quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

SANTOS E MÁRTIRES (V)


SANTO ESTÊVÃO

Estamos nos primórdios da Igreja de Cristo. A redenção da humanidade acabara de ser firmada há pouco no cimo do Calvário. A rigor, a Igreja não é ainda uma entidade independente e autônoma, com organização própria e separada do judaísmo. Era uma comunidade em formação incipiente, que se distinguia pela crença fervorosa nos ensinamentos de Jesus, pela caridade fraterna que unia os seus membros, pelas refeições em comum e pelo culto eucarístico. Os apóstolos pregavam a nova doutrina e convertiam muitos judeus, impondo-se, então, grandes e novos desafios em termos de assistência social e espiritual das comunidades recém-convertidas. Neste propósito, os apóstolos escolheram, dentre estas, sete homens notáveis pelo saber e pela caridade, que constituíram, então, o chamado 'Colégio dos Sete', entre os quais figurava Estêvão, um profundo conhecedor das revelações dos antigos profetas e da lei mosaica.

A Igreja nascente, entretanto, não estabelecera ainda uma separação categórica entre a fé cristã e a lei mosaica (judaísmo). Foi justamente Estêvão quem fez tal distinção pela primeira vez, e publicamente em uma sinagoga, demonstrando de forma clara e decisiva, com base nas citações e referências aos textos dos profetas, a concepção equivocada da lei hebraica e o caráter provisório do Templo diante a nova doutrina messiânica da Salvação firmada no Calvário. A sua pregação mobilizou protestos e a ira descontrolada dos judeus, que o condenaram por blasfêmia contra Moisés e contra Deus. Mas, num discurso iluminado,  Estêvão provou não apenas não ter caído em blasfêmia como, longe de se intimidar, refutou as acusações e outorgou a eles a enorme pretensão de, como reféns da lei mosaica, atuarem de forma deliberada para deter a ação da graça divina entre os homens: 'Vós vos tornastes traidores e assassinastes o Justo' (At 7, 52 - 53). 

Entorpecidos pela fúria e pela revolta, os judeus passaram num relance a um ritual de justiça sumária e arrastaram Estêvão para fora da sinagoga e da cidade e lá o submeteram ao martírio por lapidação. Entre a turba enfurecida, estava Paulo, aquele que seria um dia o grande apóstolo dos gentios. Sob uma chuva de pedras, Estêvão ofereceu-se em holocausto, pedindo a Deus perdão pelos seus executores, tornando-se, assim, o primeiro mártir da Igreja. A morte de Estêvão foi o alto preço que a Igreja primitiva teve que pagar para sancionar o seu caráter universal e para conquistar o perseguidor de então que se tornaria, mais tarde, o grande arauto desta missão universal da Igreja. Como assinalado mais tarde por Santo Agostinho: Si martyr Stephanus non sit orasset, ecclesia Paulum non haberet - 'Se Estêvão não tivesse orado assim, a Igreja não teria tido Paulo' (Sermão 382). A festa do santo é celebrada em 26 de dezembro, logo em seguida ao Natal de Jesus, para se fazer sua memória como protomártir da Igreja.

('pregação de Santo Estêvão e discurso na sinagoga' de Fra Angélico, 1447 - 49, Capela Nicollina, Vaticano)

('Santo Estêvão arrastado e lapidado pelos judeus' de Fra Angélico,  1447 - 49, Capela Nicollina, Vaticano)