XXVIII
NATUREZA DA VIRTUDE DE RELIGIÃO
Que entendeis por virtude de religião?
A virtude de religião é assim chamada porque constitui o vínculo que deve ligar o homem com Deus, como princípio de todo bem, e uma perfeição da vontade, mediante a qual se aprecia e estima em seu verdadeiro valor a relação de dependência do homem para com Deus, como primeiro princípio, último fim, ser infinitamente perfeito e causa primeira de toda a perfeição (LXXXI, 1-5)*.
Quais são os seus atos?
Os atos próprios da religião são todos os que, por sua natureza, manifestam e confessam esta dependência. Pode, além disso, a virtude da religião ordenar para este mesmo fim os atos das outras virtudes e, neste caso, podemos dizer, que converte a vida do homem em um ato de culto permanente (LXXXI, 7-8).
Como poderemos chamá-la neste último caso?
Podemos chamá-la de santidade, porque santo é o homem cuja vida se transforma num ato de religião (LXXXI, 8).
É grande e excelente a virtude da religião?
Depois das Virtudes Teologais, é a mais excelsa (LXXXI-6).
Por que?
Porque, entre todas as virtudes morais, cuja finalidade é disciplinar a atividade consciente do homem para lançá-lo na conquista de Deus, conhecido pela fé, prometido pela esperança e amado pela caridade, nenhuma tem objeto mais elevado e próximo do último fim. As outras virtudes regulamentam os atos e deveres do homem para consigo mesmo ou para com as outras criaturas; a religião ensina-lhe as suas obrigações para com Deus, a reconhecer e acatar a sua soberana majestade, a servi-lo e honrá-lo como servido e honrado quer ser Aquele cuja grandeza e perfeição excedem, com diferença infinita, a de todas as criaturas (Ibid).
XXIX
ATOS INTERIORES DA RELIGIÃO: A DEVOÇÃO E A ORAÇÃO: SUA NECESSIDADE E FÓRMULA — O PAI NOSSO OU ORAÇÃO DOMINICAL E SUA EFICÁCIA
Qual é o primeiro ato da religião?
O ato interior chamado devoção.
Que entendeis por devoção?
Um movimento da vontade, em virtude do qual ela (e quanto dela depende) se acha sempre disposta para empregar-se no serviço de Deus. (LXXXII, 1, 2).
Qual é, depois da devoção, o primeiro ato com que o homem se ocupa no serviço de Deus?
A oração.
Que entendeis por oração?
No sentido mais elevado da palavra, é um ato da razão prática, mediante o qual intentamos persuadir a Deus para que cumpra os nossos desejos e, para consegui-lo, empregamos a súplica e a petição (LXXXIII, 1).
É possível e razoável semelhante intento?
Sim, Senhor; e não há coisa no mundo mais razoável, nem mais conforme com a nossa natureza (LXXXIII,2).
Por que?
Posto que sejamos seres racionais e conscientes, temos necessidade de saber quem é Deus e quem somos nós: Ele é fonte e origem de todo o bem e perfeição; nós pura indigência; logo, com quanta maior firmeza nos formos convencendo da nossa pequenez e miséria, tanto em geral como em cada caso particular, e de que só Ele pode remediar-nos, mais nos ajustaremos ao que de nós exige a própria natureza; este é, pois, o objeto da oração: donde se segue que, tanto mais perfeita será quanto melhor nela adquiramos o conceito mais cabal da própria pequenez e da grandeza e generosidade divinas: e por onde viremos ao conhecimento da razão por que Deus, em sua infinita misericórdia, quis que orássemos e decretou não conceder-nos coisa alguma se não com a condição de pedirmos.
Logo, quando tratamos de forçar a Deus para satisfazer os nossos desejos, limitamo-nos a cumprir a sua vontade?
Quando pedimos bens conducentes à nossa salvação, sim, Senhor.
Deus ouve e atende sempre às nossas orações?
Quando, movidos pelo Espírito Santo, pedimos alguma coisa em harmonia com a nossa felicidade, sim, Senhor (LXXXIII, 15).
Existe alguma fórmula de orar com cujo emprego podemos estar seguros de pedir sempre o que convém?
Há uma que podemos chamar fórmula por excelência, conhecida com o nome de Pai Nosso ou Oração Dominical (LXXXIII, 9).
Que entendeis por Oração Dominical?
