TRÊS
CONCESSÕES MAIS GERAIS
INTRODUÇÃO
1. Propõem-se em primeiro lugar três
concessões de indulgências, com as quais se aconselha o fiel a informar de
espírito cristão1 as ações de sua existência cotidiana e a
tender em seu estado de vida à perfeição da caridade2.
2. A primeira e a segunda concessão
equivalem a muitas concessões que existiam outrora de maneira diferente. A
terceira convém especialmente aos nossos tempos em que os fiéis devem ser
movidos à penitência, além da obrigação da abstinência e do jejum, aliás
bastante mitigada3.
3. As três concessões são de fato mais
gerais e cada uma delas abraça várias obras do mesmo gênero. Contudo, nem todas essas
obras são enriquecidas de indulgências, mas só as que são feitas de maneira e
intenção particulares. Considere-se, por exemplo, a primeira concessão, cujos
termos são os seguintes: 'Concede-se indulgência parcial ao fiel que, no
cumprimento de seus deveres e na tolerância das aflições da vida, ergue o
espírito a Deus com humilde confiança, acrescentando alguma piedosa invocação, mesmo
só em pensamento'. Por esta concessão, são enriquecidos de indulgências
somente os atos em que o fiel, ao cumprir seus deveres e ao suportar as
aflições da vida, eleva o espírito a Deus, como se propõe. Estes atos
especiais, pela fraqueza humana, não são tão frequentes. Mas se alguém é tão
diligente e fervoroso que estende tais atos a vários momentos do dia, então com
justiça merece, além de copioso aumento de graça, mais amplo perdão da pena temporal
e pode ajudar com mais abundância de méritos às almas do purgatório. Quase o
mesmo se deve dizer das outras duas concessões.
4. As três concessões, como é claro, de
modo especial, concordam com o Evangelho e com a doutrina da Igreja,
lucidamente proposta pelo Concílio Vaticano II. Para comodidade dos fiéis, os
textos tirados da Sagrada Escritura e das Atas do Concílio, que se referem a
cada uma das concessões, se aduzem a seguir.
CONCESSÕES
I
Concede-se indulgência parcial ao fiel
que, no cumprimento de seus deveres e na tolerância das aflições da vida, ergue
o espírito a Deus com humilde confiança, acrescentando alguma piedosa
invocação, mesmo só em pensamento. Por esta primeira concessão os fiéis,
executando o mandato de Cristo: 'É preciso orar sempre e não
desistir'4, são como que conduzidos pela mão e ao
mesmo tempo aconselhados ao cumprimento de seus deveres, de modo a conservar e
aumentar sua união com Cristo.
Mt
7,7-8: Pedi e será dado, buscai e achareis, batei e será aberto. Pois todo
aquele que pede recebe, quem procura acha, e a quem bate se abre.
Mt
26,41: Vigiai e rezai para não cairdes em tentação.
Lc
21,34-36: Estai atentos, para que o vosso coração não fique insensível por
causa... das preocupações da vida... Vigiai sempre e orai.
At
2,42: Frequentavam com assiduidade a doutrina dos apóstolos, as reuniões em
comum, o partir o pão e as orações.
Rm
12,12: Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na
oração.
1Cor
10,31: Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo
para glória de Deus.
Ef
6,18: Vivei em oração e súplicas. Rezai em todo tempo no Espírito. Guardai
vigilância contínua na oração e intercedei por todos os santos.
CI
3,17: E tudo quanto fizerdes por palavras ou obras, fazei em nome do Senhor
Jesus, dando
graças a Deus Pai, por ele.
CI
4,2: Aplicai-vos com assiduidade e vigilância à oração, acompanhada de ação de
graças.
1Ts
5,17-18: Orai sem cessar: em todas as circunstâncias dai graças.
Concílio Vaticano II, constituição
dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium,
41: ‘Portanto todos os fiéis cristãos nas condições, ofícios ou circunstâncias
de sua vida, e através disto tudo, dia a dia, mais se santificarão, se com fé tudo
aceitam da mão do Pai celeste e cooperam com a vontade divina, manifestando a
todos, no próprio serviço temporal, a caridade com que Deus amou o mundo’.
Concílio Vaticano II, decreto sobre o
apostolado dos leigos, Apostolicam
Actuositatem, 4: ‘Esta vida íntima de união com Cristo na Igreja
alimenta-se por meios espirituais que ... devem ser de tal sorte utilizados
pelos leigos que estes, enquanto cumprem corretamente as funções mesmas do
mundo nas condições ordinárias da vida, não separem a união com Cristo de sua vida,
mas cresçam nela, enquanto realizam o próprio trabalho segundo a vontade de
Deus... Nem os cuidados pela família, nem os demais assuntos seculares devem
ser estranhos à espiritualidade da sua vida, segundo a expressão do Apóstolo:
'O que quer que façais por palavra ou por ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus
Cristo, dando graças a Deus Pai por ele'.5
Concílio Vaticano II, constituição
pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, Gaudium
et Spes 43: ‘Este divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana de
muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso tempo... Portanto
não se crie oposição artificial entre as atividades profissionais e sociais de
uma parte, e de outra, a vida religiosa... Alegrem-se antes os cristãos porque
podem desempenhar todas as atividades terrestres, unindo os esforços humanos, domésticos,
profissionais, científicos ou técnicos em síntese vital com os valores
religiosos, sob cuja soberana direção todas as coisas são coordenadas para a
glória de Deus’.
