quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

PALAVRAS AO HOMEM ETERNO

1. Onde quer que estejas, e para qualquer lado que te voltes, miserável serás, se não te convertes a Deus. Em tudo pondera o fim, e de que modo te apresentarás ante o rigoroso Juiz, a quem nada é oculto, que não se deixa aplacar com dúvidas, nem admite desculpas, mas que julgará segundo a justiça. Insensato e mísero pecador, que responderás a Deus que conhece os teus crimes, tu que tremes diante do vulto de um homem irado? Por­ que não te acautelas para o dia do juízo, quando ninguém poderá ser excusado ou defendido por nenhum outro? Agora o teu trabalho é frutuoso, as tuas lá­grimas são bem acolhidas, os teus gemidos são ouvidos, a tua dor é expiatória e meritória.

2. Aqui tem grande e salutar purgatório o ho­mem paciente que, recebendo injúrias, mais se dói da maldade de quem lhe ofende do que da própria ofensa; que de boa vontade ora pelos seus inimigos, perdoando do intimo do coração os agravos; que não tarda em pedir a outros perdão; que mais facilmente se deixa levar à misericórdia do que á ira; que faz violência a si mesmo, esforçando-se por submeter a carne ao espírito. Melhor é purgar agora os pecados e extirpar os vícios que deixá-los para serem extirpados na outra vida. Por certo nós mesmos nos enganamos pelo amor desordenado que temos à carne.

3. Que outra coisa devorará aquele fogo se­não os teus pecados? Quanto mais te poupas agora e segues os apetites da carne, tanto mais severamente serás depois atormentado, fazendo maior reserva de combustível para te queimar. No que mais tiveres pecado, nisso mais severa­mente serás castigado. Ali os preguiçosos serão incitados por agui­lhões ardentes, e os gulosos serão atormentados com sede e extrema fome. Ali os impudicos e voluptuosos serão submergidos em abrasado pez e fétido enxofre, e os invejosos uivarão como cães furiosos.

4. Não haverá nenhum vicio que não tenha ali o seu particular tormento. Os soberbos serão acabrunhados de toda a sorte de confusão, e os avarentos reduzidos à misérrima penúria. Uma hora de suplício ali será mais insuportável que cem anos da mais rigorosa peni­tência aqui. Ali não há sossego nem consolação alguma para os condenados, enquanto aqui às vezes cessam os trabalhos, e somos aliviados por amigos. Tem agora cuidado e dor dos teus pecados para que no dia do Juízo estejas seguro com os bem aventurados. Porque então estarão os justos com grande confiança diante dos que os angus­tiaram e perseguiram. Então se levantará, para julgar, Aquele que agora se sujeita humilde­mente ao juízo dos homens. Então terá muita confiança o pobre e humilde; não assim o soberbo que, de todos os lados, estremecerá de pavor.

5. Então se verá, como fora sábio neste mundo quem aprendeu a ser menosprezado e tido por louco, por amor de Jesus Cristo. Então dará prazer toda a tribulação, sofrida com paciência, e a iniquidade será reduzida ao silêncio. Os que foram dados à piedade, se encherão de alegria, e os irreligiosos de tristeza. A carne então mais se regozijará de ter sido mortificada, do que se fora sempre nutrida em delícias. Então resplandecerá a roupa vil, e a vestimenta preciosa ofuscar-se-á. Então será mais exaltada a simples obediência, do que toda a astúcia do século.

6. Então se alegrará a mais a pura e boa consciência do que a filosofia dos sábios. Então se estimará mais o desprezo das riquezas do que todos os tesouros dos ricos da terra. Então te consolarás mais de haver orado com devoção do que de haver comido com regalo. Então te aproveitarão mais as boas obras do que as mui­tas e lindas palavras. Mais agradará então a vida austera e a rigorosa penitência do que to­das as delícias terrenas. Aprende agora a sofrer um pouco para que possas livrar-te de coisas mais penosas. Experimenta primeiramente aqui o que poderás receber no outro mundo. Se agora tão pouco queres padecer, como poderás suportar tormentos eternos? Se agora o menor incôm­odo te torna tão impaciente, que fará então o inferno? Sem dúvida, não podes ter duas ven­turas: deleitar-te aqui no mundo, e depois rei­nar com Jesus no Céu.

7. Se até hoje sempre tivesses vivido em hon­ras e deleites, que te aproveitaria, se agora mesmo tivesses de morrer? Vaidade tudo, pois, que não for amar e servir somente a Deus. Decerto os que amam de coração a Deus, não temem a morte, nem o suplício, nem o juízo, nem o inferno, porque o perfeito amor tem segura recepção com Deus. Mas quem se deleita ainda em pecar, não admira que tema a morte e o juízo. Todavia, se não te desvias do mal pelo amor, convém ao menos que o faças pelo temor do in­ferno. Porém aquele que despreza o temor de Deus, não poderá perseverar no bem, antes ca­irá muito depressa nos laços do demônio.

8. Que pode te dar o mundo sem Jesus? Estar sem Jesus é terrível inferno; estar com Jesus é doce Paraíso. Estando Jesus contigo, nenhum inimigo te poderá ofender. Quem acha a Jesus, acha um grande tesouro, ou antes um bem su­perior a outro qualquer. Quem o perde, priva-se de muito mais do que de um mundo inteiro. Viver sem Jesus é reduzir-se à extrema pobreza; estar bem com Jesus é tornar-se sumamente rico. Preferível é, pois, ter todo o mundo por inimigo que ofender a Jesus.

9. Confessarei, pois, contra mim mesmo a minha iniquidade; confessar-Vos-ei, Senhor, a minha fraqueza. Vede, Senhor, a minha fragilidade e abatimento que melhor conheceis que eu mesmo. Compadecei-Vos de mim e tirai-me desta lama, para que nela eu não fique atolado e submergido. O' fortíssimo Deus de Israel, zelador das almas fieis, dignai-Vos olhar para os trabalhos e dores do vosso servo e de assisti-lo em tudo. Ro­bustecei-me da força celestial para que não me vença e domine esta carne miserável, ainda re­belde ao espírito, e contra a qual convém com­bater enquanto vivemos neste desgraçado mundo.

(lmit. 1. 22, 24; II. 8; III. 20)