sábado, 6 de julho de 2013

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (IX)

'Eu não sei rezar?' Este era o pensamento que sufocava Celeste. Mãe de família, ciosa de suas obrigações familiares, dona de casa exemplar, religiosa e dedicada às suas orações, às suas missas, às suas comunhões frequentes. E no entanto... Acendera a vela benta durante as provas do vestibular da filha Clara com tanta devoção! Rezara pedindo as bênçãos e as luzes de Nossa Senhora Aparecida, de Nossa Senhora do Carmo, de Santa Terezinha para a menina não ficar nervosa, para se concentrar nas questões, para ter o discernimento do espírito, para ter a inteligência aguçada, para ter controle emocional, para fazer bem as provas, para passar no vestibular. E no entanto... Não cuidara com tanto carinho da imagem sagrada, não refizera o caprichado arranjo do pequeno retábulo, não colocara o terço nas mãos da santinha, não acendera a vela com tanto fervor e confiança? E no entanto...

Só podia ser isso: ela não sabia rezar direito. Rezava, mas sem saber colocar as palavras, talvez pedisse muitas coisas, talvez pedisse sem confiança, talvez tivesse esquecido de agradecer antes de pedir... Talvez tivesse feito as orações de sempre, e não colocara a sua própria oração. Talvez tivesse falado muito com suas próprias palavras e esquecido as orações que Deus ouve mais. Talvez tenha se distraído mais do que devia, se desconcentrado no que rezava, perdido a presença de Deus em sua oração. Quem sabe rezara sozinha e devia ter rezado em família, talvez rezara em cima da hora quando devesse ter pedido as graças com mais antecedência. Quem sabe faltara naquele momento uma novena, quem sabe um terço a mais?

Celeste estava sozinha, mergulhada em tantos pensamentos, ciosa de todas as suas preocupações, aflita pela sua incapacidade de fazer acontecer o desejado, imobilizada pela graça não alcançada, tristíssima pela filha não aprovada no vestibular, desamparada na sua insegurança, sozinha de Deus na sua desventura de momento.

Diante de Celeste deprimida e angustiada, o seu Anjo da Guarda rezava. Por tão grande graça concedida a essa mulher inconformada, a essa mãe chorosa, a essa criatura absorvida em sua enorme fragilidade e insensatez. Deus não troca as alegrias da terra pelas sementes da glória. Os enlevos e os sonhos dos homens não constroem abrigos no céu. Clara haveria de passar em outro vestibular à frente e seria de outra forma que encontraria o homem que seria seu marido. Em outros lugares e sob outras circunstâncias, ela seria muito mais instrumento da graça para si e para muitos outros. De forma diversa sedimentaria os dons de Deus em seu coração, com outra vida. De forma diversa, sua alma correria ao encontro de Deus no fim de todos os seus dias. 

Na pequena sala de estar, uma criatura humana era tomada de amargor profundo e um Anjo glorificava por meio dela as maravilhas da misericórdia de Deus!