum esse ad omnes (2 Tm 2, 25). Somente com a mansidão destroem-se os abusos.
Em que consiste a mansidão:
1. Conservar para com todos a bondade do coração e da linguagem;
2. Moderar a ira dos demais por uma resposta honrosa, quieta, e sem fel;
3. Sofrer com paciência as injúrias;
4. Alegrar-se nelas;
5. Vencer a animosidade de um inimigo, atraí-lo, ganhá-lo e convertê-lo em amigo, com bons procedimentos e benefícios;
6. Não querer vingança;
7. Conviver sem acidez, sem soberba, sem desdém, sem querer se antepor a ninguém, sem insultar ao desgraçado, sem confrontar ao soberbo; senão procurando ganhar a uns e a outros com tato e insinuar-se com habilidade no coração deles, sem que ninguém se aperceba disso.
Quando mais áspera e dura é a pessoa, ou quanto mais extravagante o caráter daquele com quem tenhamos de tratar, mais doçura, mais mansidão, e modos mais amistosos e sinceros devemos empregar na ocasião. Não devemos opor jamais raiva a raiva, violência a violência; pois, ao contrário, a paciência e a caridade devem ser nossa norma.
A doçura é certa habilidade de espírito que, tanto nas honras quanto nas humilhações, mantém ao homem em uma perfeita igualdade de caráter. É uma virtude que chega até a fazer-nos rezar, sem que nos perturbemos, por aqueles que nos perturbam e nos molestam. Pode-se comparar a mansidão a um rochedo elevado e inabalável que resiste aos furores do mar e arrebenta suas ondas embravecidas.
Convém não fazer resistência aos que nos maltratem. A lã detém uma bala de canhão; e, entretanto, a bala rompe, atravessa, destrói as mais duras e sólidas muralhas. Não resistir, é vencer pela virtude aquele que nos ataca pela paixão. Assim, nós nos manifestamos mais fortes que ele. Não resistir, é retirar da ira os meios de acender-se. Não contestando nada e conservando a calma e um rosto pleno de doçura, o homem manso triunfa de tudo.
Devemos tomar parte nos males que nosso próximo sofre, aguentar seu mau humor, desculpar seus defeitos, condescender a seus desejos quando o possamos, e humilhar-nos sem obstáculos. Há doçuras fingidas, doçuras desdenhosas, plenas de um orgulho oculto: existe uma ostentação e afetação de mansidão mais repugnante e insultante que o azedume declarado; é a mansidão do tigre, é uma doçura hipócrita, soberanamente detestável e perigosa. Nossa mansidão deve ser sincera, consciente, modelada sobre a de Nosso Senhor Jesus Cristo, e semelhante à mansidão de Moisés, de Davi, de São Francisco de Sales e de tantas outras almas escolhidas.
(Dos Tesouros de Cornélio à Lápide)