quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXIII)

XIV 

DO DOM DE CONSELHO CORRESPONDENTE À PRUDÊNCIA 

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da prudência?
Sim, Senhor; o dom de conselho (LII)*.

Que entendeis por dom de conselho? 
Ainda que suponhamos o homem provido de todas as virtudes infusas e adquiridas para melhor discernir o lícito do ilícito, é impossível que possa apreciar todos os casos particulares e contingentes, e a variedade quase infinita de circunstâncias capazes de modificar a sua moralidade. Tendo isto em conta, o dom de conselho é uma disposição ou qualidade transcendente da razão prática, em virtude da qual o homem abraça com prontidão e docilidade as ilustrações e moções com que o Espírito Santo vem em seu auxílio, quando se põe a meditar e discernir, no conglomerado de atos e práticas humanas, as que podem servir-lhe para alcançar a vida eterna (LII, 1, 2). 

Permanece este dom no céu? 
Sim, Senhor; ainda que em forma muito particular e distinta da de cá (LII, 3). 

Em que consiste? 
No conhecimento perfeitíssimo que têm os bem-aventurados de tudo o que contribuiu para a felicidade que já possuem e com ela se relaciona, como propriedade e consequência da posse atual ou como meio para iluminar, auxiliar e socorrer os que neste mundo lutam por se lhes juntar no céu (Ibid). 

XV 

DOS VÍCIOS OPOSTOS À PRUDÊNCIA: IMPRUDÊNCIA, PRECIPITAÇÃO OU TEMERIDADE, INCONSIDERAÇÃO E INCONSTÂNCIA — VÍCIOS QUE A SIMULAM: PRUDÊNCIA DA CARNE, ASTÚCIA, DOLO, FRAUDE E FALSA SOLICITUDE 

Existem vícios opostos à prudência? 
Há-os de duas classes; uns que se opõem por defeito, e outros por excesso. 

Com que nome se conhecem os opostos por defeito? 
Com o nome geral de imprudência (LIII). 

Que entendeis por imprudência, em geral? 
Todo ato que não se ajuste às normas da reta razão e da prudência (LIII). 

O ato imprudente pode ser pecado mortal? 
Sim, Senhor; quando se menosprezam ou infringem regras e normas divinas (Ibid). 

Quando será pecado venial? 
Sempre que se executa algum ato, ainda que seja bom, com precipitação, inconsideração ou negligência (LIII, 2). 

Que entendeis por precipitação? 
Um ato contra a prudência, que consiste em tomar resoluções antes de informar-se convenientemente (LIII, 3). 

Que entendeis por inconsideração? 
O pecado daquele que não toma em conta todos os elementos de que dispõe para formar juízo acertado nas coisas práticas (LIII, 4). 

Por que a inconstância se opõe à prudência?
Porque se opõe ao seu ato principal, que, como vimos, é o de mandar; o inconstante carece de firmeza e resolução para levar à prática os seus projetos e desígnios (LIII, 5). 

Há algum outro defeito oposto ao ato principal da prudência? 
Sim, Senhor; a negligência (LIV). 

Que entendeis por negligência? 
A falta de solicitude e presteza em ordenar a execução das resoluções tomadas depois de maduro exame, no concernente à prática da virtude (Ibid). 

É grande o pecado de negligência? 
De muito grande podemos qualificá-lo, pelo pernicioso influxo que exerce em toda a economia espiritual, pois ou a paralisa inteiramente, estorvando os seus atos ou fazendo que sejam frouxos, indolentes e como que forçados, perdendo deste modo o seu valor e mérito (LIV, 3). 

Como se chama a negligência quando se estende aos atos exteriores? 
Chama-se preguiça, e enervamento ou tardança (LIV, 2 ad 1). 

É distinta da negligência propriamente dita? 
Sim, Senhor; porque a negligência consiste na falta de presteza e energia para ordenar a execução e este defeito provém da indolência da vontade (LIV, 2). 

Devemos ter cuidado especialíssimo em combater a negligência? 
Sim, Senhor; pois como estende o seu influxo a todos os domínios da atividade, é veneno posto na fonte, capaz de contaminar todo o caudal de obras e virtudes. 

Pode ser em alguma ocasião pecado mortal? 
Quando impede que o homem se resolva a fazer algo de necessário para salvar-se, sim; porém, ainda no caso de que não o seja, produz um estado de apatia e indolência que conduz fatalmente à caducidade e à morte, se não se põe grande empenho em desarraigá-la (LIV, 3). 

Que nome têm os vícios que pecam por excesso contra a prudência? 
Prudência ou solicitude fingidas ou simuladas (LV). 

Que entendeis por prudência simulada? 
Um conjunto de vícios que desnaturalizam o caráter da verdadeira prudência, abusando dos seus meios próprios, para procurar-se um fim ilícito (LV, 1-5). 

Qual é o vício que, simulando prudência, busca um fim ilícito? 
A prudência da carne (LV, 1). 

Em que consiste a prudência da carne? 
Em dispor e ordenar a vida, procurando como fim a maior soma possível de prazeres sensuais (Ibid). 

A prudência da carne é pecado mortal? 
Quando o homem busca o prazer como fim último de seus atos, sim Senhor; se o busca e procura com excessiva afeição, porém considerando habitualmente a Deus como fim último, será pecado venial (LV, 2). 

Quais são os vícios opostos à prudência, por abuso dos seus meios? 
O de astúcia, e seus anexos, o dolo e a fraude (LV, 4). 

Que entendeis por astúcia? 
Uma simulação da prudência que consiste em excogitar meios tortuosos e artes de dissimulação e de engano para conseguir um fim, quer seja bom, quer seja mau (LV, 3). 

Em que consiste o dolo? 
Na execução exterior dos planos forjados pela astúcia (LV, 4). 

Em que se diferenciam os vícios de dolo e fraude? 
Em que o dolo consiste na execução exterior dos planos forjados pela astúcia, empregando indistintamente palavras ou obras e a fraude tem o mesmo objeto, empregando somente obras (LV, 5). 

A astúcia, o dolo e a fraude confundem-se com a mentira? 
Não, Senhor; porque a mentira tem por fim enganar, e nestes vícios o engano não é fim, senão meio para conseguir alguma coisa. 

Que se segue desta distinção?
Que a mentira é um pecado especial, exclusivamente oposto à virtude da veracidade, ao passo que a astúcia, o dolo e a fraude, como opostos à da prudência que se incorpora a todas as outras virtudes, podem andar misturados com todo gênero de pecados e vícios. 

Que entendeis por falsa solicitude? 
A daquele que se preocupa exclusivamente com os bens temporais; a do que põe, em procurá-los, mais trabalho e solicitude que nos da alma; e a do que teme que possam faltar-lhe, se cumpre com seu dever (LV, 6). 

Temos obrigação de ser solícitos em procurar os bens temporais? 
Com diligência moderada, ordenando-os à consecução da glória e confiando sempre na Divina Providência, sim, Senhor (Ibid). 

Que opinião tendes da preocupação do porvir? 
Que é má, quando peca por excessiva, ou se antecipa, usurpando o lugar de outros cuidados mais peremptórios (LV, 7). 

Quando será boa esta preocupação? 
Quando se limita a prevenir para o futuro o que depende e há de ser consequência do presente e deixa para mais tarde cuidados que terão de trazer tempos vindouros (Ibid).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)