sexta-feira, 5 de julho de 2013

A MORTE DO BOM SACERDOTE

Palavras de Deus a Santa Catarina de Siena (I)

Santa Catarina de Siena (1347 - 1380), doutora da Igreja

Sabes que o sofrimento existe por causa da vontade; ninguém padeceria, se a vontade de todos fosse reta e estivesse em conformidade com a minha. Com isto não quero dizer que iriam desaparecer as dificuldades. É o sofrimento que não existiria, pois as contrariedades seriam voluntariamente aceitas por meu amor. As pessoas aceitariam-nas, por saber que são queridas por mim. O homem conformado à minha vontade é desapegado de si mesmo, vence o mundo, o demônio e a carne; ao chegar o momento da morte, seu falecimento acontece na paz. Como seus inimigos foram vencidos durante a vida, já renunciou a seus prazeres; a carne enfraquecida não se ergue para o acusar, uma vez que foi dominada pela mortificação, vigílias, oração humilde e contínua. Graças à renúncia ao pecado e apego à virtude, não sente mais tendências para o que é sensível e amor pelo corpo, atitudes essas que tornam a morte indesejável. Por um sentimento natural, o homem teme a morte; o justo supera esse sentimento, vence o medo natural mediante o desejo de alcançar a meta. Desaparece, pois, todo sofrimento que vem do apego natural ao corpo.

A consciência do homem justo que agoniza está tranquila; durante a vida ela montou boa guarda, dera o alarme quando os inimigos da alma queriam assaltar a cidade interior. Como o cachorro late à chegada dos inimigos e acorda os guardas, assim ela sempre advertia a razão. Esta última, em ação conjugada com o livre arbítrio, distinguia quem era o inimigo, quem não. Diante dos amigos - virtudes e santos desejos do coração - acolhia-os com atenções; quanto aos inimigos - vício e maus pensamentos - eram afastados com a espada do ódio e do amor. Dessa forma, na hora da morte a consciência não atormenta. O interior da pessoa constitui uma família feliz, tudo está em paz. É verdade que o homem humilde, que conhece o valor do tempo e das virtudes, acusa-se na hora da morte por não ter aproveitado melhor a própria vida. Mas tal atitude não causa aflição; é mesmo meritória. Leva a pessoa a concentrar-se e a considerar o sangue do Cordeiro imaculado e humilde. Naquele instante a alma não fica a pensar nas virtudes práticas; sabe que não pode confiar nelas, mas unicamente no sangue de Cristo, onde achou o perdão. Mas como a lembrança do sangue sempre a acompanhara, também naquele último instante nele se inebria e afoga.

Quanto aos demônios, não tendo em que acusar o justo, aproximam-se à procura de qualquer coisa. São muito feios e creem atemorizar o justo por suas figuras. Como no justo não há pecado, a visão dos demônios não atemoriza. E eles, ao notar a alma mergulhada no sangue de Cristo, afastam-se atacam de longe, sem perturbar o homem. De fato, este último já começou a gozar da vida eterna. Pela fé, já contempla o bem infinito e eterno, que sou eu; pela esperança, não por méritos pessoais mas por dom gratuito, está seguro de atingir-me na virtude do sangue de Cristo; com a caridade, estende seus braços e abraça-me. Antes de chegar a mim, a alma já me possui. Imersa no sangue, atravessa a porta estreita que é Cristo e projeta-se em mim, pacífico mar. Completa é a união entre o mar, que sou eu, e aquela porta; eu e meu Filho somos uma só coisa. Que alegria sente o homem ao atingir a meta final! Alegra-se pela felicidade dos anjos, e, como passara a vida na caridade humana, participa agora da beatitude dos santos.

Esse é o prêmio de qualquer pessoa que tenha vivido santamente. Meus sacerdotes, que foram anjos na terra, gozarão muito mais. Já nesta vida fora maior seu conhecimento, maior o desejo de minha glória e de salvação da humanidade. Além da iluminação comum, possível a qualquer cristão que vive virtuosamente, meus ministros possuíram a luz da ciência, pela qual conhecem meu Filho Jesus. Ora, quem mais conhece, mais ama; e quem mais ama, mais recebe. O mérito acompanha a caridade.

Poderás perguntar: 'E uma pessoa que não possui a ciência sagrada, poderá atingir esse amor?' Respondo-te: sim, é possível atingi-lo. Mas, supondo que isso aconteça, será um caso especial, não a norma geral. Além de tudo isso, pela sua própria dignidade sacerdotal, os ministros terão maior posição no céu, uma vez que na terra tiveram por função a conquista de homens para a glória. Embora todos vós tenhais a obrigação de amar a humanidade, aos sacerdotes é confiada a guarda do sangue e, ainda, o governo dos homens. Se cumprem com zelo e virtude essa função, terão maior prêmio que os demais.

Como é feliz o bom sacerdote ao chegar o momento da morte. Tendo sido o pregador e o defensor da fé nesta vida, terminou assimilando-a no fundo do próprio ser. Pela fé, ele conhece seu lugar junto a mim. Vivera sempre esperando na minha providência, desconfiado de si mesmo; não colocara sua esperança nos próprios conhecimentos, não amara desordenadamente pessoas ou coisas criadas. Vivera na pobreza. Alegremente confiara em mim, seu coração fora um vaso de amor. Com muita caridade anunciara meu nome aos homens, confirmando suas palavras com o exemplo de uma vida honesta e santa. Eleva-se, agora, num inefável ato de caridade e abraça-me; entrega-me a pedra preciosa da justiça, com que durante sua vida tratara os outros. Com discernimento cumprira o seu dever; com humildade rende-me o preito da justiça: glorifica-me, honra-me, reconhece que a mim deve a graça de ter vivido com a consciência pura. Pessoalmente, julga-se indigno de tão sublime dom. Sua consciência testemunha em meu favor e eu, por justiça, dou-lhe a coroa (2Tm IV, 8), adornada de virtudes.

Ó anjo da terra, feliz de ti que não foste ingrato ante os favores recebidos, nem negligente ou maldoso. Com zelo, iluminado, vigilaste sobre os teus súditos; pastor corajoso, seguiste a mensagem do pastor bondoso e verdadeiro, o doce Cristo Jesus, meu Filho unigênito. Imerso no sangue tu passaste (Jo X, 9) por Ele juntamente com os súditos. Pelo ensino e bom exemplo conduziste muitos à vida eterna; outros, deixaste na terra no estado de graça! Filha querida, a presença dos demônios não perturba meus sacerdotes na hora da morte por causa da compreensão que têm de mim na fé e no amor. Eles estão isentos de pecado, por isso o negrume do diabo não os angustia, não os amedronta. Isentos do medo servil, acham-se no santo temor. Superam, pois, as ilusões diabólicas pela iluminação sobrenatural da fé e com a Sagrada Escritura. Já não padecem nenhuma obscuridade ou perturbação no espírito. Cheios de glória, embebidos no sangue, zelosos pela salvação alheia, inflamados de caridade entram pela porta do Verbo encarnado e adentram-se em mim (Pai eterno). Bondosamente os coloco em seus respectivos lugares, conforme o grau de amor com que até mim chegaram.
(Excertos da obra 'Diálogo' de Santa Catarina de Siena)