terça-feira, 17 de junho de 2014

OUTROS TRÊS TESOUROS DE EXEMPLOS

A MORTE NIVELA TUDO

Em 1916, morreu Francisco José, o imperador da Áustria, que por muitos anos soubera conservar sob o poderio paternal de seu cetro a muitos povos que antes viviam em contínuas guerras. O féretro foi levado à cripta da igreja dos Padres Capuchinhos de Viena, onde jaziam outros reis e imperadores. 

O mestre de cerimônias bateu à porta. 'Quem é?' perguntou do outro lado de dentro, segundo o cerimonial, um padre capuchinho. Os cortesãos responderam: 'Francisco José, imperador e rei'. De lá de dentro, a mesma voz austera do frade respondeu: 'Não o conheço'.

Um momento de silêncio dentro da cripta... Do lado de fora, à porta, deliberavam os senhores e políticos... Batem outra vez. E outra vez insiste de dentro o guardião daquelas tumbas: 'Quem é?' 'Francisco José de Habsburgo' respondem de fora os que sustentam em seus ombros o régio féretro. E, de novo, ouve-se a voz do frade: 'Não o conheço'.

Mais um momento de silêncio. . . mais um instante de deliberação... Urge, porém, entregar à terra aqueles restos mortais que foram ontem de homem tão grande e que hoje ninguém os quer em parte alguma... Por isso, após um instante de imponente silêncio, outra vez a voz do Capuchinho interroga: 'Quem é?' E o que responde em nome da política e da grandeza do império austríaco, responde agora: 'Um pobre morto...' A voz serena e imutável do guardião daqueles túmulos responde imediatamente: 'Entre!'

E abriram-se as portas, e deu-se entrada ao cadáver e ali, como pobre morto, foi enterrado o célebre imperador: Francisco José, rei e imperador da Áustria. Pois é certo que a morte nivela tudo. De toda a grandeza, como de toda a miséria, após a morte resta um cadáver que, dentro em pouco, não é nada mais que pó e cinza.

AGORA VAI E ENTERRA-O!

Dois mendigos, usando falsos remendos fingiam necessidade. Sabendo que por ali iria passar o bispo São Epifânio, para conseguir dele uma gorda esmola, usaram do seguinte ardil. Um se fingiu de morto e o outro começou a lamentar-se pedindo dinheiro ao santo para a mortalha e o enterro. O santo parou, fez uma oração e, tendo-lhe dado o que pedia, prosseguiu o seu caminho.

'Pregamos-lhe uma boa! Levanta-te'. Mas, que levantar-se nada! O homem morrera deveras. Aflito, correu o outro atrás do santo e confessou-lhe o seu pecado, pedindo misericórdia. Mas o santo bispo, muito sério e grave, disse-lhe: 'Com Deus não se brinca. Essa é a recompensa dos mentirosos. Agora vai e enterra-o !'

A LENDA DO FREI PACÔMIO

Em princípios do século décimo, vivia num convento de beneditinos um santo religioso, chamado Frei Pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansavam de contemplar por toda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.

Um dia mandou-o o prior a um bosque vizinho para recolher alguma lenha. Foi com gosto mas, mesmo no trabalho, não o largavam as dúvidas. De repente, ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador como jamais vira em sua vida. Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na selva. Seguiu-o Frei Pacômio, todo encantado, sem dar-se conta nem do tempo nem do lugar.

A certa altura, a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, o frei procurou o machado para voltar ao convento, mas - coisa esquisita! - achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de lenha que ajuntara, mas não o encontrou. 'Alguém mo terá roubado?' disse consigo. Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato de outrora; ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos.

Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois decerto se havia extraviado. Todos olhavam para ele com surpresa; mas indicaram-lhe o caminho para o mosteiro. Chegando ali - grande Deus! - como estava mudado! Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido a abriu. - 'Sois recém-chegado?' disse-lhe Pacômio, 'eu venho do bosque onde me mandou esta manhã o prior D. Anselmo para buscar lenha'.

Admirou-se o outro e deixando-o ali, foi avisar o prior que, na portaria, estava um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo Prior Anselmo. O caso era curioso. O prior, abrindo os registos do convento, descobriu na lista o nome do Prior Anselmo, que ali vivera há quatrocentos anos. Continuou a ler e achou nos anais daquele tempo o seguinte: 'Está manhã, Frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu'. Chamaram o elho monge e fizeram-no entrar e contar a sua história. Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sôbre a felicidade e o paraíso e o prior começou a compreender aquele mistério.

('Tesouro de Exemplos', Pe Francisco Alves, Editora Vozes, 1958, texto corrigido e adaptado)