sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (49/51)


49. OS DOIS SOLDADOS

Foi na guerra de 1914-18. Um soldado francês narra o seguinte fato: 'Nunca me esquecerei de um episódio, que eu mesmo presenciei. Atacamos à tarde; depois de algumas oscilações, penetramos na trincheira inimiga, onde jaziam cadáveres horrendamente massacrados pelos canhões.

No momento do novo ataque, uma metralhadora inimiga camuflada abateu alguns dos nossos; eu fui um deles. Passados os primeiros instantes de terrível impressão pelo ferimento recebido, olhei ao redor. Dois soldados jaziam por terra agonizantes: um alemão, bávaro, louro e muito moço, com o ventre dilacerado e, ao lado dele, um francês, igualmente jovem. Ambos manifestavam já a palidez da morte; a minha maior dor era de não poder mover-me para socorrer ou ao menos suavizar a morte do meu camarada.

Foi quando o francês, com supremo esforço, procurou com a mão alguma coisa que estava sobre o peito, debaixo do capote. E tirou um pequeno crucifixo que levou aos lábios; depois, com voz fraca, mas ainda clara, rezou: Ave, Maria...

Vi então outra coisa. O alemão, que até aquele momento não dera sinal de vida, abriu os olhos azuis e meio apagados, virou a cabeça para o francês e respondeu: Santa Maria Mãe de Deus... O francês, um tanto, surpreendido, olhou para o seu vizinho; seus olhares encontraram-se; o francês apresentou o crucifixo ao bávaro, que o beijou; apertaram-se as mãos num frêmito de amor a Deus e à pátria; seus olhos fecharam-se, e o espírito desprendeu-se do corpo, enquanto o sol os iluminava através de purpúreas nuvens... Amém, disse em seguida, e fiz o sinal da cruz'.

50. O SORRISO DA IMACULADA

Quatro anos após a definição do dogma da Imaculada Conceição, Nossa Senhora se dignou baixar à terra para confirmar de um modo estupendo a declaração do Papa Pio IX, de santa memória. Foi em Lourdes, na França, que Nossa Senhora apareceu repetidas vezes à inocente Bernadete e, na última aparição, disse: 'Eu sou a Imaculada Conceição'. Quem refere o seguinte episódio não é nenhum devoto, nem sequer bom cristão. Ele escreve: 

'Quando já se falava muito das aparições de Lourdes, achava-me em Cauterets, povoação próxima de Lourdes, mais para distrair-me do que para curar-me. Achei graça ao ouvir que a Virgem sorrira para Bernadete e resolvi ir a Lourdes para ver a Vidente e surpreendê-la na mentira. Fui a casa dos Soubirous e encontrei Bernadete sentada à porta cerzindo umas meias. Pareceu-me o seu rosto bastante vulgar; apresentava sinais de enfermidade crônica ao par de muita doçura. A instâncias minhas contou-me as aparições com toda a simplicidade e convicção.

➖ Mas é verdade que a Virgem sorriu?
➖ Sim, sorriu.
➖ E como sorria?
A menina olhou-me com ar de espanto, e disse:
➖ Mas, senhor, seria preciso ser gente do céu para repetir aquele sorriso.
➖ Não o poderia repetir para mim? Sou incrédulo e não creio nas aparições.

O rosto de Bernadete tornou-se triste e severo.
➖ Então julga o senhor que menti?

Senti-me vencido. Não, aquela menina tão cândida não podia mentir. Ia pedir-lhe desculpas, quando ela acrescentou:
➖ Bem; se o senhor é um pecador, tentarei imitar o sorriso de Nossa Senhora.

A menina ergueu-se lentamente, juntou as mãos e um reflexo celeste iluminou seu rosto. Um sorriso divino, que jamais vi em lábios mortais, encantou os meus olhos. Sorria ainda, quando caí de joelhos, vencido pelo sorriso da Imaculada nos lábios da ditosa vidente. Desde aquele dia nunca mais se me apagou da imaginação aquele sorriso divino. Passaram-se muitos anos, mas a sua recordação enxugou-me muitas lágrimas ao perder a minha esposa e minhas duas filhas. Parece-me estar só no mundo e vivo do sorriso da Virgem'.

51. NÃO IREI DORMIR EM PECADO

Quando fez a sua primeira comunhão, tomou um menino a resolução de nunca ir dormir em pecado mortal na consciência. O seu propósito era: 'se tivesse a desgraça de cair em falta grave, irei confessar-me no mesmo dia e não irei para a cama antes de me haver conciliado com Deus'. Alguns meses mais tarde teve a fraqueza de cometer um tal pecado. Era sábado, fazia mau tempo e a igreja era distante. Ele dizia:
➖ Amanhã, quando for à missa, procurarei o confessor e me confessarei.

Lembrou-se, porém, de sua promessa e uma voz interior lhe diz:
➖ Faze o que prometeste, vai te confessar...

Contudo, não se resolvia ir e, nessa luta, ajoelhou-se e implorou o auxílio de Nossa Senhora, rezando uma Ave-Maria para que lhe fizesse conhecer a vontade de Deus. Apenas terminara a sua oração, sentiu-se mais vivamente impelido a ir confessar-se imediatamente. Levantou-se, correu à igreja e confessou-se.

De volta encontra-se com sua madrinha, que lhe pergunta de onde vem.
➖ Acabo de confessar-me, diz com rosto alegre e feliz: cometi um pecado e não quis ir dormir sem alcançar o perdão; agora, sim, tendo recuperado a graça de Deus, posso dormir tranquilo...

Sua mãe tinha o costume de deixá-lo dormir um pouco mais aos domingos; por isso não foi despertá-lo cedo. Às sete horas bate à porta, chama-o pelo nome. Não tem resposta. Passa um quarto de hora e o menino não aparece. Chama-o de novo, mas sem resultado algum. Inquieta, abre a porta, abeira-se da cama onde o filho jaz imóvel; pega-lhe, está fria; fixa-o um instante, dá um grito e desmaia. O menino estava morto! E se não tivesse ido confessar-se?

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

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