A primeira razão que temos de aspirar à santidade, é 'a vontade de Deus': Haec est voluntas Dei sanctificatio vestra. Deus quer, não só que nos salvemos, mas também que sejamos santos. E qual o motivo desta vontade de Deus? 'É que Ele próprio é santo': Sancti estote, quoniam ego sanctus sum. Deus é a própria santidade; nós somos criaturas suas; Ele quer que a criatura reproduza a Sua imagem: mais ainda, quer que, 'na nossa qualidade de filhos, sejamos perfeitos, como Ele, nosso Pai celeste, é perfeito': Estote perfecti, sicut et Pater vester caelestis perfectus est. É o preceito de Jesus.
Deus encontra a sua glória na nossa santidade. Não esqueçamos nunca esta verdade: cada grau de santidade a que chegarmos, cada sacrifício que fizermos para a adquirir, cada virtude que com seu brilho ornar a nossa alma, será eternamente uma glória para Deus. Diariamente cantamos, e parece-me que cada dia com mais satisfação: Tu solus sanctus, Jesu Christe - 'Só Vós sois Santo, ó Jesus Cristo' e, por isso, sois a grande glória de Deus. Durante toda a eternidade Jesus Cristo dará uma glória infinita ao Pai, mostrando-lhe as suas cinco chagas, magnífica expressão de soberana fidelidade e perfeito amor com que 'sempre cumpriu o que o Pai reclamava dEle': Quae placita sunt ei facio semper.
O mesmo se dá com os santos. Estão 'diante do trono de Deus' e incessantemente lhe dão alegria. O zelo ardente dos Apóstolos, o testemunho dos Mártires purpurado de sangue, a profunda ciência dos Doutores, a radiante pureza das Virgens constituem outras tantas homenagens agradáveis a Deus. Nesta 'multidão que ninguém pede contar', cada santo brilha com particular fulgor; e Deus olhará com eterna complacência para os esforços, lutas e vitórias desse santo, que são quais outros tantos troféus aos pés de Deus, a honrar as suas infinitas perfeições e a reconhecer os seus direitos.
É, portanto, para nós ambição legítima trabalhar com todas as forças para adquirir esta glória. que Deus recebe da nossa santidade; devemos aspirar ardentemente por fazer parte dessa sociedade bem-aventurada, em que o próprio Deus pôs as suas complacências. É para nós motivo de não nos contentarmos com uma perfeição medíocre, mas de visarmos incessantemente a corresponder, o mais perfeitamente possível, ao desejo de Deus: Sancti estote, quia ego sanctus sum.
Outra razão é que, quanto mais elevada for a nossa santidade, mais exaltaremos o valor do sangue de Jesus. Diz São Paulo que 'Jesus Cristo se entregou inteiramente à morte, e morte da cruz, para santificar a Igreja e fazer dela uma sociedade resplandecente, sem mácula nem ruga, santa e imaculada'. Foi este o fim do seu sacrifício. Ora uma das causas mais vivas de aflição para o Coração de Jesus durante a agonia no Horto das Oliveiras, foi a perspectiva da inutilidade do seu sangue para tantas almas que haviam de rejeitar o dom divino: Quae utilitas in sanguine meo?
Jesus Cristo compreendia que uma só gota daquele sangue seria suficiente para purificar o mundo e santificar multidões de almas: mas, para obedecer ao Pai consentiu, com indizível amor, em derramar até à última gota este sangue que continha a virtude infinita da Divindade. E, no entanto, temos de dizer: 'Que utilidade resultou do derramamento deste sangue'? A grande ambição que faz palpitar o Coração de Jesus é glorificar o Pai; por isso, o seu mais veemente desejo - quomodo coarctor - era dar a vida para atrair ao Pai inúmeras almas que produzissem muitos frutos de vida e de santidade: In hoc clarificatus est Pater meus, ut fructum plurimum afteratis.
Mas quantos há que compreendam o ardor do amor de Jesus? Quantos correspondem aos desejos do seu Coração? Tantas almas que não cumprem as leis divinas! Outras guardam os mandamentos; mas pouquíssimas são as que se entregam a Jesus e à ação do Seu Espírito com essa plenitude que leva à santidade. Felizes das almas que se abandonam sem reserva à vontade divina! Inteiramente unidas a Cristo, que é a vide, 'produzem abundantes frutos e glorificam o Pai celeste': proclamam sobretudo a virtude do sangue de Jesus.
Senão, vede. Qual é o cântico entoado pelos eleitos, que São João nos mostra no Apocalipse prostrados diante do Cordeiro? 'Fostes imolado e, pelo Vosso sangue, nos resgatastes para Deus, de toda a tribo, de toda a língua, de todo o povo, de toda a nação... A Vós glória e louvor'! Os santos confessam que são os troféus do sangue do Cordeiro, troféus tanto mais gloriosos quanto mais eminente é a sua santidade. Procuremos, pois, com todo o ardor das nossas almas, purificar-nos cada vez mais no sangue de Jesus, produzir esses frutos de vida e santidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua Paixão e Morte. Se formos santos, os nossos corações exultarão, durante toda a eternidade, com a alegria que daremos a Jesus Cristo, cantando os triunfos do seu divino sangue e a onipotência da sua graça.
(Excertos da obra 'Jesus Cristo nos seus Mistérios', de Dom Columba Marmion)