Erat (Iesus) eiciens daemonium, et illud erat mutum — Estava (Jesus) expelindo um demônio, e ele era mudo (Lc 11, 14).
Sumário. O demônio mudo de que fala o Evangelho significa o falso pejo com que o espírito infernal, depois de seduzir o cristão a ofender o seu Deus, procura fazê-lo ocultar o pecado na confissão. Ah, quantas almas caem todos os dias no inferno por este ardil diabólico! Meu irmão, se jamais o demônio te vier tentar assim, pensa que, se é vergonhoso ofender a Deus tão bom, não o é o confessar o pecado cometido e o livrar-se dele. Quantos santos são venerados sobre os altares que fizeram até uma confissão pública!
I. O demônio mudo de que fala o Evangelho é o falso pejo com que o espírito infernal procura fazer-nos calar na confissão os pecados cometidos, depois de primeiro nos ter cegado para não vermos o mal que cometemos e a ruína que nos preparamos ofendendo a Deus. 'Com efeito', exclama São João Crisóstomo, 'o demônio faz em todas as coisas o contrário do que Deus faz'. O Senhor pôs vergonha no pecado, para que não o cometamos; mas depois de o havermos cometido, anima-nos a confessá-lo, prometendo o perdão a quem se acusa. O demônio, ao contrário, inspira confiança ao pecador com a esperança do perdão; mas cometido o pecado, cobre-o de vergonha, para que não se confesse.
Por este ardil diabólico, quantas alma já foram precipitadas e ainda se precipitam cada dia no inferno! Sim, porque os miseráveis convertem em veneno o remédio que Jesus Cristo nos preparou com seu preciosíssimo sangue, e ficam presas com uma dupla cadeia, cometendo depois do primeiro pecado outro mais grave: o sacrilégio. Irmão meu, se por desgraça a tua alma está manchada pelo pecado, escuta o que te diz o Espírito Santo: Pro anima tua ne confundaris dicere verum [pela tua alma, não te envergonhes de dizer a verdade (sobre os teus pecados) (Eclo, 4, 24].
Sabe, diz ele, que há duas qualidades de vergonha; deves fugir daquele que te faz inimigo de Deus, conduzindo-te ao pecado; mas não da que se sente ao confessá-lo e te faz receber a graça de Deus nesta vida e a glória do paraíso na outra. Se, pois, te queres salvar, não te envergonhes de fazer uma boa confissão; aliás a tua alma se perderá. As feridas gangrenosas levam à morte e tais são os pecados calados na confissão; são chagas da alma que se gangrenaram.
II. Meu filho, vergonhoso é o entrar nesta casa, mas não o sair dela. Assim falou Sócrates a um seu discípulo que não quis ser visto ao sair de uma casa suspeita. É o que digo também àqueles que, depois de cometerem um pecado grave, tem pejo de o confessar. Meu irmão, coisa vergonhosa é ofender a um Deus tão grande e tão bom; mas não o é confessarmos o pecado cometido e livrar-nos dele. Foi porventura coisa vergonhosa para Santa Maria Madalena o confessar em público aos pés de Jesus Cristo, que era uma mulher pecadora? Foi motivo de pejo confessar-se uma Santa Maria Egipcíaca, uma Santa Margarida de Cortona, um Santo Agostinho, e tantos outros penitentes, que algum tempo tinham sido grandes pecadores? Por meio de sua confissão fizeram-se santos.
Ânimo, pois, meu irmão, ânimo! (Falo a quem cometeu a falta de ocultar por vergonha um pecado). Tem ânimo e dize tudo a um confessor. Dá glória a Deus e confunde o demônio que, como diz o Evangelho, quando saiu do homem, anda por lugares secos, buscando repouso, e não o acha. Porém, depois de teres confessado bem, prepara-te para novos e mais violentos assaltos da parte do inimigo infernal. Ai de quem o deixa entrar novamente, depois de o haver expulso! Et fiunt novíssima hominis illius peiora prioribus — 'O último estado do homem virá a ser pior do que o primeiro'.
Ó meu amabilíssimo Jesus! Ilumina o meu espírito, a fim de que nunca mais me deixe obcecar pelo espírito maligno a cometer de novo o pecado. Pesa-me de Vos haver ofendido, e proponho com a vossa graça antes morrer que tornar a Vos ofender. Mas, se por desgraça recair, dai-me força para sempre vencer o demônio mudo e confessar-me sinceramente ao vosso ministro. 'Peço-Vos, Deus Todo-Poderoso, que atendais propício às minhas humildes súplicas e que, em minha defesa, estendais o braço de vossa majestade'. Doce Coração de Maria, sede minha salvação.
(Meditações para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I, de Santo Afonso Maria de Ligório)