Era uma vez uma gota de água que, de repente, sentiu o chamado do mar, e para o mar foi apressurada e transparente. Pelo leito do regato corria cantarolando. Tudo se alegrava com sua presença: as margens floresciam à sua passagem, os bosques reverdeciam, as avezinhas cantavam. E para o mar corria límpida e cantarolando.
Mas, um dia, cansou-se de tanto caminhar pelo leito apertado do regato. Ao saltar sobre a represa de um moinho divisou no horizonte a terra, e em terra desejou converter-se. Aproveitando o desvio que dava para uma cisterna, desgarrou-se da mãe e estacionou. Inesperadamente, sentiu-se prisioneira da terra; converteu-se em lama suja, mal-cheirosa, podre: repugnantes animalejos cresceram em seu seio e o sol deixou de se espelhar nela.
Numa tarde, passou por aí um viandante; deteve-se perto do lamaçal e, sentencioso, exclamou: 'Pobre água! Ias para o mar e ficaste neste charco!' Teve pena dela. Inclinou-se, tomou-a no côncavo da mão e devolveu-a ao regato, dizendo: 'Pobre gota! Retoma tua vocação! Vai-te para o mar!'
Alma, compreendeste essa parábola? É a tua própria história. A história da água começa assim: 'Era uma vez uma gota de água que de repente sentiu o chamado do mar...' A tua começa assim: 'Era uma vez uma alma que, ao sair do colégio, de uma missão, de uma confissão, sentiu de repente o chamado de Deus'.
Todavia estou-te vendo regressar para casa, daqueles exercícios. Voltavas cantando, generosa para aquele convite santo. Alegravas a todos com tua presença: a casa, os arredores, os agrupamentos, os passeios. E assim era. Tanto que, admirados, chegam a perguntar-te: 'Mas, que te aconteceu?' 'Nada!' respondias, o Senhor passou e eu ouvi o chamado de seu amor'.
Mas um dia te cansaste. Cansou-te o leito acanhado do plano de vida, a sujeição à direção espiritual. Vias outras almas, livres de obrigações e deveres, correrem pelos campos onde não havia os mandamentos da Lei de Deus, rindo-se, aparentemente satisfeitas consigo mesmas. E tu saíste do regato. Foste pelas margens do plano de vida; aproveitaste uma ocasião qualquer: bodas, festa, férias, veraneio, e deixaste tudo. Que tudo fosse rodando... tu também querias liberdade.
Súbito sentiste que eras prisioneira da terra, com suas modas exageradas, seus modos atrevidos, cheia de tibiezas, fria de generosidade, enlameada de pecados graves. Tu te convertes-te em triste lamaçal! É para exclamar: 'Pobre alma!' Ias para o mar e te tornaste um charco. Voavas para o alto e quebraste as asas. Vives rasteira! Durou tão pouco!
Pensar, ó meu Deus, que existem gotas de água que nunca chegaram ao mar! Pensar, ó meu Deus, que existem almas que perderam a vocação para a santidade por própria culpa! Pensar, ó meu Deus, que uma dessas almas sou eu!
Que diferença! O que eu era antes e o que sou agora! Aquela paz, aquela alegria interior, cristalina e transbordante; aquelas comunhões e meditações que eu fazia voando em asas de neve; aquele correr inquieto para Deus... E agora esse rastejamento, esse estancamento, essa vida vazia! Mas não esmoreças, alma irmã. Sem saberes por que, sem nada fazeres, acaba de passar um viandante, o Divino Peregrino. Ele detém-se ciente de tua inatividade espiritual. Não percebes a sua presença?
Vejo que Ele se inclina para ti; toma no côncavo de sua graça a gota de água de tua vida e exclama: 'Pobrezinha! Não sejas lamaçal! Recobra a tua vocação para o mar! Corre cantando para o oceano do amor!' Quando termino, Senhor, esta meditação, existe uma alma que tornou a sentir em suas entranhas o chamado do Amor, uma alma que quer ser mar, que voltará com a tua graça a correr generosa, que te amará. E essa alma é a minha alma; agradecida. E que assim seja.
(P. López Arróniz)