Palavras de Deus a Santa Catarina de Siena (II)
Santa Catarina de Siena (1347 - 1380), doutora da Igreja
Muito difícil esta batalha para o mau sacerdote moribundo, desarmado, sem o escudo da caridade. Qual amigo do diabo, de tudo se vê despojado: não possui a iluminação sobrenatural da fé, nem a ciência sagrada. Nada compreendera desta última, porque a soberba não lhe permitira penetrar em sua natureza íntima. Na grande luta final, nem sabe o que fazer. Não se alimentara de esperança; jamais confiara no sangue de Cristo, do qual fora distribuidor. Sua confiança repousava em si mesmo, nos cargos importantes, nos prazeres mundanos. Ó infeliz demônio encarnado, a quem eu tudo confiara com abundância! Na hora de me prestares contas, estás com as mãos vazias!
Para qualquer lado que se volte, o mau sacerdote só encontra repreensões na hora da morte, em uma grande confusão. As injustiças cometidas durante a vida acusam-no em sua consciência; resta-lhe apenas a coragem de implorar a justiça divina. Afirmo-te que grandes são a sua perturbação e vergonha; só um auxílio lhe resta: o costume de esperar no meu perdão. Tal costume no pecador havia sido, sem dúvida, um ato de presunção; não se pode dar o nome de confiança no perdão à atitude de quem peca por esperar ser perdoado. Isso é presunção. De qualquer modo, tal comportamento é levado em consideração, quando o pecador reconhece os próprios males antes da morte e se confessa. Nesse caso, a presunção também é esquecida, desaparece com o perdão. Mesmo para os pecadores, minha misericórdia sempre constitui um fiozinho de esperança; não fosse ela, cairiam no desespero e iriam com os demônios para a eterna condenação.
É bondade minha o fato de que os maus possam esperar no meu perdão. Deixo-lhes essa esperança para que, confiantes no perdão, deixem de pecar. Desejo que cresçam na caridade em consideração de minha generosidade. Infelizmente servem-se dela em sentido inverso: ofendem-me porque confiam no perdão. Assim mesmo eu os conservo vivos; quero que lhes fique um ponto de apoio no último instante, para que não se desesperem e não se condenem. Este pecado de desespero desagrada-me e prejudica os homens mais do que todos os outros males. É o mais prejudicial pelo seguinte: os demais vícios são cometidos pelo incentivo de algum prazer; deles a pessoa pode, portanto, arrepender-se e obter o perdão. No pecado de desespero o homem não é movido por fraqueza alguma. O ato de desesperar-se não inclui debilidade, mas somente intolerável dor. Quem desespera, despreza minha misericórdia e julga que seu pecado é maior que minha bondade. Quem faz tal pecado já não se arrepende, já não sente dor pela culpa. Poderá o responsável queixar-se do castigo recebido, mas não da ofensa cometida. Por essa razão são condenados.
Como vês, é o pecado do desespero que conduz alguém ao inferno, mas lá o homem sofrerá também por causa dos outros erros. Quando o pecador se arrepende das faltas passadas, é perdoado. Minha misericórdia é infinitamente maior que todos os pecados que um homem possa cometer. Entristece-me o fato de que alguém considere suas faltas maiores que meu perdão. Esse é o pecado que não será perdoado nem neste mundo, nem no outro (Mt XII, 32). Desagrada-me o ato de desespero de quem passou a vida no mal; gostaria que se apoiasse no meu perdão. Eis a razão por que permito aquele engano em que vivem, confiando em meu futuro perdão. Acostumados com tal esperança, dificilmente irão abandoná-la no momento da morte, diante das duras repreensões. Seria mais difícil, se não tivessem esse hábito.
Todas essas coisas são concedidas aos pecadores pela chama e abismo do meu imenso amor. Mas, devido ao egoísmo que é fonte de todos os males, abusam de mim; desconhecem minha caridade, transformam a confiança em presunção. Esta é, aliás, uma das repreensões que irão receber da própria consciência diante do demônio. Serão acusados porque tinham o dever de usar a vida e meu perdão para progredir no amor e nas demais virtudes; deviam passar o tempo na prática do bem. Mas na realidade, serviram-se do tempo e da minha misericórdia ofendendo-me desastrosamente.
Ó grande cego, enterraste a pedra preciosa e o talento (Mt XXV, 25) que eu colocara em tuas mãos para que os fizesses frutificar! Com muita presunção, recusaste cumprir o meu desejo. Enterraste-os no solo do egoísmo; agora colhes seu fruto mortal. Infeliz! Como é grande o castigo que recebes agora, no fim da vida. Conheces tuas culpas; o remorso já não dorme, como antes. Chamam-te os demônios e sabem que mereces a condenação. Desejosos de que não lhes escapes das mãos, provocam-te ao desespero, lançam-te à perturbação. Aspiram por que venhas a ter o que já possuem. Ó infeliz, tua dignidade sacerdotal mostra-se brilhante ante os teus olhos! Assim, envergonhado, reconhecerás como a mantiveste nas trevas. Os bens pertencentes à igreja ali estarão a recordar-te que és um ladrão, um devedor de coisas que pertenciam a ela e aos pobres. A consciência faz-te pensar no dinheiro gasto com prostitutas e na educação dos filhos, no enriquecimento de parentes e na gula, em ornamentação da casa, em vasos de prata, ao passo que era teu dever ser voluntariamente pobre. A consciência ainda recordar-te-á o ofício divino que deixaste de recitar sem medo de cometer pecado mortal; recordará como, ao recitá-lo com a boca, teu coração estava bem longe. Em forma de horrível demônio, ela mostrará os súditos pelos quais devias ter caridade e zelo, aos quais devias alimentar com a virtude, o bom exemplo, e corrigir com misericórdia e justiça. A ti, prelado, ela recordará prelaturas e curas de alma que erradamente confiaste sem olhar para quem e como davas. Não podias entregá-las motivado por discursos bajuladores e com a finalidade de agradar ou ganhar presentes. Ela far-te-á compreender que era preciso ter olhado as virtudes do candidato, considerar onde estava minha glorificação, quem poderia ser de maior utilidade à salvação dos homens. Por ter agido assim, serás repreendido. Por fim, para maior pena e confusão, passará diante de teu pensamento tudo o que não devias fazer e fizeste, tudo o que devias fazer e não fizeste.
