quinta-feira, 11 de julho de 2013

AS REGRAS DA HUMILDADE DE SÃO BENTO

São Bento de Núrsia (480 - 547), monge italiano e irmão gêmeo de Santa Escolástica, foi o fundador da Ordem dos Beneditinos e autor das chamadas 'Regras de São Bento' (excerto abaixo), uma série de regulamentos e prescrições para a vida monástica, que serviram de modelo para várias outras comunidades religiosas. Sua festa litúrgica é comemorada no dia 11 de julho (ver também Medalha de São Bento).

DAS REGRAS DE HUMILDADE

[1] Irmãos, a Escritura divina nos clama dizendo: 'Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado". [2] Indica-nos com isso que toda elevação é um gênero da soberba, [3] da qual o Profeta mostra precaver-se quando diz: 'Senhor, o meu coração não se exaltou, nem foram altivos meus olhos; não andei nas grandezas, nem em maravilhas acima de mim'. [4] Mas, que seria de mim se não me tivesse feito humilde, se tivesse exaltado minha alma? Como aquele que é desmamado de sua mãe, assim retribuirias a minha alma.

[5] Se, portanto, irmãos, queremos atingir o cume da suma humildade e se queremos chegar rapidamente àquela exaltação celeste para a qual se sobe pela humildade da vida presente, [6] deve ser erguida, pela ascensão de nossos atos, aquela escada que apareceu em sonho a Jacó, na qual lhe eram mostrados anjos que subiam e desciam. [7] Essa descida e subida, sem dúvida, outra coisa não significa, para nós, senão que pela exaltação se desce e pela humildade se sobe. [8] Essa escada ereta é a nossa vida no mundo, a qual é elevada ao céu pelo Senhor, se nosso coração se humilha. [9] Quanto aos lados da escada, dizemos que são o nosso corpo e alma, e nesses lados a vocação divina inseriu, para serem galgados, os diversos graus da humildade e da disciplina.

[10] Assim, o primeiro grau da humildade consiste em que, pondo sempre o monge diante dos olhos o temor de Deus, evite, absolutamente, qualquer esquecimento, [11] e esteja, ao contrário, sempre lembrado de tudo o que Deus ordenou, revolva sempre, no espírito, não só que o inferno queima, por causa de seus pecados, os que desprezam a Deus, mas também que a vida eterna está preparada para os que temem a Deus; [12] e, defendendo-se a todo tempo dos pecados e vícios, isto é, dos pecados do pensamento, da língua, das mãos, dos pés e da vontade própria, como também dos desejos da carne, [13]considere-se o homem visto do céu, a todo momento, por Deus, e suas ações vistas em toda parte pelo olhar da divindade e anunciadas a todo instante pelos anjos. [14] Mostra-nos isso o Profeta quando afirma estar Deus sempre presente aos nossos pensamentos: 'Deus que perscruta os corações e os rins'. [15] E também: 'Deus conhece os pensamentos dos homens'. [16] E ainda: 'De longe percebestes os meus pensamentos' [17] e 'o pensamento do homem vos será confessado'. [18] Portanto, para que esteja vigilante quanto aos seus pensamentos maus, diga sempre, em seu coração, o irmão empenhado em seu próprio bem: 'se me preservar da minha iniquidade, serei, então, imaculado diante d’Ele'.

[19] Assim, é-nos proibido fazer a própria vontade, visto que nos diz a Escritura: 'Afasta-te das tuas próprias vontades'. [20] E, também, porque rogamos a Deus na oração que se faça em nós a sua vontade.

[21] Aprendemos, pois, com razão, a não fazer a própria vontade, enquanto nos acautelamos com aquilo que diz a Escritura: 'Há caminhos considerados retos pelos homens cujo fim mergulha até o fundo do inferno', [22] e enquanto, também, nos apavoramos com o que foi dito dos negligentes: 'Corromperam-se e tornaram-se abomináveis nos seus prazeres'. [23] Por isso, quando nos achamos diante dos desejos da carne, creiamos que Deus está sempre presente junto a nós, pois disse o Profeta ao Senhor: 'Diante de vós está todo o meu desejo'.

[24] Devemos, portanto, acautelar-nos contra o mau desejo, porque a morte foi colocada junto à porta do prazer. [25] Sobre isso a Escritura preceitua dizendo: 'Não andes atrás de tuas concupiscências'. [26] Logo, se os olhos do Senhor 'observam os bons e os maus', [27] e 'o Senhor sempre olha do céu os filhos dos homens para ver se há algum inteligente ou que procura a Deus' [28] e se, pelos anjos que nos foram designados, todas as coisas que fazemos são, cotidianamente, dia e noite, anunciadas ao Senhor, [29] devemos ter cuidado, irmãos, a toda hora, como diz o Profeta no salmo, para que não aconteça que Deus nos veja no momento em que caímos no mal, tornando-nos inúteis, [30] e para que, vindo a poupar-nos nessa ocasião porque é Bom e espera sempre que nos tornemos melhores, não venha a dizer-nos no futuro: 'Fizeste isto e calei-me'.

[31] O segundo grau da humildade consiste em que, não amando a própria vontade, não se deleite o monge em realizar os seus desejos, [32] mas imite nas ações aquela palavra do Senhor: 'Não vim fazer a minha vontade, mas a d’Aquele que me enviou'. [33] Do mesmo modo, diz a Escritura: 'O prazer traz consigo a pena e a necessidade gera a coroa'.