II
Concede-se indulgência parcial ao fiel
que, levado pelo espírito de fé, com o coração misericordioso, dispõe de si
próprio e de seus bens no serviço dos irmãos que sofrem falta do necessário. O
fiel é atraído por esta concessão de indulgência para que, seguindo o exemplo e
preceito do Cristo Jesus6, execute mais frequentemente obras de
caridade ou de misericórdia.
Contudo, nem todas as obras de caridade
são enriquecidas de indulgência, mas só as que são feitas "para serviço dos irmãos
que sofrem falta do necessário" como comida ou roupa para o corpo, ou
consolação para alma.
Mt
25,35-36 e 40: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
fui peregrino
e me acolhestes estive nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava preso
e viestes me ver... em verdade vos digo, todas as vezes que a fizestes a um
destes meus irmãos menores, a mim o fizestes.
Jo
13,34-35: Um novo preceito eu vos dou: que vos ameis uns aos outros. Assim como
eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Todos hão de conhecer que sois
meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.
Rm
12,8.10-11 e 13: Se distribuir esmolas, faça-o com simplicidade... quem exerce
a misericórdia, que o faça com afabilidade... Sede cordiais no amor fraterno
entre vós. Rivalizai em honrar-vos reciprocamente. Não relaxeis no zelo. Sede
fervorosos de espírito. Servi ao Senhor... Socorrei as necessidades dos fiéis.
Esmerai-vos na prática da hospitalidade.7
1Cor
13,3: E se repartir toda a minha fortuna... mas não tiver a caridade, nada
disso me aproveita.
GI
6,10: Por conseguinte, enquanto dispomos de tempo, façamos bem a todos, especialmente
aos irmãos na fé.
Ef
5,2: Progredi na caridade segundo o exemplo de Cristo que nos amou.
1Ts
4,9: Vós mesmos a prendestes de Deus a vos amar uns aos outros.
Hb
13,1: Perseverai no amor fraterno.
Tg
1,27: A religião pura e imaculada diante de Deus Pai é visitar os órfãos e as
viúvas em suas tribulações e conservar-se sem mancha neste mundo.8
1Pd
1,22: Em obediência à verdade, vos purificastes para praticardes um amor
fraterno sincero. Amai-vos, pois, uns aos outros ardentemente do fundo do
coração.
1Pd
3,8-9: Finalmente, tende todos um mesmo sentir, sede compassivos, fraternais, misericordiosos,
humildes. Não pagueis mal com mal, nem injúria com injúria. Ao contrário, abençoai,
pois fostes chamados para serdes herdeiros da bênção.
2Pd
1,5-7: Por estes motivos esforçai-vos quanto possível... para unir à piedade a estima
fraterna, e à estima fraterna o amor.
1Jo
3,17-18: Quem possuir bens deste mundo e vir o irmão passando necessidade, mas
lhe fechar o coração, como poderá estar nele o amor de Deus? Meus filhinhos,
não amemos com palavra nem de boca, mas com obras e verdade.
Concílio Vaticano II, decreto sobre o
apostolado dos leigos, Apostolicam
Actuositatem 8: ‘Onde quer que haja alguém que carece de comida e bebida,
de roupa, casa, medicamentos, trabalho, instrução, de condições necessárias
para uma vida realmente humana, que esteja atormentado pelas tribulações ou
doença, que sofra exílio ou prisão aí a caridade cristã deve procurá-lo e
descobri-lo, aliviá-lo com carinhosa assistência e ajudá-lo com auxílios
oportunos... Para que o exercício desta caridade esteja acima de qualquer
crítica e se apresente como tal; olhe-se no próximo a imagem de Deus, segundo a
qual foi criado, e o Cristo Senhor, a quem na realidade se oferece o que é dado
ao indigente’.
Concílio Vaticano II, decreto sobre o
apostolado dos leigos, Apostolicam
Actuositatem 31c: ‘Uma vez que as obras de caridade e misericórdia
apresentam testemunho luminoso de vida cristã, a formação apostólica deve levar
também à prática das mesmas, para que aprendam os fiéis, desde a infância, a
sofrer com os irmãos e a auxiliar de coração generoso os que sofrem’.
