sábado, 17 de novembro de 2012

OS INDIFERENTES

Eis como dizia Corção*, face ao indiferente: 'o homem para quem o sim e o não tanto fazem, que se equilibra onde parecia impossível o equilíbrio, esse assombro enfim, tornou-se a coisa mais banal do universo. Está em todos os lugares e seu nome é legião. Para encontrá-lo basta abrir uma porta, atravessar uma rua, debruçar-se numa janela, atender um telefone'. Conceituação lapidar, definitiva. O indiferente é um assombro espantosamente banal nos tempos finais.

Da essência do ato de pensar, dos privilégios da reflexão e do discernimento, bastaria o bem e o mal, um caminho para Deus e o caminho para o nada, a opção entre a luz e as trevas, a busca da Verdade ou a imersão nas crenças mais bisonhas. Mas não. Os indiferentes conspurcam a ideia tão simples da dicotomia tão fácil: entre o bem e o mal, existe o mal no bem e o bem no mal. Entre o sim e o não, há o sim que aparenta ser o não e o não com a solicitude de um sim. Para que o mais ou o menos, se existe o mais ou menos? Entre o Céu e o Inferno, há que existir 'o bom lugar', o paraíso dos indolentes, o nirvana dos trôpegos,  o éden das almas tíbias e indiferentes.

O indiferente se extasia de um céu de brigadeiro. E se locupleta no inferno da música ou dos costumes profanos com a mesma volúpia e servidão. Tudo é perfeitamente admissível e igualmente passível de prosa e verso. Ecumenismo, direitos humanos, liberdade, democracia, livre pensar, tolerância, respeito às minorias são as salvaguardas e os dogmas a serem venerados, porque absolutamente dóceis e intercambiáveis como moeda universal, instrumentos de fácil percussão na retórica mundana, palavras de ordem cujo nome é legião. Nada de extremos, nada de rigidez de convicções, nada de regras e tradições utópicas, nada de se vangloriar de possuir 'a verdade', nada de sofrimentos inúteis e desgastes perfeitamente evitáveis, nada de posar de mártir de causas perdidas, nada de tudo, nada de nada. 

Os indiferentes dominam o mundo. E convertem a graça da vida na banalidade do viver. Estão nos carros, metrôs, e nos trens e aviões. Nas terras e mares, nas praças e ruas, nos mercados e nas confrarias. E vivem muito bem, e isso basta. Não há modo mais fácil e simples de servir ao mundo. E nem meio mais propício de atrair a cólera divina, pois se há uma coisa que causa repugnância ao Pai são as almas tíbias. Por que não há indiferentismo nenhum por trás do resfriamento espiritual das almas; muito pelo contrário, estão presentes, em todos os graus, as obsessões satânicas do inimigo da nossa salvação. Os indiferentes são apenas os (muitos) filhos bastardos de Caim.

* Gustavo Corção: 'Os indiferentes'.