[34] O terceiro grau da humildade consiste em que, por amor de Deus, se submeta o monge, com inteira obediência ao superior, imitando o Senhor, de quem disse o Apóstolo: 'Fez-se obediente até a morte'.

[35] O quarto grau da humildade consiste em que, no exercício dessa mesma obediência abrace o monge a paciência, de ânimo sereno, nas coisas duras e adversas, ainda mesmo que se lhe tenham dirigido injúrias, [36] e, suportando tudo, não se entregue nem se vá embora, pois diz a Escritura: 'Aquele que perseverar até o fim será salvo'. [37] E também: 'Que se revigore o teu coração e suporta o Senhor'. [38] E a fim de mostrar que o que é fiel deve suportar todas as coisas, mesmo as adversas, pelo Senhor, diz a Escritura, na pessoa dos que sofrem: 'Por vós, somos entregues todos os dias à morte; somos considerados como ovelhas a serem sacrificadas'. [39] Seguros na esperança da retribuição divina, prosseguem alegres dizendo: 'Mas superamos tudo por causa daquele que nos amou'. [40] Também, em outro lugar, diz a Escritura: 'Ó Deus, provastes-nos, experimentastes-nos no fogo, como no fogo é provada a prata: induzistes-nos a cair no laço, impusestes tribulações sobre os nossos ombros'. [41] E para mostrar que devemos estar submetidos a um superior, continua: 'Impusestes homens sobre nossas cabeças'. [42] Cumprindo, além disso, com paciência o preceito do Senhor nas adversidades e injúrias, se lhes batem numa face, oferecem a outra; a quem lhes toma a túnica cedem também o manto; obrigados a uma milha, andam duas; [43] suportam, como Paulo Apóstolo, os falsos irmãos e abençoam aqueles que os amaldiçoam.

[44] O quinto grau da humildade consiste em não esconder o monge ao seu Abade todos os maus pensamentos que lhe vêm ao coração, ou o que de mal tenha cometido ocultamente, mas em lho revelar humildemente, [45] exortando-nos a este respeito a Escritura quando diz: 'Revela ao Senhor o teu caminho e espera nele'. [46] E quando diz ainda: 'Confessai ao Senhor porque ele é bom, porque sua misericórdia é eterna'. [47] Do mesmo modo o Profeta: 'Dei a conhecer a Vós a minha falta e não escondi as minhas injustiças. [48] Disse: acusar-me-ei de minhas injustiças diante do Senhor, e perdoastes a maldade de meu coração'.

[49] O sexto grau da humildade consiste em que esteja o monge contente com o que há de mais vil e com a situação mais extrema e, em tudo que lhe seja ordenado fazer, se considere mau e indigno operário, [50] dizendo-se a si mesmo com o Profeta: 'Fui reduzido a nada e não o sabia; tornei-me como um animal diante de Vós, porém estou sempre convosco'.

[51] O sétimo grau da humildade consiste em que o monge se diga inferior e mais vil que todos, não só com a boca, mas que também o creia no íntimo pulsar do coração, [52] humilhando-se e dizendo com o Profeta: 'Eu, porém, sou um verme e não um homem, a vergonha dos homens e a abjeção do povo: [53]exaltei-me, mas, depois fui humilhado e confundido'. [54] E ainda: 'É bom para mim que me tenhais humilhado, para que aprenda os vossos mandamentos'.

[55] O oitavo grau da humildade consiste em que só faça o monge o que lhe exortam a Regra comum do mosteiro e os exemplos de seus maiores.

[56] O nono grau da humildade consiste em que o monge negue o falar a sua língua, entregando-se ao silêncio; nada diga, até que seja interrogado, [57] pois mostra a Escritura que 'no muito falar não se foge ao pecado' [58] e que 'o homem que fala muito não se encaminhará bem sobre a terra'.

[59] O décimo grau da humildade consiste em que não seja o monge fácil e pronto ao riso, porque está escrito: 'O estulto eleva sua voz quando ri'.

[60] O undécimo grau da humildade consiste em, quando falar, fazê-lo o monge suavemente e sem riso, humildemente e com gravidade, com poucas e razoáveis palavras e não em alta voz, [61] conforme o que está escrito: 'O sábio manifesta-se com poucas palavras'.

[62] O duodécimo grau da humildade consiste em que não só no coração tenha o monge a humildade, mas a deixe transparecer sempre, no próprio corpo, aos que o vêem, [63] isto é, que no ofício divino, no oratório, no mosteiro, na horta, quando em caminho, no campo ou onde quer que esteja, sentado, andando ou em pé, tenha sempre a cabeça inclinada, os olhos fixos no chão, [64] considerando-se a cada momento culpado de seus pecados, tenha-se já como presente diante do tremendo juízo de Deus, [65] dizendo-se a si mesmo, no coração, aquilo que aquele publicano do Evangelho disse, com os olhos pregados no chão: 'Senhor, não sou digno, eu pecador, de levantar os olhos aos céus'. [66] E ainda, com o Profeta: 'Estou completamente curvado e humilhado'.

[67] Tendo, por conseguinte, subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá logo, aquela caridade de Deus, que, quando perfeita, afasta o temor; [68] por meio dela tudo o que observava antes não sem medo começará a realizar sem nenhum labor, como que naturalmente, pelo costume, [69] não mais por temor do inferno, mas por amor de Cristo, pelo próprio costume bom e pela deleitação das virtudes.

[70] Eis o que, no seu operário, já purificado dos vícios e pecados, se dignará o Senhor manifestar-Se por meio do Espírito Santo.

(Excertos da 'Regras de São Bento', tradução de Dom João Evangelista Enout)