É quase uma verdade de fé, para a
esmagadora maioria dos católicos, que não devemos julgar nenhum dos nossos
semelhantes, pois tal julgamento seria premissa absoluta de Deus. Baseados na
citação bíblica do Evangelho de Mateus: ‘Não julgueis e não sereis julgados’
(Mt 7,1), torna-se verdade de fé o que não passa de um corolário da iniquidade.
Pois, então, como considerar estes outros preceitos bíblicos:
‘Não sabeis que julgaremos os anjos?
Quanto mais as pequenas questões desta vida!’ (I Cor 6,3).
‘O Senhor dizia: julgai segundo a
verdadeira justiça; cada um de vós tenha bom coração e seja compassivo para com
o seu irmão’ (Zc 7,9).
“Eles julgarão o povo todo o tempo.’ (Ex
18, 22).
‘Abre tua boca para pronunciar sentenças
justas, faze justiça ao aflito e ao indigente.’ (Prov 31,9)
‘Não julgueis pela aparência, mas julgai
conforme a justiça.’ (Jo 7,24)
Em primeiro lugar, a citação evangélica de
Mateus tem endereço claro e definido: ‘não julgar’ implica essencialmente não formular
julgamentos injustos, desonestos, parciais, temerários, maliciosos, covardes, mentirosos,
simulados, tendenciosos, manipulados. Mas qual a lupa protestante da
livre interpretação, descontextualiza-se a mensagem e impõe-se a versão
falsificada de que não se pode julgar os homens e suas ações.
Isto deveria ser evidente por princípio,
uma vez que é obra de misericórdia corrigir quem se locupleta no erro e uma vez
que tal correção exige a formulação de um julgamento de pessoas e de ações
destas pessoas, pelo que se torna intrínseco a todo católico a prerrogativa de ‘julgar
todas as coisas todo o tempo’, não em função do arbítrio ou do respeito humano,
mas sob a única acepção de servir a Cristo e salvar as almas para Cristo.
Armados de caridade fraterna, escudados nas palavras de vida eterna de Jesus
Ressuscitado, no amor ao próximo e no amor ainda maior à Verdade de Deus,
devemos julgar sempre e muito, pois o erro e a iniquidade se espalham como erva
daninha na humanidade atual.
Deus nos deu, junto com o livre
arbítrio, a graça de julgar e classificar, com zelo e clara distinção, o bem do
mal, a virtude do pecado, a santificação da impiedade. E a ensinar e a difundir
os ensinamentos de Cristo entre os homens, no mundo dos homens, de forma a
corrigir os erros, impedir as injustiças, coibir o mal e combater a iniquidade
em todos os nossos caminhos, a qualquer hora. Ai do católico que não o fizer,
ai do católico que se calar diante do mal e da injustiça dos homens. Julgar,
pois, com o santo julgamento dos justos, não é tarefa insensata à natureza humana,
mas obra definitiva de misericórdia e de salvação.