sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (52/54)


52. ENTRE NA MINHA GUARITA!

O veterano capitão Hurtaux, cavaleiro da Legião de Honra, não era católico praticante; tinha, como muitos homens, certo temorzinho ou respeito humano de chegar-se à confissão. Muito antes de dar o passo definitivo, gostava de invocar a Santíssima Virgem, indo rezar no santuário de Nossa Senhora em Chartres, onde morava.

Um dia, estando de joelhos diante de um grande Cristo na catedral, viu que um sacerdote, que o conhecia e tinha a franqueza de um militar, aproximou-se, bateu-lhe no ombro e disse:
➖ Capitão, pouco adianta estar o senhor estar aí a rezar, se não se põe na graça de Deus. E, tomando-o pelo braço, acrescentou:
➖ Entre na minha guarita.

O capitão deixou-se levar, fez a sua confissão e saiu com o rosto radiante e a alma revestida da graça de Deus. Foi desde esse dia um cristão modelo: todos os dias fazia a sua hora de guarda aos pés de Nossa Senhora e não se levantara sem lançar um afetuoso olhar para a Mãe do Céu. Um dia, afinal, já não pôde ir fazer a guarda e teve Nosso Senhor, sem dúvida acompanhado de sua Mãe, que vir ao leito de morte de seu servo. Recebeu os sacramentos com fé viva e, ao apresentar-lhe o padre a sagrada Hóstia, exclamou:
➖ Senhor, não sou digno... não sou digno que venhais à minha casa, mas sois tão bom!

O capitão não se envergonhava de suas crenças nem dissimulava suas práticas piedosas e sabia tapar a boca dos que o interpelavam.
➖ Aonde vais? perguntou-lhe certo dia um amigo, ao vê-lo dirigir-se a uma igreja.
➖ Vou aonde tu deverias ir e não tens coragem.
Com este seu gênio tão simples como firme granjeara o respeito de todos.

53. UM CASTIGO E UMA GRAÇA

O Sr. Beauveau, marquês de Novian, deveu a sua conversão e vocação religiosa à Companhia de Jesus a uma vitória sobre o respeito humano para honrar a Nossa Senhora. Em 1649, estando as tropas alemãs na região da Alsácia-Lorena, alguns soldados alojados em Novian, depois de haverem bebido em excesso, puseram-se a jogar. 

Um deles, depois de haver perdido no jogo, vendo uma estátua de Nossa Senhora colocada na parede, ficou furioso como se fôra ela a causa de sua falta de sorte, e começou a golpeá-la proferindo horríveis blasfêmias. Apenas terminara, caiu por terra com um tremor em todo o corpo e dores tão fortes e contínuas que foi impossível fazê-lo tomar alimento durante quatro ou cinco dias. Tendo a tropa recebido a ordem de partir, ataram o infeliz em seu cavalo para que acompanhasse a marcha. Soube-se que, à força de agitar-se, caíra da montaria e morrera no caminho, mordendo a terra espumando de raiva.

Naquela vila falou-se, por muito tempo, do exemplar castigo do blasfemo. Dois anos após, a pedido de um missionário, resolveu-se fazer um ato solene de reparação. Para esse fim, foram àquela casa em procissão o vigário, o missionário, alguns outros sacerdotes e o povo de Novian com o marquês à frente.

Chegados ao lugar, por mais que o padre chamasse a alguns homens, nenhum se apresentou para levar a imagem à igreja. O Sr. Beauveau, indignado com semelhante indiferença para com Nossa Senhora, sentiu-se interiormente movido a levá-la ele mesmo. Apesar do respeito humano e de parecer beato aos olhos daquela gente, tomou a imagem e levou-a com respeito à capela do castelo onde, por ordem do bispo, foi colocada com todas as honras. 

Maria Santíssima não tardou a recompensar esse ato de piedade, pois, segundo declarou ele mesmo, começou o marquês a receber tal abundância de graças e tão fortes inspirações para a vida perfeita que não só se tornou um cristão modelo, mas ainda abraçou a vida religiosa, na qual viveu e morreu santamente.

54. CASTIGO DE UM ESTUDANTE

Dois estudantes perversos iam certo dia pelo caminho que conduz ao santuário de Nossa Senhora de Ostaker, onde muitos enfermos recobram a saúde, bebendo água da fonte milagrosa. Discorriam ambos sobre como se divertiriam naquele feriado, quando um exclamou:

➖ Sabes o que vamos fazer?
➖ Não.
➖ Um milagre; sim, um autêntico milagre. Não te rias e ouve-me. Vendar-te-ei os olhos, tu te fingirás de cego e eu te levarei à fonte.
➖ E depois?
➖ Quando chegarmos, começarás a rezar, lavarás os olhos com a água, e gritarás que estás curado, que estás vendo... assim pregaremos uma peça aos devotos. Não te parece divertido?
➖ Sim, ótimo. E quando voltarmos, contaremos o prodígio aos jornais e como se rirão os leitores desses pobres imbecis que vão lá buscar saúde. Falarão de nós e nos tornaremos célebres...
➖ Vamos...

Assim foram nossos dois comediantes, fazendo cada um o seu papel, até a fonte milagrosa. Como sempre, havia ali muitos peregrinos. Vendo os dois jovens, aproximaram-se deles com sinais de simpatia como fazem os bons cristãos com os enfermos. Todos se puseram a rezar enquanto o jovem ímpio se aproximava da fonte para se lavar. 

Com o auxílio de seu hipócrita companheiro, tira o pano dos olhos, fingindo chorar e lamentar-se de seu infortúnio. Toma da água, esfrega os olhos... Mas, ó milagre! A água produz o efeito! Uma espessa névoa lhe cobre os olhos. Não vê mais nada, está cego! Lança então um grito de desespero, chama por sua mãe, conjura a Santíssima Virgem que lhe perdoe... censura seu companheiro, mudo de espanto, por lhe haver aconselhado aquela maldade.

Os peregrinos, espantados, nada compreendiam daquela cena. Fazem-lhe perguntas e arrancam-lhes a confissão da culpa. Nunca se vira emoção semelhante ao redor da fonte; em vão põem-se os peregrinos em oração para obter o perdão aos miseráveis. Deus não suporta que se zombe de Maria, sua Mãe: o cego ficou cego... Teve este tamanho pesar de seu crime, que perdeu o juízo e foi terminar num manicômio, onde esperamos que Nossa Senhora, em vista de sua pena temporal, lhe tenha alcançado a misericórdia de Deus.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

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