Filha querida, as cores branco e preto destacam-se mais quando colocadas uma ao lado da outra. O mesmo acontece com estes infelizes sacerdotes moribundos. Na hora da morte, compreendem melhor os próprios males e virtudes. Ao sacerdote justo aparece claramente sua felicidade; ao pecador, a sua vida criminosa. Não é preciso que alguém lhes dê explicações. A própria consciência mostra os pecados cometidos e as virtudes que deveriam ter praticado. Queres saber por que o pecador se recorda também das virtudes? Porque colocando-se, lado a lado, vício e virtude, o conhecimento do bem realça a gravidade do mal e envergonha. Igualmente a virtude é esclarecida pelo mal e a pessoa sente maior dor ao ver que viveu distante do bem.
Em tal conhecimento da virtude e do vício, os sacerdotes maus percebem qual é a felicidade reservada aos virtuosos, bem como qual o castigo preparado para quem viveu nas trevas do pecado mortal. Propício tal conhecimento, não para induzir o homem ao desespero, mas a fim de que se conheça perfeitamente e se envergonhe de ter pecado. Essa vergonha e autoconhecimento querem levar o moribundo a dar reparação pelos seus pecados, aplacando minha justiça com o humilde pedido de perdão. Quanto ao sacerdote virtuoso, este esclarecimento final acresce a alegria de te vivido bem e de ter trilhado a mensagem de Cristo, não por bondade sua, mas minha. Leva-o a rejubilar-se em mim e, com tal visão, a atingir a meta da felicidade. (...).
É desta forma que o justo, após ter vivido na caridade, alegra-se, e o pecador sofre. Com a visão do demônio e as trevas, nada padece o justo; somente o pecado prejudica o homem. Sofrem e temem aqueles que viveram na impureza e outras degradações. Em si mesma a visão do diabo e das trevas não constituem motivo de desespero; é um sofrimento que urge o remorso, o temor. Como vês, minha filha, é muito diversa a agonia de uns e de outros, da mesma forma que são diferentes suas metas finais. Revelei-te a mínima parte, como que um nada em comparação com a realidade, seja dos castigos como da beatitude. Esforça-te por compreender a cegueira humana, especialmente dos maus sacerdotes. Dei-lhes tantas coisas; foram esclarecidos pela Escritura Sagrada! Sua confusão será maior. Durante a vida conheceram a Bíblia de um modo mais perfeito; por isso, na hora da morte terão mais consciência dos seus males. Maiores tormentos também receberão que os demais cristãos, da mesma forma como os bons sacerdotes obterão maior glória.
Acontece-lhes como para o cristão e o pagão que vão para o inferno. O cristão terá maiores sofrimentos, porque possuía a fé e a ela renunciou, ao passo que o pagão nunca a teve. Assim, os sacerdotes maus sofrerão mais que os simples cristãos, por causa do ministério de distribuir o sol no Santíssimo Sacramento. Se eles tivessem querido, discerniriam a verdade, pois possuíam a ciência sagrada. Por justiça padecem mais. Mas infelizmente os maus sacerdotes não o compreendem. Com um pouco de entendimento sobre a própria condição, evitariam tais desgraças. Viveriam no modo conveniente. Embora esteja o mundo todo corrompido, os sacerdotes são hoje piores que os leigos. Eles mancham a própria alma, corrompem os súditos, enfraquecem a santa Igreja. Empalidecem-na com seus defeitos, negam-lhe amor, gostam só de si mesmos. Da Santa Igreja querem apenas desfrutar cargos e rendas, esquecidos do dever de procurar as almas. Suas vidas tornam os leigos desrespeitosos e desobedientes, muito embora tal atitude não se justifique pelos defeitos dos ministros.
Sumário e exortação:
Teria eu ainda muitos defeitos dos sacerdotes para contar-te, mas não quero ferir teus ouvidos.(...) Filha querida, quero convidar-te, e também os outros servidores meus, a que choreis sobre esses (sacerdotes) mortos. Permanecei na Santa Igreja, alimentai-vos com o desejo santo e contínuas orações. Oferecei-as a mim em favor deles. Quero ser misericordioso para com o mundo. Não deixeis de fazê-lo! Nem por motivos de dificuldades, nem de comodidade; não desejo ver em vós reações de impaciência ou de exagerada alegria. Com humildade, aplicai-vos em dar-me honra, em salvar as almas, em reformar a Santa Igreja. Será esse o sinal de que tu e os demais servidores realmente me amais.
Certa vez eu te manifestei o seguinte: 'Quero que tu e os outros servidores sejais sempre ovelhas da Santa Igreja, suportando adversidades até o momento da morte'. Se fizerdes tal coisa, cumprirei os teus desejos.
(Excertos da obra 'Diálogo' de Santa Catarina de Siena)