A que Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou no Evangelho.
Qual é?
Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas dividas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.
Contém esta oração tudo o que podemos e devemos pedir a Deus?
Sim, Senhor; e quanto lhe pedimos e se é justo o nosso desejo, ele se acha incluído em alguma das petições do Pai Nosso (LXXXIII, 9).
Tem a Oração Dominical alguma outra qualidade própria e exclusiva dela?
Sim, Senhor; a de por nos lábios, com a mesma ordem que deve ter no coração, o que estamos obrigados a querer e a desejar (Ibid).
Podereis dar a razão da ordem das suas petições?
Sim, Senhor; a primeira coisa que estamos obrigados a desejar é a glória de Deus, fim e objeto da criação; donde se segue que também nós devemos cooperar para ela, e o único meio eficaz de cooperar consiste em sermos admitidos a participar dela no céu. Este é o significado das duas primeiras petições: 'Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino'. A glória de Deus e a nossa Nele é o término da jornada da vida; mas para obtê-lo, necessitamos conquistá-lo e merecê-lo; a única maneira de merecê-lo é fazer neste mundo, do modo mais perfeito possível, a vontade de Deus. Isto pedimos ao dizer: 'Faça-se a vossa vontade assim na terra, como no céu'. Porém, como não podemos cumprir devidamente a vontade de Deus, se Ele não vem em auxílio de nossa fraqueza, tanto nas necessidades materiais, como nas espirituais, por isso ajuntamos: 'O pão nosso de cada dia nos dai hoje'. Com este auxílio teríamos o suficiente, se além disso não tivéssemos necessidade de afastar certos obstáculos que se opõem, uns à aquisição do reino dos céus, outros ao cumprimento da vontade de Deus, e outros que impedem de nos dedicarmos ao serviço divino, como os padecimentos, as penas e a falta do necessário para viver; por isso dizemos: 'Perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixeis cair em tentação; mas livrai-nos do mal' (LXXXIII, 9).
Por que iniciamos a oração Dominical com as palavras 'Pai Nosso que estais no céu'?
Para excitar em nós uma confiança ilimitada, pois Aquele a quem invocamos é Pai, e reina no céu como Dono Onipotente do universo (LXXXIII, 9 ad 5).
É conveniente rezar com frequência o Pai Nosso?
Convém, antes de tudo, nutrir-se da sua seiva e espírito, e depois rezá-lo de quando em quando, com a maior frequência que nos permitam as nossas ocupações e gênero de vida (LXXXIII, 14).
Quaisquer que sejam as nossas ocupações, não devemos passar nem um dia sem rezá-lo?
Não, Senhor.
A quem devemos dirigir as nossas orações?
Exclusivamente a Deus, pois só Dele esperamos o que lhe pedimos. Podemos contudo, orar a algumas criaturas, suplicando-lhes que intercedam em nosso favor diante do trono do Senhor (LXXXIII, 4).
Quais são as criaturas a quem podemos orar?
Os Anjos e Santos do céu e os justos da terra (LXXXIII, 11).
É conveniente e louvável encomendar-se aos santos e solicitar as suas orações?
Sim, Senhor.
Existe alguma criatura que tenha títulos especiais para que os homens se acolham ao seu amparo e proteção?
Sim, Senhor; a Santíssima Virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado e Senhor Nosso, Jesus Cristo.
Que nome se deu à Santíssima Virgem, atenta a missão especial que tem de rogar pelos homens?
O de Onipotente pela intercessão.
E isto o que quer dizer?
Que Deus acolhe favoravelmente as súplicas daqueles por quem ela intercede.
Há alguma fórmula consagrada de orar para pedir a mediação e amparo da Santíssima Virgem?
Sim, Senhor: a Ave Maria.
Como a rezamos?
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.
Quando devemos rezá-la?
Com a maior frequência possível e particularmente, nas orações privadas, depois do Pai Nosso.
Existe algum modo de orar em que de maneira singularmente perfeita se juntem e enlacem estas duas orações para assegurar a sua eficácia?
Sim, Senhor; o Santíssimo Rosário.
Que entendeis por Rosário?
Uma maneira de orar que consiste em meditar os quinze principais mistérios da nossa Redenção e rezar durante a Meditação de cada um, um Pai Nosso e dez Ave-Marias, terminando com o 'Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém'.
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)