Concílio Vaticano II, constituição
pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, Gaudium
et Spes 93: ‘Lembrados da palavra do Senhor: 'Nisto todos conhecerão que
sois meus discípulos, se vos amardes uns
aos outros'9,
os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que prestar serviço aos
homens de hoje, com generosidade sempre maior e mais eficaz... Pois o Pai quer
que reconheçamos Cristo como irmão em todos os homens e amemos eficazmente
tanto em palavras como em atos’.
III
Concede-se indulgência parcial ao fiel
que se abstém de coisa lícita e agradável, em espírito espontâneo de
penitência. Por esta terceira concessão é impelido o fiel a refrear suas más
inclinações, a aprender a sujeitar o corpo e a se conformar com Cristo pobre e
paciente.10
Pois a penitência tanto mais vale quanto
mais se une à caridade, conforme as palavras de São Leão Magno: ‘Demos à
virtude o que subtrairmos ao prazer. Torne-se refeição dos pobres a abstinência
do que jejua’.11
Lc
9,23: Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a cruz cada dia e
me siga.12
Lc
13,5: Digo-vos que, se não vos converterdes, todos vós perecereis do mesmo modo
(cf. também o v. 3).
Rm
8,13: Se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis.
Rm
8,17: Soframos com ele, para sermos também com ele glorificados.
lCor
9,25-27: Quem se prepara para a luta abstém-se de tudo, e isto para alcançar
uma coroa
corruptível; porém nós, para alcançar uma incorruptível. E eu corro, mas não
vou sem direção; eu luto, mas não como quem dá socos no ar. Porém castigo meu
corpo e o domino.
2Cor
4,10: Trazemos sempre no corpo a morte de Jesus, para que também a vida de
Jesus se manifeste em nosso corpo.
2Tm
2,11-12: Verdadeira é a palavra. Pois se padecemos, com ele, também com ele viveremos.
Se com ele sofremos; com ele reinaremos.
Tt
2,12: Veio para nos ensinar a renúncia... aos desejos mundanos, para vivermos
sóbria, justa e piedosamente neste século.
lPd
4,13: Deveis alegrar-vos na medida em que participais dos sofrimentos de
Cristo, para que, na revelação de sua glória, possais exultar e alegrar-vos.
Concílio Vaticano II, decreto sobre a
formação sacerdotal, Optatam Totius
9: ‘Com particular solicitude sejam de tal modo formados na obediência
sacerdotal, na vida de pobreza e no espírito de abnegação, que estejam prontos
a renunciar até as coisas lícitas... para se conformarem a Cristo crucificado’.
Concílio Vaticano II, constituição
dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium
10: ‘Os fiéis, no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na
oblação da eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação
de graças, pelo testemunho de uma vida santa, pela abnegação e caridade ativa’.
Concílio Vaticano II, constituição
dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium
41: ‘Todos os que, movidos pelo Espírito
de Deus, obedecem à voz do Pai e adoram a Deus Pai em espírito e verdade,
cultivamos vários gêneros de vida e ofícios mas uma única santidade. Eles
seguem a Cristo pobre, humilde e carregado com a cruz, para que mereçam ter
parte na sua glória’.
Constituição apostólica Paenitemini, III, c: ‘A Igreja convida a
todos os fiéis a corresponderem ao preceito divino da penitência que, além das
renúncias impostas pelo peso da vida cotidiana, pede alguns atos de mortificação
também de corpo... A Igreja quer indicar na tríade tradicional 'oração, jejum,
caridade' os modos fundamentais para obedecer ao preceito divino da penitência.
Ela defendeu a oração e as obras de caridade, mas também, e com insistência, a
abstinência de carne e o jejum. Tais modos foram comuns a todos os séculos;
todavia, no nosso tempo, motivos particulares existem pelos quais, segundo as
exigências dos diversos lugares, é necessário inculcar, de preferência a
outras, alguma forma especial de penitência. Por isso, onde quer que seja maior
o bem-estar econômico, dever-se-á, de preferência, dar um testemunho de
abnegação, a fim de que os filhos da Igreja não sejam envolvidos pelo espírito
do mundo; e ao mesmo tempo dever-se-á dar um testemunho de caridade para com os
irmãos, também de regiões longínquas, que sofrem de pobreza e de fome’.13
1 Cf. 1Cor 10,31 e Cl 3,17; Concílio
Vaticano II, decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem 2, 3, 4 e 13.
2 Cf. Concílio Vaticano II, constituição
dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium
39 e 40-42.
3 Cf. constituição apostólica Paenitemini, 17 de fev. de 1966, II e:
AAS 58 (1966), pp. 182-183.
4 Lc 18,1.
5 C1 3,17.
6 Cf. Jo 13,15 e At 10,38.
7 Cf. também Tb 4,7-8 e Is 58,7
8 Cf. também Tg 2,15-16.
9 Jo 13,35.
10 Cf. Mt 8,20 e 16,24.
11 Sermão 13 (ou 12) sobre o jejum do
décimo mês, 2: PL 54, 172.
12 Cf. Lc 14,27
13 AAS 58 (1966), pp. 182-183.